3.Vem Cá

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Parte.I Ana Marina

"Faz de conta que a gente é só um
E toda multidão se evaporou
Ninguém vai poder nos escutar
A gente quando junta é bom demais
A gente quando junta..."

Tinha chegado o dia do Luau e por mais que minha vontade de ir estivesse próxima do zero, eu precisava, tinha prometido pra eles.
— Ai, o que eu não faço por vocês Vitória e Alex... — Falei observando uma foto nossa em um porta-retrato na minha penteadeira.
Vesti uma roupa leve, confortável e colorida com cores que realçavam minha pele preta, e armei meu black power como de costume.
E é claro coloquei meu anel preto, meu símbolo assexual estava sempre comigo.
Me olhei no espelho e de fato eu estava deslumbrante.
— É, vamos la!
Cheguei até cedo, mas ja tinha bastante gente la, percebi que era como um sarau colaborativo, algumas pessoas tocavam em um palco.
Nunca gostei muito de multidões mas tentei ignorar o desconforto e aproveitar a vista para o mar, e comer um acarajé porque eu estava morrendo de fome.
Foi quando parei pra reparar na música que tocava.
Em cima do palco tinha uma garota negra de tranças vinho, e olhos castanho escuros, muito bonita, ela tocava um instrumento pequeno que suponho ser um ukulele, e cantava Muda Tudo uma música antiga da Elana Dara.

"Porra amor, canto só pra mim
Sei que cê nunca vai nem ouvir
Será que se eu gritar bem alto
Eu paro de sentir
Minha carta não tem remetente
Mais independente
Meu motivo desde sempre foi porque..."

Ela tocava e cantava com uma confiança no olhar como quem se sente em casa, e parecia se divertir, sua voz era linda e ela tinha um sotaque que entregava que não era da Bahia.

"Muda tudo quando cê ta la
Muda tudo, quando cê vem cá.."

Ela terminou a música e aplausos explodiram, inclusive os meus.
Assim que ela desceu do palco pensei em ir falar com ela, mas decidi esperar pra ver se ela ja tinha companhia.
Como ela parecia estar sozinha, decidi me aproximar.
— Oi, tudo bem? — Falei tentando ser simpática.
— Oi, tudo sim, como é seu nome? — Ela me perguntou.
— Eu me chamo Ana.
— Ana o que?
— Como assim?
— Só Ana?
— Ana Marina... — Completei confusa.
— Ah ta.
— E tu é...?
— Ana Luzia.
— Ah! — Entendi o porquê que dela ter perguntado meu sobrenome. — Muito prazer.
— O prazer é todo meu.
— Eu vi tu cantado agora a pouco. —Comentei. — uma música da Elana Dara, você canta muito bem.
Ana Luna sorriu.
— Obrigada, é muito mais fácil quando a música em questão é a sua cantora favorita.
— Eu gosto muito da Elana também.
— Ela é incrível.
— O instrumento é um ukulele?
— Não é um cavaquinho, é um u-... pera, cê disse ukulele?
— Sim. — Respondi rindo.
Ela riu comigo.
— Foi mal, é que todo mundo sempre chama de cavaquinho.
— Tem um sotaque muito bonito, tu não é daqui da Bahia não ne?
— Sotaque? É a primeira vez que alguém fala que eu tenho sotaque. —Riu. — E eu sou mineira.
— Mineira... que legal, eu nunca fui pra Minas mas dizem que a culinária é ótima.
— É só o que dizem. — Ela brincou. — Mas de fato, os melhores pratos do Brasil! — Riu.
— Mas além de culinária, Minas, Belo Horizonte mais especificamente que é onde eu nasci, tem um monte de paisagem linda! E nem é porque é minha cidade não, mas eu acho uma das cidades mais lindas que eu conheço, junto com Fortaleza e Salvador também.
— Então tu é bem viajada! —Brinquei.
— Um pouco.
— E ta morando por aqui? Ou ta em Salvador só de passagem?
— Na verdade eu vim pra prestar vestibular, e a gente mora a poucas quadras daqui.
— A gente?
— Ah! — Riu. — Eu e meu melhor amigo, João Victor. — Que ta por aqui em algum lugar.
— Entendi.
— Ouve só. — Ela falou apontado pro palco.
Olhei e vi que um trio tocava uma música do duo ANAVITORIA, Te Amar É Massa Demais.
— Eu amo essa música! — Falei levemente empolgada.
— Eu também, cê quer dançar? — Perguntou estendendo sua mão até a minha.
— Ah eu não sei...
— Vem, vai ser legal.
— Ah quer saber? Bora! — Peguei sua mão.
Sempre fui tímida, nunca sabia como agir no meio de muita gente. Mas Ana Luna era muito cativante, o que me fez ignorar minhas inseguranças e aceitar dançar com ela.
E nos momentos que nossos corpos estavam unidos, toda aquela multidão pareceu evaporar. Parecia que o mundo era apenas nós duas.

