Capítulo um: Duas vidas

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ISSAC SANTISTA NOVAIS

A vida não era uma parada fácil de levar tá ligado? Durante anos eu tive certeza disso, muitos só tem que agradecer por ter uma vida normal, porquê quando você nasce nesse meio você tem que ficar com os olhos bem abertos porquê não sabe mesmo como pode ser o dia de amanhã.

Questão é que ninguém pede pra nascer nesse meio, ninguém deseja ser filho de bandido porquê com isso vem toda a responsabilidade e o medo de dar um passo em falso e acabar com a cabeça e o corpo separados em uma vala.

Durante todo o início da minha infância eu vivi em Lucas, cresci brincando dentro de casa com meus primos porquê a rua era proibido pra nós, no máximo nós juntavamos na quadra pra uma pelada com as outras crianças. Antes mesmo que eu pudesse completar dez anos tivéssemos que sair de Lucas, os anos que vivemos em paz não duraram muito pois logo as invasões voltaram a ser constantes e eles queriam a cabeça de todos os líderes, na época eu me lembro que meus pais brigavam muito porquê minha mãe queria que saíssemos dali e meu pai queria ficar.

Lembro de ver eles brigando muito, foi um inferno sem fim as discussões até que teve um dia que minha mãe simplesmente arrumou nossas malas e avisou que iríamos passar um tempo na casa da vovó. Lembro do olhar no rosto do meu pai, ele estava tão triste e eu não quis deixar ele para trás, minha mãe também não queria mas hoje em dia eu sei que aquilo foi necessário.

Meu pai não aguentou um mês sozinho, ele foi nós buscar na casa da minha vó e nos levou até Vargem Grande onde passaríamos a ficar juntos novamente em uma das casas dele. Isabelle estava morando em um apê próximo e nos visitava semanalmente.

Lance foi que nunca mais pude visitar parada de Lucas desde então, meu pai continuou trabalhando e cuidando da favela e visitando constantemente mas por exigência da dona encrenca nós não morávamos mais lá.

Meus padrinhos ainda moravam lá, Paolla e Fagner continuam no mesmo lugar e não sairiam tão cedo mas Tio Piolho e Tia Rita também se mudaram com as gêmeas, assim como Messinha e Caramelo. Eles não tinham apenas a cabeça deles em jogo ali, a maioria tem filhos e não queriam colocar a vida deles em jogo, continuam trabalhando em Lucas mas não moram mais.

Foi assim durante anos, até eu completar dezoito anos e decidir que estava na hora de voltar para Lucas. Sintia falta do pessoal do futebol, aqueles playba da escola não passam de um bando de mauricinho chato pra bosta, tava com saudades era dos cria que cresci, aqueles que não tem frescura de nada não, a zuação era o que mais fazia falta.

Tinha vez que eu dava umas escapadas da dona Aline e vinha pra cá com meu pai, passava a tarde jogando bola sobre a supervisão de um batalhão de vigias enquanto meu pai trampava, isso com quinze pra dezesseis anos, quando fiz dezessete comecei a frequentar aqui sozinho novamente, com dezoito já dormia na nossa antiga casa e agora com dezenove estava praticamente morando aqui.

Só não morava de vez porquê minha mãe não deixa, e não tem essa de é "filhinho da mamãe " Aline é o cão, manda até hoje no meu pai que já tá com seus cinquenta e três não vai mandar em mim com dezenove? Aquele lá é bandido com os parceiros, porquê em casa quem convive sabe que até a voz abaixa pra falar com a coroa.

Agora falando de como anda funcionando a parada do tráfico aqui dentro, não é de hoje que meu pai tá a par que movimenta uma grana pesada só com Lucas, fora as outras favelas. Facção é grande, ocupa boa parte de outros estados mas aqui na base do Rio quem senta na mesa dos adultos até hoje é Titona.

Doce amor | NA AMAZONOnde as histórias ganham vida. Descobre agora