CAPÍTULO CINCO - UM TIPO DIFERENTE DE TRISTEZA

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(LIVRO I – OS QUE DESEJAM O PARAÍSO)

O GAROTO DE QUEM MIKAELA falava ao telefone, Rubens, crescera na casa de número quatro e dividia a velhíssima bicicleta do pai, uma Caloi 10 Sprint, com ela e a irmã. Era comum, numa tarde de sábado, ao saírem para brincar, antes de terem idade e tamanho para ralarem os joelhos caindo da bicicleta, que encontrassem famílias inteiras sentadas em frente às casas como répteis ao sol, ainda que àqueles répteis fossem também militares da reserva, bebericando suas cervejas sem álcool, em espreguiçadeiras, enquanto admiravam de olhos faiscantes a Kombi Samba que uma versão atarracada e olhuda do garoto que faria a guarda na torrezinha de frestas na entrada da vila militar, Rubens, dali a onze anos, ouvia o pai, apresentar, cheio de si.

O garoto atarracado e olhudo não se cansava de dizer à dupla de meninas, com a língua presa; ceceando, que o pai era sargento e mecânico de aeronaves, ainda que dissesse sagento e fizesse Mikaela disfarçar o riso num acesso de tosse na presença da mãe do garoto. Dadá lançava-lhe longos olhares, sempre atenta ao que a menina dizia ao filho. Rubens era um ano mais velho. No entanto, Mika, mais nova, era um palmo mais alta e para uma criança de oito anos, bastante articulada, o que Dadá, com seus cigarros de filtro cor-de-rosa, que Mika acreditava serem de morango, a meio caminho da boca, acesos, achava um aborrecimento. Repreendia a menina vez e outra quando a via corrigir o filho, dizendo que ele estava aprendendo e que mulheres nasciam adiantadas.

A menina não entendia, mas fazia que sim sem jeito e passava a brincar com gestos contritos até que sua cabeça de criança esquecesse e as mãos cobrissem a boca, num arremedo de lembrança e então era a vez de forçar e tossir sob os olhos de Dadá, mais uma vez. Sabia do a mãe de Rubens era capaz e preferia não correr o risco de se queimar. Dadá era a única das mães que fazia favores sem desculpas de última hora, Mika a chamava de Adalgisa o nome por trás de Dadá e a mulher exalava num "Arre!", a boca torta exprimindo indignação ou talvez surpresa. "Dadá, menina!" falava, os dentes de baixo destacando-se mais que os de cima "É Dadá!" e arremessava o filtro cor-de-rosa, agora uma bituca, em sua direção. Mika aparava a bituca com as mãos à frente do corpo, o rosto para o lado; olhos fechados.

A menina planejava vendetas e – vendeta – fora uma palavra que aprendera justamente com Rubens. Aconteceu em um dia de semana, a menina aos cuidados de Dadá. A razão, supôs ser a mesma que das outras vezes: a relação Laila-médico-trânsito, com sorte a mãe a presentearia com outro Kinder Ovo e desta vez torcia para tirar a leoa com o guarda-chuvinha. Rubens também ganhava ovos de chocolate, quase sempre da mãe e em meio a protestos da mesma. A mulher ralhava com o menino primeiro e depois acusava Mikaela de atiçá-lo falando sobre, nas palavras dela: "Esse monte de lixo que inventam para enganar gente trouxa", a menina então ria no banco de trás, e repetia a última parte "gente trouxa, gente trouxa" imitando o jeito de Dadá segundos antes de ameaçar o filho da vizinha com bolhas de cuspe. Rubens choramingava e com os mesmos dentões da mãe, jurava vingar-se quando fosse a hora. "Ainda vai ver a minha vendeta garota" e Mikaela ria "Vendeta?" e ele replicava "Vendeta... é tipo vingança".

"Cala a sua boquinha Rubens, que porra de vendeta o que..."

"Mã, a Mikaela falou palavrão!"

Dadá, a boca meio Marinheiro Popeye, a longa cinza do cigarro desmanchando e indo parar em algum lugar entre suas coxas e o banco, elevava a voz "Eeeei, eeeei, eeeei vocês aí atrás", sem tirar os olhos da estrada "Mikaaa deixa ele em paz, por favor..." pedia, a voz chicletosa "E você Rubens aprenda a se defender, seu pai já conversou com você sobre isso".

Por longos períodos a menina esperou em frente a casa de número quatro, já cansada de assistir televisão ou colocar a sua vendeta em ação implicando com Rubens sentados no tapete já que a mãe do garoto, sempre falando ao telefone com clientes AVON, pedia que voltassem ao tapete quando os via no sofá, e de novo e de novo, e Mika escorregava virando os olhos antes de vê-la sumir mais uma vez; escada acima, e a menina então pulava entre as almofadas mais uma vez, Rubens a imitava. Podia ouvi-la, Dadá, provavelmente fumando um dos seus cigarros de filtro cor-de-rosa de fronte ao espelhão da penteadeira. Mika o vira uma vez e assim como os cigarros de filtro de morango, desejou poder cantar e olhar-se naquele espelho até que não fosse possível esquecer o próprio rosto.

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⏰ Última actualización: Jul 12, 2020 ⏰

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