Vitalidade

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— Dormiu bem? - ele finalmente falou, com um tom irônico que me fez a minha ira explodir.
Eu respirei fundo e o encarei.

— Quem você matou?

Ele desligou a torneira e moveu as mãos no ar para enxuga-las.

— O que te faz pensar isso? Por causa disso? - ele aponta para a pia cheia de sangue.- Ah, nem havia reparado.

Eu fecho os punhos e bufo de raiva.

Ele se aproxima e eu avanço para empurra-lo, mas ele segura meus braços e me imobiliza.

— Você ainda está quente. Mesmo doente não perde a postura, bem diferente de ontem à noite...- ele aproxima o seu corpo do meu e eu viro o rosto. Seu tom de voz era sugestivo para me fazer sentir culpada por ter aceitado o seus cuidados.

— Quem você matou?- repito com firmeza. Eu não conseguia tirar aquilo da minha cabeça.

Ele me solta e sai da cabana. Me deixando sozinha com a incerteza do que aconteceu, essa era a pior parte. Eu estava presa, sozinha dentro da minha cabeça. Eu me desespero ao pensar que ele matou um deles, talvez todos. Eu nego em acreditar nisso, mas ele insiste em me torturar com aquela dúvida.

Não demora muito ele entra e joga a carcaça de animal morto na minha frente.
Eu me assusto e dou um passo para trás. Era um lobo, estava ensanguentado.

— Seja boazinha comigo ou um deles pode ser esse lobo. - seu tom era de ameaça.

O sangue era daquele animal, ele estava me testando, me ameaçando. Eu não pude conter o alívio dentro de mim, de que não era a minha família.

— O que você quer? - pergunto com medo da resposta.

Ele põe as mãos nos bolsos e me encara.

— Primeiro, você tem que melhorar. Você não me serve doente. Deite e não tente fugir, porque a minha paciência com você está se esgotando.

Estremeço ao ouvir isso, a minha vantagem parecia estar por um fio.

— Eu preciso de água. Estou com sede. -digo ao notar minha boca seca e noto que não bebo água a horas.

— Não se preocupe, não é meu objetivo te matar de desidratação.

Me matar como então?,pensei

Ele pega o animal morto, que deveria pesar vários quilos, com facilidade e saiu da cabana. Deixando um rastro do sangue dele.
Eu suspiro de alívio ao saber que ele foi embora, sua presença me enojava.

Eu decidi que deveria cooperar até me recuperar, assim eu poderia ter tempo para pensar em como fugir e não estaria em desvantagem ao estar recuperada. Ainda tinha a possibilidade de aproximação, algum tipo de despertar emocional que eu poderia causar nele. Eu deito novamente no colchão e mergulho nos meus pensamentos.

Minha boca implora por água, a febre me fazia suar frio, então eu estava perdendo água muito mais rápido. Isso fazia meu corpo ficar fraco.

Eu perdi a noção do tempo.

Em algum momento eu tentei alcançar a pia, mas o grilhão não me permitia. Era como ver um lindo sanduíche na sua frente sem poder devorá-lo. Frustração.

Percorro os olhos pela corrente e vejo onde está preso. No chão de madeira.
Era madeira velha, talvez se eu fizesse esforço eu conseguiria arrancar aquela tábua que estava presa a corrente.
Foi o que eu fiz. Usei as últimas forças que tinha, mas era inútil, eu estava fraca demais pra conseguir puxar.
Cai no chão ofegante. Me sentía inútil, invalida.

O resto do dia foi difícil, eu sentia dores fortes na perna machucada. Até a ferida superficial no meu braço doía mais do que antes.
A cabana começou a escurecer e eu nunca desejei tanto que Christopher voltasse. De repente sinto minha mente girar e eu sou invadida por imagens.

**lembrança**

— Eu não quero ficar aqui! Me tira daqui por favor!- grito inutilmente para o médico.

O paramédico que havia me atendido na ambulância havia me levado até um quarto branco.

— É temporário, você vai ficar bem, Madeleine.

Sua voz era calma, mas um pouco firme. Ele estava de máscara e eu transtornada não consegui identificar seu rosto com clareza.
Ele pôs a mão sobre meu braço para pôr um cateter. E eu senti um choque subir pelo meu corpo.

**dias atuais**

— NÃO!

Grito involuntariamente ao lembrar daquele toque.
Aquele médico era o Christopher.
Ele estava tão perto de mim, me vigiando das mais diversas formas.

— Vejo que notou uma certa semelhança.

Me assusto ao me deparar com Christopher parado a minha frente. Eu estava tão atordoada que não vi ele chegar, ele carregava uma sacola nas mãos.

— Como conseguiu se aproximar de mim daquele jeito?!- pergunto exaltada.

Ele deu de ombros, foi até a mesa e pegou um copo. Meu peito acelera ao imaginar água entrando na minha boca, escuto a torneira abrir e água encher o copo. Ele caminha até mim, eu estendo a mão, mas ele não deixa eu pegar.

— Calma, vamos por partes. - ele senta no lado oposto do colchão e me olha.- Bem, foi fácil me infiltrar na sua vida, você nunca reparava em nada, só na sua vida medíocre. Eu não fui só aquele médico, fui muitos outros. E eu não vou te mostrar, você só consegue ver o que eu quero que você veja.

Eu tentava lembrar, buscar na minha mente pessoas que pudessem me lembrar ele, mas nada vinha. Eu não podia dar o controle da minha mente para ele, era isso que ele queria, mas eu podia resistir.

— Eu preciso de água, o que quer eu diga pra você me dá essa maldita água?!- eu tentava ser forte, mas eu não tinha forças pra mais nada. Eu só queria água.

— Então beba.- ele então vira o copo e derrama a água no chão.

Fecho os olhos com força, ele não ia me fazer beber água do chão. Eu não podia dar esse prazer a ele. Sinto meus olhos lacrimejarem, de ódio ou de sofrimento, eu não sei, mas eu precisava beber água.

— Eu não vou beber água desse chão.- digo sem muita convicção.

Se não fosse a máscara poderia apostar que seus olhos brilharam naquele momento.  Eu estava mirando no escuro, eu podia enfrentá-lo ou pedir clemência, mas meu orgulho era grande demais pra isso.

— É a única que você tem. Eu disse que não te mataria por desidratação, mas agora que te dei água e você não quer beber...você que está se matando por desidratação.-diz ele num tom acusatório.

— Você não pode fazer isso, me fazer responsável pelo meu sofrimento. O único responsável aqui é você ! Você mesmo disse que precisa de mim, não vai fazer eu morrer, eu não bebo essa água nem qualquer outra que você jogar nessa porcaria de chão. Agora você tem duas opções, ou você me dá água ou me ver morrer, seja por minha causa ou não, eu vou estar morta .

Eu usei daquilo me movia até aquele momento, a determinação de sobreviver. Eu podia ter dado um tiro no escuro, mas eu usei as armas que tinha.

Se era pra jogar, eu ia jogar.

Venha Até Mim (Concluído)Where stories live. Discover now