Capítulo 10 - "Só morreria quando tudo estivesse certo"

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Nadja sentiu a medida que saia da água que tinha conseguido de alguma maneira tirar toda a areia do seu corpo. Puxou os cabelos molhados para trás e os torceu com uma certa força. Abaixou as mãos para a lagoa a levou aos lábios a água fresca e sorriu.

Nem na cidade ela poderia esbanjar da forma como ela estava fazendo no oásis. Quer dizer, se o palácio ainda  fosse da sua família ela poderia, ou então se vivesse no reino Ma'an como princesa ou nobre, lembrava das piscinas e lagoas artificiais nos jardins. Pelo menos tinha sido assim quando ela foi para lá.

Olhou para seu reflexo na água e passou a mão pela mancha branca no rosto, ela havia crescido consideravelmente, assim como as outras espalhadas pelo corpo. Bufou, desviou o olhar, saiu e vestiu as mudas de roupas que tinha trazido, as sujas de areia estavam largadas em um galho na árvore, já lavadas. Prendeu os cabelos e bateu no ombro de Khalil que estava sentado de costas olhando para a mata. Ele não tentou olhar para ela nenhuma única vez.

- Vai, minha vez de vigiar. - ela sentou ao seu lado e viu o macaco voltar para o acampamento com tâmaras nas mãos, ofereceu uma para ela - Aqui é grande o suficiente mesmo para eles não nos ver?

- Acho que já teriam vindo aqui se não tivesse outra fonte de água. - ele deu de ombros - Sua garganta já estaria cortada.

O rapaz levantou e já ia puxando a camisa sobre a cabeça. Nadja acompanhou com o canto de olho ele caminhando semi-nu até o lago. Deu um sorriso malicioso a medida que ele balançava os cabelos várias vezes com a areia caindo ao seu redor.

- Licença? - ele disse olhando diretamente para Nadja com as bochechas quase roxas.

- Você é tão menino. - ela riu e se virou - Vamos encher nossas coisas com frutas?

- Acho que seria uma ótima opção. - o barulho da água veio aos ouvidos dela, pensou em virar e sorriu só em imaginar a reação de Khalil - Gosto de você sem o lenço.

- Sério? - Nadja já estava com o pedaço de pano nas mãos, pensando se valia a pena molhar ele com seus cabelos.

- Não cria sombras no seu rosto.

- Bem, com o Sol eu preciso dessas sombras. - ela deu de ombros.

- Eu sei disso. - mais barulho de água - Mas acho que você nasceu para realeza. Estava linda no dia da apresentação formal. Conquistaria fácil pretendentes se a vida fosse outra.

- Mas ela não é. - Nadja engoliu seco e fazendo uma careta, não queria se virar mais - Eu não sou a princesa que vai se casar tão cedo.

- Pretende fazer o que então? - ele estava se vestido pelo barulho das roupas.

- Como a sua avó ficou como sutão? - ela disse mudando de assunto - Ouvi algumas histórias sobre como ela subiu de vida de forma milagrosa.

- De criada a primeira no comando. - ele riu - Ela nasceu bonita e com bastante cérebro. Meu avô quando notou ela entre as moças a colocou como uma de suas várias mulheres. Mas ela engravidou primeiro  e, então, foi elevada. Quando ele morreu, a velha deu um jeito dele deixar um documento, o qual o poder ia para as mãos dela e depois para seu filho homem. Meu pai não ficou feliz.

- Ouvi dizer que ela conseguiu djinn para que ela fosse a primeira a engravidar.

- E ouviu que você era filha de um. - Khalil sentou ao lado dela rindo e mexendo no cabelo molhado.

- É incrível como um mulher com poder pode incomodar tanto ao ponto deles inventarem rumores de magia do nada. - Nadja olhou ele e suspirou - Quase dá para esquecer que estamos aqui para descobrir um reino antigo e matar estrangeiros.

- Nesse lugar, dá mesmo.- ele riu olhando para o céu azul maravilhoso e as copas das árvores verdes brilhantes contrastando.

O barulho de risadas altas chegaram nos dois. Nadja apertou os lábios e torceu para que a conversa dos dois não estivessem tão altas.

- Dorme primeiro. - ela indicou a grama com o queixo - Estou sem sono.

