💞 Capítulo 03 💞

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Chego antes do senhor Carlos no escritório e arrumo minha mesa. E poucos minutos depois, o elevador se abre e ele sai, vestido em um terno azul-escuro que parece custar os olhos da cara. O senhor Carlos é um homem muito bonito, com cabelos castanhos e olhos azuis e uma barba muito bem feita, que o deixa ainda mais belo. E mesmo sempre o vendo de terno, imagino que também seja forte. Ele é o tipo de homem que minha mãe gosta.
— Bom dia, Ana. Como foi o fim de semana?
— Bom dia, senhor Carlos. Foi ótimo, obrigada por perguntar. E o do senhor?
— O meu foi perfeito. Te espero daqui a cinco minutos no meu escritório.
Assinto.
O senhor Carlos, apesar de ser bem exigente, não é grosseiro. Temos uma relação até que boa. Suas exigências não são um absurdo, ele só gosta de tudo bem organizado. Não é aqueles patrões que gritam com as secretárias ou que pede para ir buscar um café no fim do mundo só porque gosta. Eu só queria entender o que o faz mudar tanto de secretária em tão pouco tempo. A maioria não passa nem do tempo de experiência. Pelo menos foi o que me disseram na agência de empregos. Eu passei, já estou há seis meses aqui e espero continuar. Espero o tempo solicitado, me levanto, arrumo minha roupa e bato à sua porta antes de entrar.
— Sente-se, por favor. Eu preciso que reveja toda a minha agenda da semana, confirme os compromissos importantes e faça também uma pesquisa sobre as melhores pousadas de Guarujá. Os investidores que virão para uma reunião semana que vem querem ficar alguns dias por aqui. — Até o jeito dele de falar é impecável. Sua dicção é perfeita. Ele não gagueja, não vacila. É um perfeito homem de negócios. Será que meu pai é assim como ele? Para, Ana, esse não é o momento de deixar sua mente fértil te distrair.
Anoto tudo com atenção no bloquinho. E assim que levanto o rosto, vejo que seus olhos estão fixos em mim.
— Sim, senhor. Tudo anotado. Algo mais?
— Só isso, por enquanto. — Ele sorri. Antes de sair de sua sala ele diz: — Está fazendo um ótimo trabalho.
Sorrio sem jeito. Não é todo dia que recebemos um elogio desses de nosso chefe. Agradeço e volto para minha mesa. Foco em meu trabalho e em cumprir o que me pediu. Começo a confirmar seus compromissos enquanto pesquiso as pousadas e só paro no horário de almoço. Me mantenho tão focada que quando dou por mim, já são quase seis da tarde. Graças a Deus está chegando a hora de ir para casa.
— Boa noite, Ana. Até amanhã — o senhor Carlos se despede.
— Boa noite, senhor. Até amanhã.
Assim que ele sai, desligo o computador, arrumo minha bolsa e ando até o ponto de ônibus. Hoje está vazio, por isso fico receosa de ficar aqui sozinha. Já faz dez minutos que estou esperando o ônibus e nada. Não sei por que hoje está demorando tanto. Já até pensei em comprar meu próprio carro, mas achei melhor esperar mais um pouco. Me estabilizar nesse emprego, talvez quando completar um ano possa realizar esse meu sonho e não depender mais de ônibus. Meu coração acelera quando três rapazes se aproximam. Ansiosa, mando uma mensagem para Bia, mas ela não visualiza. Ainda deve estar no trabalho. Mando outra para Lipe, que também não visualiza. Parece que hoje não estou com sorte. Guardo meu celular na bolsa rapidamente.
— Oi, gatinha. — diz o mais velho — Sozinha no ponto. — Me rodeia e minhas mãos tremem. — Precisa de alguma coisa? Uma companhia?
— Estou bem, obrigada. — Tento soar o mais calma possível, mas por dentro já estou em pânico.
— Nós três adoraríamos te fazer companhia. — O rapaz mais alto passa a mão em meu cabelo.
— Você pode parar, por favor? — Minha voz sai embargada.
— Mas só queremos nos divertir. Tenho certeza que vai gostar. — O mais velho dá um passo, se aproximando mais. Ele fede a bebida barata, e seu odor me enjoa.
