Caça ao lobo solitário

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Nessa mesma noite, ponho meu plano em prática. Vou mexer com a cabeça do Pedro de qualquer maneira, para deixá-lo doido de curiosidade. Pareço uma bruxa fazendo o caldeirão ferver, no silêncio e na solidão do meu castelo, ou melhor dizendo, no meu quarto.

No dia seguinte, entro no colégio com o coração disparado: será que vai haver uma contra-reação? Provavelmente passarei pelo Pedro no corredor. Dúvida cruel: cumprimento ou não cumprimento? Toda vez que a gente se encontra eu digo oi, ele responde, e fica por isso mesmo. Se hoje eu mudar de atitude, vou dar bandeira, e daí o plano vai por água a baixo.

Nos dias seguintes, enquanto continuo meu  plano em ação, fico de olho na minha vítima. Quando e Pedro vem na minha direção , meu coração dispara como bateria de escola de samba: tchicabum, tchicabum, tchicabum... Ele está diferente ou só impressão? Não anda mais com aquele olhar vago, com aquele jeito distraído; pelo contrário, aqueles olhos pestanudos, que são a minha perdição, olham para todos os lados, como se procurassem alguém. Uma luzinha acende novamente dentro de mim: ele com certeza mordeu a isca, está fisgado, não vai sossegar enquanto não encontrar...

Ai, meu Deu, dai-me firmeza para continuar com meu plano. E quero que o Pedro fique condicionado feito bichinho de laboratório, que ele não consiga ficar sem aquilo que se tornou um grande prazer na vida dele. No começo demorou para reagir, achei que todo meu esforço tinha sido em vão, mas agora é só atacar que ele responde. Tenho tido a confirmação disso todas as noites.

E não foi só ele que se tornou dependente, a mesma coisa aconteceu comigo: de certa forma, a armadilha é tão mortal que pega a caça e o caçador ao mesmo tempo. Já não sei quem é o caçador e quem é a caça mas isso não importa. O que importa é que ele está procurando descobrir quem é. Eu, no lugar dele, também estaria.

Procuro de novo a Tatiana, usando a velha tática:

- Como é que vai indo o namoro da sua irmã?

- Ué, por que o interesse?

- Curiosidade. Se não quiser, não precisa responder.

- Eles estão numa boa, superapaixonados, e a minha irmã já está de olho neles.

- Igualzinho à Viviane. Garanto que ela anda dando umas aulas de biologia pra sua irmã, só pra prevenir.

- A sua mãe conversa com você sobre sexo? Lá em casa isso é normal, a minha mãe parece terapeuta especialista em adolescente. Mas tem muita gente por aí que nunca trocou idéia com a mãe. Também, tem mãe que não sabe nem pra si própria, vai explicar o quê?

- Deixe de ser machista, Tatiana, tem pai também que não é nenhum mestre na matéria. Muito pelo contrário; acha que ensinar o filho a ser homem é estimular o carinha a ser garanhão, o maior galinha. Isso é tão velho! A Viviane diz que a pílula anticoncepcional deu mais garantia para as mulheres, tirou aquele pavor de ser mãe solteira, por isso a nossa geração vive a sexualidade com mais liberdade.

- Mas liberdade demais também dá problema, né, não? - rebate a Tatiana - Não viu o caso do Alex e da Mildred? Acho que é por isso que os pais agora dão telefone celular para filhos; acharam um jeito de ser comunicar com  a gente, nem que seja por controle remoto.

Caio na risada:

-  Eles pensam que controlam. Quanto colega eu já vi conferindo o número do telefone no visor... Se a ligação vem de casa, ou do celular do pai ou da mãe, ele nem atendem. Sem falar nos que dizem que vão dormir na casa de algum amigo e saem pra outros lugares...

- É, eu sei. Daí bebem pra burro e dirigem por aí, mesmo sem carteira de motorista, ou pegando carona com o colega que também bebeu demais... Por isso acontecem esses acidentes terríveis na madrugada. Um vizinho meu estava com mais três no carro voltando de uma balada, não sobrou ninguém, um horror! Coitados dos pais desses garotos...

- Coitados também desses garotos, que perderam a vida estupidamente - concluo. - Nesse ponto, a Viviane tem razão: álcool na mão de jovem é uma desgraça. Aliás, na mão de qualquer um que não tenha controle.

- E não é só garoto, não, tem muita garota enchendo a cara por aí, sem falar no ecstasy  - continua a Tatiana. - A galera fica lá horas e horas dançando feito louca, porque toma a tal droga; eu li que dá uma baita sede, então eles dançam com uma garrafinha de água mineral na mão e dá-lhe água.

- É eu li também. A pessoa vai desidratando, aumenta a temperatura corporal, o sangue chega até a coagular. Então, para evitar isso, tomam também muita água e pensam que assim se livram dos efeitos da droga. Negativo: outro dia, uma garota tomou a droga, bebeu litros de água e morreu de edema pulmonar. Dá pra acreditar numa coisa dessas? Desperdiçar a vida desse jeito?

A Tatiana estremece:

- Gela o sangue só de pensar. Eu, hein? Passo longe. Precisa ser muito otário pra entrar numa dessas, só pra dizer que é moderninho. Prefiro ser chamado de careta.

- Então, somos duas. De álcool e droga quero distância. E careta são os otários que arriscam a vida...

Depois de trocar idéias com a Tatiana, volto ao assunto principal:

- E aí, o namorado da sua irmã continua amigo do Pedro?

Ela reage:

Que insistência, Layla! Por que tanto interesse? Eles continuam amigos, sim. Por falar nisso, o namorado da minha irmã até comentou que o Pedro anda diferente, mais estranho do que de costume.

Meu coração até muda de ritmo:

- Ah, é? E ele descobriu o motivo?

- Bem que ele tentou, mas não descobriu nada. Ele está tão preocupado com o amigo que se abriu com a minha irmã, e, como não temos segredos uma com a outra, fiquei sabendo também.

Interrompo, quase histérica:

- Pare de fazer mistério, Tatiana, conte de uma vez!

Ela olha para todos os lados, baixa voz e entrega:

- O Pedro, como você sabe, sempre foi uma concha, só conversava com esse amigo. Agora se trancou de vez, fazendo o maior suspense, parece até que fez contato com algum alienígena. Aliás, você também anda cheia de mistério... Me diga, por que você queria tanto o...?

O terreno de repente fica perigoso. Disfarço e mudo de assusto:

- Seja franca: você me acha um tribufu?

- Que é isso, Layla? Você é uma gatinha. Não tem por que se preocupar com a aparência.

- Gatinha, eu? Pelo amor de Deus, Tatiana, tenha dó. Com esse aparelho nos dentes, usando óculos, espinha no queixo? Eu sei que você é minha amiga do peito mas não precisa ser baba-ovo, não. Eu tenho espelho em casa.

- Não sou baba-ovo coisa nenhuma - retruca a Tatiana, zangada. - Veja se tem mais autoconfiança, Layla. Não digo que você seja a miss universo, mas também não fica devendo nada a ninguém...

- Só falta você dizer que eu pareço a Carol...

- E por que você deveria ser igual a Carol? Você sempre diz que me acha bonita. E eu sou completamente diferente da Carol.

- É pensando assim, acho que você tem razão.

Sorte que a Tatiana não insistiu no outro assunto, e eu pude curtir a revelação. Até que para bruxa amadora eu estou indo muito bem...

Como é duro ser diferenteOnde histórias criam vida. Descubra agora