CAPÍTULO 16

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   TERÇA , 17 DE AGOSTO
  
      Tito.

      Tito.

      Tito.

      Tito.
      E  aquele que era apenas amigo vai se enfiando dentro do meu coração como desejo de mais e mais carinho.
      Ontem, ele e Bete foram salvação. E, se perguntaram o porquê de tanto choro, de tanto desespero, também aceitaram que eu dissesse que ainda não era tempo de revelação.
      Quis apenas ficar perto deles.
      Quis que me levassem até em casa.
      Quis que falassem besteiras, que me contassem das aulas, que me falassem da chapinha da Jeanine ou dos namoricos da Penny Lane. Não queria saber de bruxas, nem de vigilantes sombrios, nem do Demônio. Queria apenas fingir um pouco que era gente como eles.
      E foi bom.
      Entretanto, no sono, o pesadelo retornou. Nele, meu pai e o Mal envolviam-se em luta ferrenha. E o Demo tinha aqueles olhos amarelos, mas o rosto duro de pedra era lindo como sei lá o quê. Depois, eu via meu pai na direção de seu carro, olhar atemorizado, e então o riso maléfico, a perda da direção, o choque frontal contra o poste, e meu pai tentando sair do carro. A chuva em seus cabelos, o vento forte que o empurrou de volta, o raio que riscou o céu e explodiu em labaredas. O incêndio, os gritos de dor de meu pai.
      Descubro no sonho que o carro não pegou fogo por causa da batida no poste. Descubro que foi ele, o Demo, que matou meu pai: o vento veio dele, o raio dele, o fogo veio dele.
      E minha raiva, desejo de vingança, dói dentro de mim. Mais ainda.

      Na sala de aula, não consigo ser concentração. E, para piorar a situação,  o sor Ricardo fala da Idade Média, do tanto de mulheres que ardem nas chamas das fogueiras: as bruxas. E pergunta:  Quem seriam as bruxas hoje? Naquela época, eram mulheres à frente de seu tempo: escreviam, liam,questionavam o poder patriarcal. Quem seria considerado bruxa ou bruxo nos dias atuais? Ele insiste. Eu e Irene trocamos olhares. Nada dizemos. A Penny Lane fala que líderes do povo seriam condenados à fogueira hoje, pois são pessoas que denunciam a corrupção. O sor Ricardo parece ser agradar da resposta. Tece alguns comentários sobre a importância da luta por direitos iguais. Fala que muitos ecologistas, muitos jornalistas, muitos religiosos, acabam sendo assassinados. E que isso deve ser combatido. As fogueiras só mudaram de formato hoje, pessoal.
      Olho para o Dimas. Ele aponta para Jeanine e sussurra para o Werner Werner: - Olha os olhos da patricinha pro sor.
      O outro rir. Sempre julguei que fosse mesmo o Dimas o cérebro do grupo. O Warner Werner é apenas um papagaio de repetição. Consegue ser mais idiota que o amigo. Criaturas abobadas. Sempre debochando, sempre vendo maldade em tudo, sempre querendo ser os julgadores e, ao mesmo tempo, os verdugos do mundo. Pessoas como eles é  que deveriam, na Idade Média, condenar inocentes à fogueira.
      O Werner Werner me olha, balbucia pro Dimas: - olha lá a estranha.
      Eles estão distantes de mim, mas os ouço  como se estivessem aqui, bem do meu lado. Concentro meu olhar no estojo dele. O estojo voa pro chão.  Ele parece achar que aquilo foir normal. Quando se abaixa para pegá-lo, ouvimos um rasgar de tecido. Olhares voltam-se e o que vemos é o Werner Werner parado no meio do corredor, estojo nas mãos e calça rasgada caída a seus pés.
      O rosto se tinge de sangue. Ele balbucia qualquer coisa, tenta erguer as calças, tenta esconder as cuecas desenhadas de patinhos amarelos. Tenta. Rimos todos, até mesmo o seu amigo de chacotas. E eu resisto a fazer com que suas cuecas rasgem também. Irene ri, diz que eu sei bem usar meus poderes.
      Poderes.
      Poderes.
      É bom ter poder. Sinto. Gosto.
      Durante toda a manhã, o comentário maior entre todos os alunos é o mico que werner werner pagou.
       Mico que ninguém atribui às minhas artes. Ninguém.  Ser bruxa, sei lá, parece que tem lá suas vantagens.
  
      Encerro o dia com saldo positivo:

      1. Daniel não apareceu no colégio.
      2. Werner Werner pagou na mesma moeda o que adora promover. Cara abobado. Agora falta o cérebro da dupla, o Dimas, ter a sua paga.
      3. Tito me passou um bilhetinho em que diz, naquela letra bonita, toda desenhada, que gosta muito de mim. E fez o pedido: Quer namorar comigo?
      4. Irene me confidenciou que amanhã iremos à  floresta. Último dia de luta cheia. Momento exato para. Disse que eu não me preocupe, que a adaga de mirra será proteção e que, enquanto ela estiver comigo, o Sete Nomes nada poderá contra m im. Mas temo assim mesmo.
       5.Tia Tânia, quando cheguei em casa, me recebeu com um lindo filhote de gato bem pretinho. Olhos verdes. Dei a ele o nome de  Puquerel Segundo, e agora ele dorme aos pés da minha cama.

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⏰ Última atualização: Jul 15, 2020 ⏰

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