O PIOR PESADELO DE UM HOMEM

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SALAMANCA, ESPANHA. 2013.


– Morra, vagabunda!

O grito ecoou pelo edifício vazio e tudo que se pôde ouvir em seguida foi o som baixo e úmido da lâmina penetrando a carne, bem abaixo da caixa torácica. Assustado consigo mesmo, o garoto deixou de se sentir homem e largou a faca, tombando no chão sujo. Ele nunca tinha cometido ato tão violento. Ou ao menos, era isso que pensava de si mesmo.

A garota, por sua vez, continuava de pé, encarando-o, sem esbanjar reação.

O sangue nunca veio à superfície e a roupa dela continuou intacta; exceto pelos botões da saia que tinham sido arrancados à força mais cedo.

Mas isso não contava. Não para ele.

– Eu não entendo vocês, homens... – ela, enfim, resmungou, puxando a faca do próprio corpo sem nenhum esforço. – Na verdade, eu não entendo vocês humanos. Se uma mulher quer sexo, ela é vagabunda. E se ela não quer sexo, ela também é vagabunda!

Em passos firmes, ela caminhou em direção ao garoto, ainda de arma em punho.

– Existe saída para criaturas como eu? – ela continuou a falar, mesmo que o garoto fosse incapaz de responder qualquer coisa. – Existe um jeito de viver em paz? Existe um jeito de viver? Por que sexo é mais importante pra você do que a vida de uma mulher, hein?

Ele tentou balbuciar mais uma vez, mas as palavras morreram na garganta dele, que nunca esteve do outro lado da faca.

– Não precisa responder – ela disse, por fim. – Isso aqui é muito maior que você. É uma resposta que eu busco há décadas e devo continuar por toda a eternidade.

Inerte por medo e encantamento, o garoto permaneceu no chão, apenas observando enquanto a criatura com aparência de mulher sentava sobre seu colo. Um êxtase incomum tomou cada centímetro de si, em uma necessidade urgente de tocá-la. Não era como com todas as outras garotas que lhe despertavam intenso desejo sexual. Nenhuma era como ela.

Ele soube, naquele momento, que se tornara a presa.

– Mas sabe o que eu aprendi nessa minha longa existência? – Ela encostou a ponta da faca nos lábios dele. – O pior pesadelo de um homem é uma mulher que não morre.

Então enfiou a faca na garganta dele.


DESERTO DAS TABERNAS, ESPANHA. 1820.



Dahlia nasceu durante uma noite limpa em pleno deserto.

A lua, cheia e vermelha, acompanhou o ritual que ocorria na Terra em cumplicidade. As parideiras ficavam no meio da roda formada por todas as outras mulheres nuas e pintadas por sangue de homens. Ao som de cantos e gritos, elas dançavam em ritmo frenético, mas harmonioso enquanto dividiam a dor que envolvia colocar uma nova criatura no mundo. Foi em meio a mais pura união que Dahlia respirou pela primeira vez o ar terreno.

Tinha cheiro de vida e de morte.

As primeiras décadas de sua vida foram as melhores. Antes de se tornarem maduras para o despertar sexual, elas não caçavam ou reproduziam. E enquanto ainda era uma não-mulher, Dahlia vivia em pleno conforto entre as suas, sem preocupações. No entanto, o conforto foi se dissipando com a passagem dos anos, conforme as irmãs da mesma geração que ela iam despertando entre sonhos eróticos e orgasmos para o chamado da natureza.

E Dahlia ficava para trás.

Naquela noite de lua cheia, a criatura-garota de cabelos avermelhados e pele cor de areia branca adentrou na tenda já com um mal pressentimento. A primeira coisa que avistou foi Sara, sua companheira mais próxima. Ela estava no centro da roda formada pelas mais velhas que, em ritmo de comemoração, pintavam o corpo nu dela com sangue fresco.

