16 - O não-encontro

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Por Malia.

Era sábado. Desde a inauguração - há 6 dias - fui até o SurFletcher todos os dias depois da aula. Ethan já estava aprendendo tudo. Aprender praticando é o modo mais fácil. Os estudos com o garoto estavam indo muito bem. Consegui tirar notas suficientes nos testes para o primeiro bimestre - em agosto e setembro -. Era início de outubro e eu só precisava passar nos últimos dois testes para fechar o ano com chave de ouro. Mas como nem tudo são flores, eu precisava estudar para passar nos testes. Apesar de Ethan fazer parecer fácil. Ainda era meio complicado.

- Esses estão certos. - ele me entrega uma folha com dois exercícios que eu resolvi. Depois pega outra folha com mais dois exercícios e a analisa por um tempo. - Esses também estão certos. - solto a respiração que eu nem me lembrava que estava presa. - Você foi muito bem. - ele apoia o queixo na mão.

- Digamos que eu já posso roubar seu cargo de aluno de ouro do senhor Smith - ele finge uma expressão de puro horror.

- Você não faria isso!

- Será que não? - levo minha xícara de chocolate quente até os lábios.

- Faltam quantos testes até o final do ano? - Ethan pergunta com as mãos nos bolsos do moletom.

- Dois. - coloco a xícara amarela na mesa.

- Ok. Dois. - ele repete. - E eu já sei quase tudo sobre surf.

- Só falta saber surfar. - ele ri.

- Então falta pouco até você não ficar de recuperação e eu ganhar a nossa aposta. - ele estampa um sorrisinho amarelo no rosto lindo. No rosto bronzeado, não lindo.

Quer dizer...no rosto bronzeado e lindo.

Quer dizer...não sei porquê estou disfarçando, não é como se vocês não soubessem que o garoto é lindamente bronzeado e bronzeadamente lindo. A Califórnia fez bem para ele.

- Quanta autoconfiança!

- Eu já sabia desde o começo que eu iria ganhar essa aposta. - ele se gaba.

- Você ainda não ganhou.

- É, mas eu só perderia se você fosse mal nas provas e você não está indo.

- Eu poderia ir mal nas provas de propósito. Nunca se sabe. - ele me olha com uma expressão duvidosa.

- Você não faria isso. - concordo. É verdade. Por que eu me auto sabotaria de propósito? - Você é inteligente, Malia. Só tem um pouco mais de dificuldade em certas matérias.

- Na maioria delas. - completo.

- É. Mas você não precisa ser boa em tudo. Você já é boa no surf. Não precisa ser necessariamente boa em química. - ele tenta argumentar.

- O surf não vai me garantir uma vaga na faculdade. - beberico um pouco mais do meu chocolate quente.

- Talvez a química também não. Você não sabe o que quer fazer ainda, certo? - assinto. - Você é boa em gramática. E é boa em biologia. Talvez você só não se identifique com química. - suspiro. Ele pode ter razão.

- E você já sabe o que quer fazer?

- De faculdade? - assinto. - Ainda não tenho certeza. O corpo humano é tão fascinante. Queria mesmo fazer medicina. Mas as notas são tão altas.

- Não é impossível.

- Eu sei. Mas é quase impossível. - rio.

- Minha mãe conseguiu.

- Sua mãe é médica? - ele arregala os olhos verdes.

- Sim. Neurocirurgiã, para ser mais exata. - dou de ombros.

- Deixa eu ver se eu entendi. A sua mãe. É neurocirurgiã. E você. Não me fala. Nada? - ele fala pausadamente.

- Você não perguntou! - me defendo.

- E precisa perguntar para você me contar uma coisa incrível dessas?!

- Claro. Não posso chegar nos lugares e dizer "Oi, meu nome é Malia Harper e minha mãe é neurocirurgiã". - ele ri.

- E eu não posso chegar dizendo "Oi, meu nome é Ethan Fletcher, por acaso seus pais são médicos?" - rio. Ele fixa os olhos verdes nos meus. Desvio o olhar. Nunca consigo encará-lo nos olhos.

A garçonete recolhe nossas xícaras vazias.

- Está sendo um outono frio, né? - comento enfiando as mãos no canguru do moletom.

- Está sim. - ele olha pela janela de vidro ao lado da nossa mesa - Já sabe do que vai fantasiada no Halloween?

- Não mesmo, o halloween é só no final do mês. Ainda tenho tempo. - ele umedece os lábios. - Mas provavelmente Anne e Elis vão me fazer usar uma fantasia combinando com a delas. - ele ri. - E você?

- É surpresa. Não posso contar. - levanto as sobrancelhas. - Vou arrasar e você só vai poder ver na hora.

- Você é perverso! - ele ri.

Fomos embora andando. Nossas casas eram tão perto do Venice Point mas dessa vez Ethan ia ficar no SurFletcher com o pai e eu ia ficar o final da tarde no quiosque pois não ajudei lá a semana toda. O quiosque era mais perto então cheguei primeiro.

- Que bom que chegou, Mali. - meu pai suspira aliviado quando me vê.

- Aconteceu alguma coisa? - pergunto preocupada.

- Aconteceu. Maya arrumou confusão na escola ontem. - solto o ar dos pulmões acompanhado de um risinho. - A diretora marcou uma reunião com um responsável dela. A reunião é daqui a 20 minutos e sua mãe só chega às 7. - olho as horas no celular. 5:30pm.

- Eu fico aqui para você. - ele sorri e beija minha testa.

- Obrigada, Mali. - ele pega as chaves de casa em cima do balcão. - Oi, Ethan. Nem te vi aí, cara. - ele dá um tapinha no ombro de Ethan e sai de lá.
Dou a volta e entro atrás do balcão.

- Então...Mali, não é?

- Você não pode usar esse apelido comigo. - ele ri.

- Então terei que inventar um. - tento segurar um sorriso.

- Nem começa. - ele ri outra vez.

- Que tal Lia? - levanto as sobrancelhas.

- Tenho que dizer que não é tão ruim assim.

- Então, Lia. - sorrio. - O que vai fazer na sexta a tarde? - meu coração dispara. Ele vai mesmo me chamar para sair? Como um encontro?

- Nada planejado.

- Os garotos e eu vamos explorar a Venice Boardwalk a tarde. Se vocês quiserem vir conosco. - e com vocês ele quer dizer, Elis, Anne e eu.

- Ah, claro. Por que não? Adoraríamos. - ele sorri.

- Ótimo.

- Ótimo - repito.

- Então, até sexta. - ele se afasta.

- Ainda vamos nos ver na escola na segunda. - ele aponta o indicador para mim como se tivesse acabado de ser lembrar.

- Até segunda.

- Até. - observo o garoto se afastar. Me encosto no balcão e suspiro.

Definitivamente não será como um encontro.

Um amor de verãoWhere stories live. Discover now