Único

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É a quarta vez que levo a mão na boca em apenas um segundo. Quase certeiro que assim que o jogo terminar minhas unhas, as quais eu demorei um bom tempo para pinta- las de roxo escuro, estarão todas em um estado deplorável. Já era de se imaginar que assistir as oitavas de final entre Brasil vs Japão ia trazer esse tipo de consequência.

Não, eu não gosto de futebol, mas essa história muda quando se trata de Copa do Mundo...esse período traz consigo uma magia especial. Um brilho único, pode se dizer. Ah, e claro, você é obrigado a se simpatizar com aquilo que te sustenta. E basicamente é isso que esse jogo vai fazer por mim de agora em diante, já que a equipe brasileira me chamou para substituir o fotógrafo oficial. Acho que nem precisa contar que eu aceitei sem nem pestanejar, não é? Quem é o louco de não aceitar um emprego que te dá o privilégio de assistir a Copa do Mundo de graça?

Mas agora, aqui, há poucos metros de distância do campo, meu estômago revira e meu coração parece estar em uma bateria de carnaval. Apesar do jogo estar empolgante e tudo mais, vez ou outra me pego pensando nele.Observo-o tão concentrado, com seus olhos estreitos sobre a bola, o sorriso que ele distribui para o público na arquibancada, as mãos exasperadas passando pelo cabelo macio,em um tom preto como a noite, sempre que erra o gol.

Será que Théo tem haver com a minha contratação? Ou melhor, será que ele se lembra de mim ainda? Não sei porque, mas esse último questionamento me trouxe um profundo desapontamento. Afinal, era isso que eu queria quando o bloqueei do nada em todas as redes sociais. Eu esperava que ele se esquecesse de mim. Só Deus sabe o quão difícil foi desprender do único homem que me tratou com respeito. Se eu pudesse lhe explicar que tudo foi culpa...

— Goooooool do Brasil — o locutor anuncia e a arquibancada vai a loucura- O nome dele é Theo Morelli.- o homem de voz grave diz com euforia

Meu peito deu um pulo. Meu time havia desempatado, e Theo era responsável por isso. Eu não sei se a felicidade que paira sobre mim se dá pela seleção brasileira estar a um passo de conquistar mais uma taça, ou se é por meu amor de adolescência ter se consagrado no futebol com esse gol.

Seja lá o que for, essa é minha deixa para realizar meu trabalho. Levanto a câmera fotográfica de última geração, focando no grito dos torcedores, na decepção do time rival, na comemoração dos jogadores da seleção...até que um em especifico preencheu todo o meu campo de visão: Théo. Um momento pensei tê-lo visto sorriso daquele mesmo jeito que ele sorria para mim, pensei que a piscadinha discreta era por consideração da intimidade trocada por longos anos. Mas então, lembrei-me que não sou a mesma garota de 15 anos, não tenho mais cabelo curto, nem aparelho nos dentes. Hoje sou uma mulher de 23 anos, dotada de um longo cabelo castanho e praticamente irreconhecível. Acho que isso se dá muito mais pelas experiências que fui obrigada a enfrentar. E é de se esperar que os jogadores darão uma atenção especial para a câmera, não é?

O juiz apita. Fim do primeiro tempo e o Brasil está na frente. Agora chegou a parte principal, a mesma que venho tentando fugir: Cobrir os bastidores. Infelizmente, isso consiste em ter que tirar fotos de todos os jogadores, ou seja, de Théo. Não sei exatamente explicar a confusão de sentimentos que ronda a minha cabeça conforme vou me aproximando do vestiário. É um misto de prazer e medo. Ao mesmo tempo que quero correr para dentro do local verde e amarelo, com um odor de testosterona. Uma parte de mim deseja dar meia volta e fingir que nada disso aconteceu, mas rapidamente me vem a imagem de mamãe na cama, tão frágil e tão dependente de mim. É isso que me motiva prosseguir.

Não é possível que terei de lidar com essa tortura todas as vezes que tiver jogo do meu time.

Aos poucos vou me aproximando e capturo cada detalhe. Um clique aqui, outro ali, um pouco para o lado e...tudo ficou preto e verde. Tudo ficou tomado por um peito largo. Tudo virou Theo. Eu quero muito acreditar que o brilho de seus olhos se dão pela alegria de ser um fenômeno no futebol, não por minha causa.

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