Fecho os olhos com força, tentando reunir forças para fugir ou gritar por ajuda, e quando os abro, meu coração se enche de esperança. Vejo de longe um carro familiar se aproximar e, instantes depois, a porta é aberta e Felipe sai.
— Não se atreva a encostar nela! — grita.
Lipe chega empurrando o rapaz para longe de mim, e ele cai de bunda no chão, resmungando. O segundo tenta avançar nele, mas um soco atinge seu nariz em cheio. Parece até que estou vendo a cena de quando éramos crianças. Mas dessa vez Lipe não é mais aquele magrelo que não sabia se defender. Ele está enfrentando três homens. Não está pensando que pode se machucar ou perder a briga. Ele está me defendendo como se sua vida dependesse disso. O mais alto acerta um soco em sua boca e vejo um pouco de sangue sujar seu lábio. Mas ele não recua. Lipe se desvia do próximo e acerta seu olho que com certeza ficará roxo. Se eles estivessem sóbrios acho que dariam mais trabalho, mas Lipe está conseguindo. Notando que não têm a menor chance, eles saem correndo e entram na primeira viela que encontram. Felipe se vira para mim e me abraça forte.
— Está tudo bem agora, estou aqui com você. Ninguém vai te fazer mal, eu não vou deixar — diz, me apertando em seus braços.
— Eles machucaram você. — Afundo meu rosto em seu peito. — Desculpa.
— Pode parar, Ana. — Segurando meu queixo ele levanta meu rosto e me olha nos olhos. — Você não tem culpa de nada. Isso aqui logo sara. O importante é que não fizeram nada com você. — Beija minha testa. — Vamos, vou te tirar daqui. Não é seguro, eles podem ter ido buscar ajuda. Não vamos arriscar.
Lipe me conduz para dentro do carro. Agora mais calma me viro para ele. Preciso agradecer. Não fiz isso.
— Muito obrigada, se você não tivesse chegado... Não quero nem pensar nisso. Você me salvou. Foi meu herói, como sempre. — Forço um sorriso. Minha cabeça ainda está atordoada com tudo que aconteceu.
— Não precisa me agradecer, docinho. Peço desculpas por não ter visto sua mensagem antes. Ainda estava fechando a loja. Mas o bom é que fica bem perto do seu trabalho. Não teria me perdoado se tivesse acontecido alguma coisa com você, Ana. — Lipe me olha rapidamente e volta a atenção à estrada.
— Mas não aconteceu. Eu não imaginei que o ônibus iria demorar tanto. Deveria ter pedido um Uber, sei lá. Não deveria ter ficado ali sozinha esperando.
Ele segura minha mão.
— Ana, você não tem culpa por não estar segura na rua. Não tem culpa por existir seres como aqueles três que queriam tirar proveito de sua vulnerabilidade.
— Mas...
— Não. — Aperta minha mão. — Eu não aceito que se sinta culpada. É como se você se sentisse culpada por ser mulher. Não faça isso. O problema não é você e sim eles. Você deveria poder sair a hora que quiser, sozinha ou acompanhada. Coisas tipo essa não deveriam acontecer. Com mulher nenhuma.
— Mas infelizmente acontece. E muito
Lipe entrelaça nossos dedos e esse gesto aquece meu coração.
— Eu sei docinho. Infelizmente eu sei.
O restante do caminho ficamos em silêncio. Lipe me salvou, e não foi a primeira vez.
— Chegamos. Tente descansar bem. A noite foi muito tensa. — Ele beija minha testa; um gesto tão simples que significa tanto para mim.
— Obrigada novamente, meu herói. — Dou um beijo em sua bochecha e ele sorri.
Entro e vou direto para o banheiro tirar essa roupa e tomar o banho mais longo da minha vida. Estou me sentindo suja. Depois, vou direto para a cama sem nem jantar. Fico mexendo no celular e agradecendo aos céus por não ter acontecido nada comigo. O bloqueio para tentar dormir, mas assim que o coloco em cima da mesa de cabeceira, ele apita, avisando que chegou uma nova mensagem, e quando olho para a tela, vejo o nome de Lipe.

🍂Felipe 🍂

Estou terminando de fechar a loja e ligar os alarmes quando sinto meu celular vibrar. Mas não o pego na hora, pois quero terminar de fechar tudo primeiro. Não posso me distrair e acabar deixando algo passar. Não faz muito tempo que subi de cargo, e nessa loja há muitos carros de luxo. Não dá para vacilar. Quando tudo está terminado eu entro em meu veículo, puxo o celular do bolso e leio a mensagem de Ana.
“Você pode me ajudar? Estou sozinha no ponto. Estou com medo.”
Jogo o aparelho no banco do passageiro e saio o mais rápido possível do estacionamento. Parece que a estrada não tem fim. Quanto mais rápido tento chegar até Ana, mais distante parece que ela está. De longe a vejo no ponto, mas ela não está sozinha. Há três homens a cercando; um deles muito perto dela. É impossível não perceber como está com medo. Meu coração se aperta.
Confesso que as coisas saíram do controle. Eu preciso proteger Ana, e se isso significa enfrentar três homens sozinho... É o que eu farei.
Quando eles fogem, puxo-a para meus braços. Eu odeio vê-la desse jeito. Gosto de vê-la sorrindo, brincando. Feliz. Tudo que quero é manter Ana em meus braços e protegê-la do resto do mundo. Ela sempre foi tão doce, frágil, e linda... Tão linda. Afasto esses pensamentos. Ana é minha amiga, nada mais que isso. Jamais arriscaria perdê-la. Já não sei mais viver sem Ana ao meu lado.
Seguro seu queixo levantando seu rosto e olho em seus olhos. Esses olhos castanhos são os mais lindos do mundo. Para com isso, Felipe! Grita meu subconsciente. Beijo sua testa. Não sei se Ana sabe, mas ela é a única mulher além de minha mãe que ganha esse tipo de carinho.
A conduzo até o carro. Tento parecer calmo, mas por dentro a adrenalina ainda corre solta. Dói em meu peito ouvir que ela se sente culpada, sente que não deveria ter ficado ali. Que culpa tem por esse maldito ônibus ter demorado? Os culpados são eles. Não me contenho e seguro sua mão. Não quero que se sinta assim. Entrelaço nossos dedos assim como fazíamos quando éramos pequenos. Gosto dessa sensação.
Assim que paro em frente a sua casa, me despeço e peço para que ela descanse. E mais uma vez ela me chama de “meu herói”. Eu gosto disso. Gosto de ser o herói de Ana. Nunca contei a ela, mas escolhi a casa ao lado só para poder ficar mais perto dela. Porque quando estamos juntos, sinto que sou a melhor versão de mim mesmo.
Em casa, tomo um banho e preparo algo para comer. E enquanto cozinho, minha cabeça está a mil. Tenho que fazer algo para que isso não se repita. Não posso deixar ela correr esse risco sempre que sair do serviço. Subo para o quarto, pego meu celular e mando mensagem pra ela, que não demora a responder.
Eu: Oi, docinho. Pode conversar?
Ana: Claro. Aconteceu alguma coisa?
Eu: Tive uma ideia. Quero saber o que você acha.
Ana: E que ideia foi essa? Não foi de abrir uma casa de stripper de novo não, né?
Rio ao ler a mensagem. Ela nunca vai se esquecer disso. Falei isso quando completei dezoito anos. E nem era sério.
Eu: Kkk não. Aquilo foi brincadeira. Já te falei isso várias vezes. Agora, falando sério, nosso trabalho é perto e saímos no mesmo horário... quero passar no seu e te trazer pra casa, assim não fica esperando ônibus. O que acha?
Ana: Eu iria adorar passar mais tempo com você.
Eu: Eu também, docinho. Começamos amanhã. Me espera dentro do prédio. Quando te mandar mensagem, você sai.
Ana: Tudo bem, muito obrigada. Boa noite.
Eu: Boa noite. Sonhe com coisas boas. A melhor de todo o mundo sou eu, então sonhe comigo.
Ana: Pode deixar, senhor convencido.
Leio a última mensagem com um sorriso no rosto e posso imaginá-la rindo enquanto escrevia isso. Bloqueio o celular. Não sei como não havia pensado nisso antes. Poderia ter começado assim que me mudei para cá. Agora mais tranquilo, já posso me deitar e dormir.


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