A pele de tom amarronzado dela reluzia conforme era coberta pelos desenhos. Os seios volumosos e caídos foram contornados por espirais que terminavam nos mamilos. Nas pernas, as linhas circundavam as coxas grossas como anéis. E, sobre o ventre, acima da virilha, uma mulher pintava um triângulo invertido, ainda incompleto.

Sara estava linda, mais do que de costume. Radiante. O despertar costumava causar esse efeito, mas aos olhos de Dahlia, Sara era ainda mais especial. Ela sempre foi.

Dahlia se esgueirou, tentando passar despercebida. Só queria entregar um presente para Sara, nada além disso. Contudo, ela logo foi flagrada pelo olhar atento da companheira.

– Dahlia! Você veio! – Ela comemorou. – Veja só como estou!

Sara girou no centro da roda, exibindo os desenhos. As mulheres ao redor dela, cobertas por véus coloridos, fizeram uma pausa na pintura para observá-las com curiosidade.

– Está perfeita! – Dahlia comentou, sem conseguir conter um sorriso que insistia em aparecer toda vez que via Sara feliz. – Tenho certeza que conseguirá o melhor deles!

– Eu mal posso acreditar... Minha primeira caçada! Esperei tanto por esta noite!

Dahlia não compartilhava do sentimento ou sequer o entendia. E toda vez que o assunto surgia, um incômodo se alastrava por todo seu corpo, lembrando-a que um dia seria a vez dela. Pelo bem de Sara, a garota apenas concordou com a cabeça e disse:

– Vim te desejar uma boa caçada e te entregar um presente... É para dar sorte.

Ela se aproximou, passando entre as mais velhas que a encaravam. Ao chegar perto de Sara, abriu a mão direita, revelando um colar trançado com uma pedra negra na ponta. Sara ficou tão animada que a abraçou sem ligar para a pintura, deixando-a marcada em vermelho

– Você me fez um amuleto? Obrigada, Dahlia! Eu queria tanto que minha primeira caçada fosse junto de ti. Sempre achei que chegaríamos ao nosso despertar juntas.

Surgia, então, aquele assunto que Dahlia tanto evitava. E desde que Sara havia tido o primeiro sonho erótico, estava cada vez mais difícil driblar aquela conversa.

– É... Uma pena... – murmurou, tentando sair do centro da roda, mas as outras mulheres a cercaram, interessadas na conversa. Elas sempre tinham comentários a fazer.

– Ainda não teve o sonho, Dahlia? – perguntou uma coberta por um véu roxo.

– Talvez você precise de mais estímulo. – disse outra, vestida de amarelo.

– Não é normal que na sua idade ainda não tenha despertado... – opinou a mais experiente delas, Azahara, que usava um véu vermelho. Todas concordaram. Exceto Dahlia.

No fundo, ela agradecia por não ter passado pela experiência. Não gostava de pensar em línguas, mãos, saliva e outros fluídos. Via as irmãs se contorcerem de prazer e achava bizarro, para dizer o mínimo. Não entendia como poderia ser proveitoso sentir o ventre queimar de excitação. No entanto, jamais poderia admitir isso em voz alta.

– Vamos, Dahlia, tem certeza que não quer vir conosco hoje? – Sara perguntou, piscando os olhos amendoados. O efeito sedutor deveria funcionar apenas em humanos, mas Dahlia engoliu em seco. Dava mesmo vontade de atender aos desejos dela.

Ela titubeou, incerta.

– Não me sinto pronta... – murmurou. Porém, Sara segurou suas mãos e insistiu:

– Eu estarei contigo. E você pode aprender sobre poder sexual conosco.

– Sara está certa. – Azahara complementou. – Temos muito o que te ensinar.

Diante dos olhares de expectativa, Dahlia acabou cedendo.

Não pelas mais velhas, que a julgavam, e sim pelos olhos doces de Sara.

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O pior pesadelo de um homem (DEGUSTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora