Capítulo 19

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Kai não estava tão perto do destino, mas já era possível ver as duas viaturas paradas, com as luzes coloridas rodopiando em vermelho e azul

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Kai não estava tão perto do destino, mas já era possível ver as duas viaturas paradas, com as luzes coloridas rodopiando em vermelho e azul.

         Luzes piscavam também dentro da floresta. Faróis brancos e perdidos se distanciaram e encontraram-se em meio aos arbustos e pinheiros. Os policiais estavam procurando por alguém na floresta, ou pior, por algo.

         A ordem de Armia era cuidar da polícia. Com "cuidar" ela certamente não queria dizer chegar a um policial e perguntar "e aí, cara, quer um casaco? Acho que essa coisa é perigosa, volte para casa, eu cuido do resto". O cuidar sanguíneo de Armia é sempre algo a ser seguido de olhos fechados. Você o faz, você vive.

         Kai enfiou-se na floresta, retirou suas roupas e as escondeu atrás de um arbusto.

         Ele sempre se perguntava porquê seguia as regras de uma mexicana baixinha. Por que tantos demônios malditos seguem regras, se todos podem ser suas próprias mexicanas baixinhas? Ele nunca teria uma resposta fixa. Ela era forte quando transformada, abateu, sozinha, uma matilha inteira que tentou atacar a cabana de uma senhora. Ela também era forte quando era apenas a Armia, matou seu pai abusivo e fez tantos idiotas beijarem seus pés apenas por duvidarem de sua capacidade.

         Talvez fosse o modo como ela conduzia as coisas, como protegia "os seus", como cuidava — realmente cuidava — de cada um deles, mesmo que para isso tivesse que ser ponta firme com aqueles que os colocasse em risco. Armia sempre irá fazer o que estiver ao seu alcance para cuidar da família que ela mesma escolheu.

         A dor da transformação nunca valia a pena. Kai já viu como é se transformar, mas sentir é ainda pior. É como rasgar-se, como deslocar os ossos e remontá-los da maneira mais assustadora possível. E assim seu corpo torna-se uma monstruosidade desumanamente incapaz de ser parada por qualquer outra coisa que não seja outra monstruosidade desumana.

         Kai, a montanha de pelos, meio homem, meio lobo ou besta enlouquecida, fera demoníaca, arrastou-se devagar sobre as patas traseiras, torcendo para que os gemidos de dor não tivessem chamado a atenção dos policiais — por dentro, quase implorando para que eles tivessem corrido para as colinas, pego seus carros piscantes e saído por aí, assustados, rápidos… Seguros.

         Quando Nicholas apareceu em sua vida, com suas palavras doces e toda a gentileza que um demônio como aquele não deveria ter, Kai estava perdido. Havia matado pessoas para saciar a fome que o novo corpo suplicava, pessoas que nem conhecia, pessoas que o haviam acolhido, havia perdido pessoas para o tempo, sua casa, as feias margaridas.

         “Você não é mais a fera, a fera é você”, foi o que Nicholas disse. Kai nunca iria admitir que era verdade, que nunca pertenceu a si mesmo. Talvez por isso goste tanto dos comandos de Armia, que ela tome o controle, que ela diga o que fazer, quando fazer, com quem fazer… Ao menos não é a fera quem o está domando, embora Kai ainda sinta as mãos em garras controlando suas cordas.

Verão Taciturno (livro dois)Onde histórias criam vida. Descubra agora