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Guto não saiu do quarto, não tinha vontade no fim das contas, podia escutar a empregada cozinhando com a TV ligada, podia escutar os carros passando na rua, tentava escutar tudo menos a voz da sua cabeça.

Não foi para casa dos pais, afinal ninguém perguntou se ele queria ou insistido para que fosse, a mãe apenas colocou a empregada lá assim que a casa foi liberada pela polícia, depois foi a vez do grupo de oração, naquele dia Guto realmente se sentiu pleno, mas quando o pai apareceu para conversar com o único objetivo de enterrar qualquer expectativa de melhorar na vida dele.
Ele não acreditava poder reclamar dos dois, literalmente tinha tudo, mas quando o assunto era entender que Guto era uma pessoa com opinião própria tudo era complexo. O pai adorava falar de Vanessa, uma menina tão doce e boazinha, apontado o fato do término como o começo da morte de tantas pessoas, era uma unanimidade que todos apontavam, mas Guto não achava Vanessa tão boazinha.

Era difícil lidar com a imagem dela, eles se conheceram na faculdade e Guto não pode negar a paixão que se formou quando a via andar ou sorrir, não pode deixar de se aproximar e rapidamente se tornou amigo das amigas dela, e quando o namoro começou tudo parecia dar errado, mas, ao mesmo tempo, certo, Vanessa não gostava dos amigos de Guto, apenas David escapava por namorar Giovana, quando ele estava com os amigos ela fechava a cara quando se juntava ao grupo ou o tirava do meio, também não gostava do vídeo game ou qualquer outra coisa que não fosse ela a tomar as rédias. Eles brigavam, brigavam pelo menos uma vez toda semana, e quando tudo acabava, Guto pedia desculpas e então ficavam renovando as juras de amor, Mariana foi o caso da maior parte das brigas, ela dava em cima dele e mesmo que Guto a afastasse, Vanessa não enxergava. Giovana, foi a primeira a tomar uma providência, logo Sol e Carolina a apoiaram, Mariana foi cortada do grupo, não era mais bem-vinda, tratavam-na indelicadamente na frente de qualquer um, mas Vanessa cultivava com ela uma amizade que ninguém entendida, parecia que Guto estava segurando às duas para não ficar sozinho. 

Deveria ter terminado no primeiro surto, Guto mal se lembrava como começara, mas o final sempre ficava na cabeça, Vanessa furiosa cortando comida e apontando a faca para ele, depois voltou a comida e se cortou sem querer, passou o dia culpando Guto, o culpando o suficiente para contar ao pai dele. Mas Guto esperou para terminar, pensou que quando ela fosse para uma nova cidade ia querer isso, ela não queria. 

Nada mais importava, Vanessa estava morta, não importava mais estar na casa onde Mariana foi sequestrada e onde Carolina morreu, às vezes, ele fechava os olhos torcendo para que o assassino aparecesse e o matasse. Abraçou as próprias pernas chorando.

A empregada bateu na porta e a abriu lentamente, não ficando chocada com a visão maltratada, magra e com olheiras enormes do que um dia fora Guto.

— Tem um rapaz na porta, Alex, diz que é sobre a Vanessa.

— Diz que eu não estou.

— Tem certeza? Sua mãe não gosta que você fica trancado nesse quarto, ela mesmo me disse que você tem que sair... Você tem que deixar esse negócio de celular e internet, faz bem para cabeça não. 

Guto quase riu, mas respeitou a senhorinha.

— Eu realmente não quero receber ninguém...

— Tudo bem. — Ela saiu desanimada 

Alguns minutos depois ele pode escutar o burburinho, a voz alterada do rapaz e quando menos imaginou Alex estava dentro de sua casa gritando por ele, Alex bateu em todas as portas, enquanto a mulher ao fundo pedia paciência, mal fechada a porta de Guto se abriu com um estrondo e os dois se encararam. Alex andou até Guto, toda a sua pose morreu e ele começou a chorar compulsivamente.

— Acharam... Acharam quem... quem matou... matou... — Tentava falar enquanto entregava o rosto e o nariz — Quem matou a Van.

Guto franziu as sobrancelhas e então se levantou colocando as mãos na cabeça. 

— Quem!? — Gritou 

— Foi a Sol. A Sol. — Gritou e depois falou rapidamente — A Sol.

— Não... A Sol podia ter defeitos, mas... Não... 

Alex pegou o celular do bolso ainda trêmulo e mostrou a foto que Giovana havia mandado. 

— Foi ela! A polícia apareceu na casa, direto no quarto dela, todos olhando para mim como se fosse um maluco ou cúmplice! As perguntas... Aquele investigador babaca! Foi a Solange. 

Guto colocou a mão na cintura, e respirou fundo, ainda sem palavras começou a chorar, de longe a empregada observava tudo já contando para a mãe de Guto o que acontecia, Guto colocou as mãos no rosto, esfregou, tentou morder a boca, mas as palavras finalmente saíram.

— Encontraram o corpo?  

— Não... Mas não deve demorar muito... Logo devem achar o corpo da Vanessa...

Os dois começaram a chorar como crianças, sem saber o que fazer, apenas saiu deixando que os dois compartilhassem sua dor.
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Invasor, manipulador, destruidor. O Unicórnio era assim.

Thiago quase estava quebrando as teclas de seu teclado, enquanto digitava furiosamente, passara o dia todo sozinho em casa, e a madrugada sempre era mais produtiva, esperava que Sávio e sua mãe logo voltassem, mas enquanto isso lutava para encontrar a identidade do Unicórnio, conseguiu se aprofundar um pouco e as coisas começavam a ficar ainda mais estranhas e específicas, ele tinha acesso a algumas pastas com fotos e um dossiê, escrito a mão e escaneado, com fotos da pessoa e do quarto, abriu a pasta "Sávio", do irmão, somente fotos com informações bem gerais, a última pasta e não menos importante era a de Sol, já estava sabendo que ela era o Mindinho, todos os fóruns sabiam, na pasta dela seguia o modelo das outras, a diferença eram números, anotou todos e então guardou o papel debaixo do teclado de uma forma provisória, e saiu daquela parte estranha, desligando o computador para tentar pensar claramente. 

Sua cabeça fervia com o novo post do blog, ele se importava, se importava muito mesmo com o irmão, mais do qualquer pessoa pudesse dizer sobre suas ações ou palavras. Se escorou na cadeira e a fez girar, o barulho na porta o fez levantar quase caindo, foi até a sala, e sem perder tempo abraçou Sávio, que ainda parado na porta não entendeu muito bem o que acontecia. 

Thiago estava cansado de bancar o idiota, estava disposto a quase tudo, incluindo trocar de lugar com Sávio na lista do Unicórnio. 

Laços da DiscórdiaWhere stories live. Discover now