Capítulo 1 - A aliança

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Eu podia sentir o vento gélido do rigoroso inverno pairar em meus braços, expostos para os últimos ajustes do meu vestido de casamento. Em meu suspirar, um vapor esbranquiçado se formava ainda que o ambiente estivesse sendo acometido pelo calor da enorme lareira acesa.

As cortinas de veludo, em tons de escarlate, deixavam o ambiente mais quente, e não apenas pela composição do tecido, mas por suas cores vibrantes e chamativas. Um praxe do nosso reino utilizar o vermelho em contraste com o branco da neve da área exterior, nos tempos frios. Era como um ritual que memorava o sangue purificador de todos os nossos pecados, segundo o que nosso reino apregoava há séculos. Ao menos isso ainda subsistira. Significava que nosso interior deveria estar com as chamas do amor pelo Eterno acesas mesmo que, do lado de fora, tudo estivesse aparentemente sem vida e sem alegria.

Contudo, interiormente estávamos como o ambiente externo e todo o rito feito não tinha valor algum diante da situação que o reino, no qual eu pertencia, encontrava-se.

Memoro como o nosso reino era cercado de ouro e outras pedras preciosas, em sua extensão, tanto que as obras nos garimpos nunca paravam. Isso trouxera para nós olhares cobiçosos, visto que houvera um desgaste nos solos das demais regiões, mas o nosso permanecia de igual forma: fértil e duradouro. Éramos abençoados com uma bênção sem medida.

Porém, após a morte repentina de minha mãe, a rainha Samantha, meu pai, o rei Edward De La Montana, fechou-se para tudo e para todos. Um olhar vivo e esperançoso deu lugar a um semblante decaído e mortificado pela solidão que sentira. No entanto, suas emoções começaram a sobressair a razão e o reinado, que outrora era forte, converteu-se em um ambiente hostil e desordenado, pois o governante deixara de exercer o real domínio.

As leituras do Livro Sagrado já não tinham mais o devido espaço na sociedade. Esta se tornou incrédula e vil. A avareza tomou conta e por isso passaram a tomar o que não era seu, o que não haviam conquistado. Abriram as portas para os estranhos residirem, e esses só serviram para trazer mais desconforto e lamúrias diante das injustiças que começaram a ocorrer.

O reino se corrompeu e o rei, ainda que estivesse vivo, por dentro já havia morrido mesmo que ainda acreditasse no Deus único. Seu interior estava seco e sem vida. O reino estava seco e sem vida. Porventura viria a ressuscitar? Pela graça do Eterno, sim.

Eu vi todas essas coisas se sucederem, ainda pequena. Cresci presenciando vastas ameaças a Corte devido a falta de liderança. Vi guerras pelo nosso território baterem à porta e o nosso rei, meu pai, achar que não valia mais a pena lutar.

Eu compreendia sua dor. Eu também a sentia, mas também entendia que minha falecida mãe não desejava que o nosso futuro se tornasse um monte de ruínas.

Talvez o melhor acerto foi quando ele decidiu se levantar das profundezas da solidão e retornar à realidade. Foi quando ele me tomou pela mão e me disse que eu seria aquela que traria à vida o nosso reino, casando-me com o filho do homem a quem ele jurou vingança por se esgueirar em nossas terras e se apossar do que não lhe pertenciam. Não apenas isso, mas pelas disputas de força a fim de se considerarem os melhores de todo o continente.

E em breve isso acabaria. Casar-me-ia com um homem que nunca tinha visto em toda a minha vida, nem por quadros. Mark Son era seu nome. Um nome bonito afinal. Tinha que admitir.

Questionava-me a todo instante o que iria fazer posteriormente, mas nem as inúmeras lições, dadas por meu pai, serviram-me para entender sobre como eu realmente deveria agir após a aliança que formaríamos com o reino do Sul, Íriac.

— Minha filha, você está pronta?

Meu pai surgiu na porta, enquanto eu me fitava uma última vez no espelho. As costureiras haviam terminado os últimos ajustes do meu nobre vestido perolado, coberto por uma manta aveludada na cor vinho.

Cessar-fogo (Conto) Where stories live. Discover now