Capítulo Único

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O amor calcula as horas por meses, e os dias por anos; e cada pequena ausência é uma eternidade.

John Dryden

Shouto não chora ao vê-lo partir.

Ao menos, não no princípio e onde Midoriya pode vê-lo.

Ele apenas permanece ali, corpos próximos, dedos entrelaçados, olhos fixos nos de Izuku, decorando cada parte do seu rosto, sarda por sarda, curva por curva, o trejeito do lábio inferior que treme de leve ao segurar as lágrimas que sabe estarem ansiosas para saltar. Shouto sabe que Izuku nunca foi bom em contê-las, mas faz isso agora por ele. É difícil dizer adeus, ainda que este não passe de um até logo, é como abrir mão de seu maior tesouro e assisti-lo caminhar para longe, impotente. Porém, ele sabe que aquela é a coisa certa a se fazer. O futuro, os sonhos sussurrados no escuro, compartilhados em noites em claro na cama, todos levam para aquele momento, o instante em que o caminho se divide. Não será ele a impedi-lo. Não quando Midoriya foi responsável por clarear sua visão e lhe devolver seus próprios sonhos. Não importa o que for, ele estará lá para apoiá-lo. E, se para isso ele precisa deixá-lo ir, assim o fará. Ainda que seu coração se aperte no peito e a garganta engasgue com as palavras que tanto gostaria de dizer. "Fique", ele quase pode senti-las ardendo no fundo da garganta, "não vá. Não me deixe para trás." Ele não o impedirá, no entanto. Ficará ao seu lado, aconteça o que acontecer, como prometido.

Durante toda a curta caminhada do ponto onde o táxi os havia deixado até o aeroporto, suas mãos tinham se mantido pressionadas quase como se tentassem evitar a separação que se aproximava com uma certeza inevitável. Ao redor dos dois, cerejeiras se preparavam para o florescimento enquanto o inverno deixava seus últimos vestígios para trás e a primavera se anunciava no horizonte com um frescor revigorante. A Shouto aquilo trazia um pesar: aquele seria o primeiro ano desde sua entrada na U.A que não veriam o desabrochar das flores juntos.

— Quando eu voltar, o que acha de irmos ao Hanami juntos mais uma vez? — Izuku havia perguntado, quase como se pudesse ler os pensamentos de Shouto. De algum modo, ele nunca duvidara que o outro possuísse tal habilidade oculta entre suas muitas individualidades.

Ainda assim, Shouto havia inclinado a cabeça, sabendo que a pergunta não era mais nada além de uma maneira de deixá-lo mais confortável com a situação toda e dar aos dois a esperança de que tanto precisavam.

— Eu estarei esperando ansioso por isso.

É a isso que ele se agarra agora, essa pequena promessa dos dois enquanto o ambiente turbulento quase os engole em sua pressa caótica de muitas pessoas partindo e outras se reunindo. Doses iguais de saudade e reencontro que o deixam tonto e sobrecarregado. Não pense nisso, ele repete a si mesmo, mas pensa.

A chamada para o voo soa nos alto-falantes e Izuku se sobressalta, os ombros estremecendo com o medo e a ansiedade. Aquele instante roubado havia por fim chegado ao limite. Ele o encara com seus olhos verdes e sinceros, e Shouto lê neles a despedida que nenhum deles é capaz de dizer em voz alta. Dizer só faria tudo ainda mais real e ele gostaria de permanecer na beirada daquele mundo paralelo por mais algum tempo. Com um suspiro dolorido, Shouto se inclina até que suas testas se toquem, a mão subindo-lhe até a bochecha dele, acariciando-a e sentindo a onda de calor que pinica seus dedos todas as vezes que ele cora.

Shouto não quer vê-lo ir, mas chegou a hora. Ele precisa ser forte. Por Midoriya. Por ele mesmo. Pelo dois.

Depositando um beijo leve em seus lábios, Midoriya lhe dá as costas e parte.

Ele não olha para trás, mas de onde está, Shouto pode ver o tremor se espalhando por seus dedos tortos da mão cicatrizada quebrada em uma batalha em meio a um estádio lotado, partida pelo seu próprio bem por alguém que se importa demais com os outros para deixá-los sofrerem sozinhos. Aquela foi a primeira vez que Midoriya o salvou. Shouto em breve retribuiria o favor. E então eles continuariam se salvando ao longo dos anos, doando pedaços de si mesmos um pelo outro sem nunca pedir nada em troca. Por isso agora, ele não hesita em fazê-lo novamente.

Lost in JapanWhere stories live. Discover now