🔪

Medo. Uma palavra que definia bem o que Nadja sentia. Mesmo sozinha no quarto, com as mãos machucadas depois de tanto bater nas portas, os dedos feridos por tentar fazer alguma coisa para escapar e a cabeça doendo de tentar ficar acordada em vão, tudo que ela sentia era medo.

Jean parecia cada vez mais adepto em entrar no quarto dela e, muitas vezes sem bater. Acordou várias vezes com ele a abraçando ou então surpreendida por trás por aqueles pés silenciosos. Todas as vezes ele vinha com uma história de coisas que acontecia do lado de fora do palácio, nos dias de bom humor ele a pegava pela mão e a obrigava ver a sua antiga casa tomada por estrangeiros e a fazia contar coisas do seu passado.

Ela não aguentava mais! Já fazia meses que estava presa. Meses. Meses. Meses. Cansativos meses, os quais pareciam ser todos o mesmo grande e torturante dia sem fim. Tinha começado a não comer, não sentia fome e só pegava na água quando o corpo implorava pelo líquido.

Estava vazia, sozinha, cansada. Não sabia o que Jean queria com ela, nenhum momento ele fez uma pergunta direta sobre a sua família, mesmo que soubesse quem ela era. Se perguntou se aquelas conversas despretensiosas tinha alguma coisa por trás, mas não conseguiu imaginar o que poderia de dado de informação sem ver.

Bailey. O primo era uma constante que atravessava a sua mente. O que os estrangeiros fizeram com o seu corpo? Será que Haj já sabia que seu irmão estava morto? Será que o Credo achava que os dois estavam mortos?

Esse pensamento atravessou a cabeça de Nadja em um desespero puro. Isso ia explicar o motivo de ninguém ter ido atrás dela ainda. Isso significava que ninguém ia atrás dela! Ela estava presa naquele inferno pelo resto da vida.

Bailey teve a garganta cortada. Ela, mesmo que não conseguisse entender direito o que acontecia quando a droga que usaram para a fazer dormir veio a sua cabeça, a imagem do sangue e os olhos vazios do primo era tão clara. Ele não gritou. Ele caiu. Ele engasgou. Muito vermelho e sangue por todos os lados.

Ele não teve que aturar isso! Nadja nunca soube se disse ou pensou essa frase, mas a ideia que veio com isso ainda era clara na sua cabeça, assim como o vaso no canto do quarto.

Nadja escutou o vaso que quebrou, mas hesitou. Ficou um tempo olhando para o caco na sua mão e tudo que pode fazer foi tremer, algo dentro dela impediu que levasse aquele plano em frente. Lágrimas veio aos olhos a medida que notava o quanto não queria morrer. Sentiu quando os guardas estrangeiros tiraram o caco de sua mão a cortando também. Sentiu quando gritaram por ajuda.

Se viu na cama recebendo pontos. A sensação de que ela queria e precisava ficar viva ia crescendo em seu peito a medida que pensava quando tivesse a primeira oportunidade de fugir ia cortar a garganta daqueles estrangeiros. Sim! Ela ia ficar viva! 

Fechou os olhos torcendo para dormir.

- Você não deveria ter feito isso. - Jean disse sentando ao lado dela e tirando uma mecha de cabelo de seu rosto - Agora não vamos poder te deixar sozinha.

Liberdade. Eles estavam tomando dela. Pedaço por pedaço de algo que ouro não poderia pagar, mas todos deveriam ter. Ela estava presa, vigiada, sem privacidade ou poder. Poder. Aquilo que ela tinha visto seu pai e avô lutar tanto para ter, agora fazia sentido todo aquele sacrifício.

Nadja queria viver. Viver bem. Viver livre. Viver longe dali. Queria ver Armim, seu avô, seu beco. Queria e iria sair dali.

Sentia seu cérebro virar pão, eles tinham a drogado mais uma vez. Não sabia o que queria fazer, nem como iria agir, mas não tentaria aquilo mais uma vez, por mais toda a situação estivesse horrível ela só morreria quando estivesse tudo certo.

Um barulho a fez acordar assustada.

Sentou na grama verde e viu o Sol sumindo no horizonte, se arrastou até próximo da água e jogou bastante no rosto. Estava suando frio. Engoliu seco e se levantou devagar, caminhando com dificuldade para o lugar onde o macaco tinha juntado as tâmaras que colheu.

- Olha quem está aqui...

Caos e Areia Where stories live. Discover now