Parte II. Ana Luna

"Deixa a gente junto
Deixa a gente bagunçar
Bem no final essa bagunça ainda vai
Nos arrumar..."

Eu ainda cantava aquele refrão incrível da música das Anavitoria. Eu sempre adorei dançar e talvez por isso tivesse decidido chamar Ana Marina pra dançar assim do nada. Até porque eu adoraria dançar com uma moça tão bonita como ela.
— Essa é minha música favorita do COR. — Ela falou sorrindo, e diga-se de passagem, ela tinha um sorriso lindo.
— A minha é Lisboa. — Falei.
— Eu amo também, é um feat incrível.

É sim, e do O Tempo É Agora?
Porque Eu Te Amo. E a sua?
Doí Sem Tanto. Do Anavitoria eu sou louca por Cor De Marte.
— Eu gosto de Chamego Meu.
— Também amo. E que outros sons cê curte? Quais seus cantores favoritos?
— Além de nova mpb no geral, ANAVITORIA, OutroEu, Jão, Ana Gabriela, Vitor Kley, eu sou apaixonada por reggae. E minha cantora favorita é a Carol Biazin, cantor Gabriel Elias e banda acho que fico entre Maneva e Hotelo. — Riu.—  E os teus?
— Olha Ana, eu mal te conheço e ja te considero demais, só pelo ótimo gosto musical. —  Brinquei, mas com uma pontinha de verdade.
— Digo o mesmo pra tu.
— E eu gosto muito de nova mpb mas também amo pop e soul nacional. Minha cantora favorita é a Elana Dara, cantor acho que o Martte, banda sem sombra de dúvidas Lagum.
— Nossa eu amo Lagum. Tu tem alguma música favorita da vida assim?
— Pergunta difícil, eu diria que Dádiva da Ana Vilela, tem um significado importante pra mim. E cê tem?
— Essa música é muito linda. E no momento é Nada Nada da Ana Gabriela, ja que eu faço bem o padrão da lésbica emocionada. — Riu.
— Te entendo, quer dizer mais ou menos, eu acho que sol totalmente o oposto desse padrão. — Ri. —  Mas eu amo a Ana Gabriela com todas as minhas forças.
— Então temos bastante em comum—  Sorriu. — E me fala mais de tu.
— Ok, o você quer saber? Meu mapa astral, minha sexualidade, a quantidade de vezes que eu procrastinei essa semana?
Ela riu.
— Se puder falar tudo isso.
— Vamos lá, eu sou taurina com ascendente em virgem, lésbica e minha já procrastinação ultrapassou os limites dos numerais. —  Ri. —  Você agora.
— Sou escorpiana, meu ascendente é câncer, sou lésbica e assexual e tudo que eu fiz essa semana foi procrastinar.
— E qual é seu espectro dentro da assexualidade?
— Demiace, sinto atração depois de ter um vínculo afetivo. — Explicou. — Ou demissexual, usando um tremo mais comum, mas sendo honesta eu não gosto muito dele porque as pessoas acabam separando demissexualidade da assexualidade.
— Entendi.
— Tu tinha dito que veio prestar vestibular, planeja cursar o que?
— Arquitetura, ou pelo menos é isso que eu penso, mas esses dias João me veio com o papo de na real é o que meus pais querem e não é o que eu quero de verdade e sei lá mais o que.
— Nossa e o que tu acha disso, acha que ele ta certo?
— Sendo sincera eu não sei. — Suspirei. —  E é inclusive por isso que eu estou aqui hoje, ele disse que seria bom me distrair um pouco.
— Então tu também veio na intenção de se distrair?
— Sim, cê ta na mesma que eu?
— Mais ou menos. Vim, segundo meus amigos, pra me divertir e não fazer besteira, mas não sei se "Não fazer besteira" significa não beber uma garrafa de vinho sozinha ou não mandar mensagem pra minha ex. — Riu
— Complexo.
— Eu sei, sou uma pessoa bagunçada.
— Eu também sou, deve ser por isso que a gente mal se conhece e ja se entende bem.
— Isso faz bastante sentido, acho que tu tem razão.
Ficamos horas ali conversando, ao lado dela eu mal vi o tempo passar, e talvez aquelas duas pessoas bagunçadas realmente podiam acabar se arrumando.

Ana'sOnde histórias criam vida. Descubra agora