Peças de um arco-íris

Capítulo 10

Mamãe me encorajou a tomar uma ducha, e deixar que a água quente do chuveiro levasse embora todos os péssimos sentimentos. Confesso que ajudou. Com todo esse contratempo acabei esquecendo-me da consulta da mamãe. Quando eu já estava vestindo meus pijamas, papai anunciou:

- Florzinha, às vezes nossos dias são como navegar em auto mar. Há muitas surpresas em um só dia! Sol e calor, frio, chuva e tempestades. Mas mesmo depois de tudo isso acontecer o arco-íris sempre dá o seu ar da graça. Seu dia hoje foi uma tempestade horrível, que despedaçou muitas coisas dentro do seu pequeno coração, mas eu e sua mãe temos algo para trazer um pouco mais de cor ao seu dia. O médico fez o ultrassom, e Sarabi está enorme e muito saudável e, pelo que parece, ela está com muita pressa de te conhecer! Doutor John nos disse que em menos de uma semana ela vai nascer. Marcamos o parto para sábado de manhã!

- Não acredito?! – corri e abracei mamãe, que estava com lágrimas nos olhos.

- Sim, minha querida. Você logo, logo terá uma companhia em período integral. Sei que ela te fará muito feliz! Tanto quanto você merece.

- Ah... mamãe! Não vejo a hora.

Nesse momento o telefone tocou. Papai atendeu...

- "Sim Sra. Martha, o dia não foi tão feliz para Amélia hoje, mas agradeço pela gentil preocupação."

Mamãe e eu nos entreolhamos, Martha é mãe de Abigail.

- "Final da tarde? Com certeza, Abigail é sempre muito bem-vinda! Mas não se incomode com os biscoitos, essa manhã mesmo Lu fez um bolo delicioso... Ok! Vou informa-la. Obrigado Sra. Martha!... Sim, estamos na expectativa. Amy não vê a hora!"

- Aconteceu alguma coisa, querido?

- Não, não. Apenas Abigail notou a tristeza da Amélia e gostaria muito de vir brincar um pouco com ela.

- Veja só minha querida, você é uma menininha preciosa, e muito amada por todos nós! – Disse mamãe orgulhosa.

Por mais difícil que aquele momento tenha sido, eu sentia que nada jamais iria abalar o que eu sentia por minha família e amigos. Embora eu fosse pequenina ainda, eu entendi que quando um sofre, todos sofrem juntos. Minha avó sempre dizia que temos que treinar a nossa mente pra ver o bem em qualquer situação. E mesmo debaixo daquela tempestade eu podia enxergar o arco-íris. Dentro do meu arco-íris havia papai, mamãe, Sarabi, Abigail... Essas eram as peças do meu arco-íris. E eu ainda iria precisar muito mais delas.

Quando Abigail chegou eu estava no jardim brincando com Balto, meu cachorrinho. Ele ainda era filhote e nós havíamos adotado fazia algumas semanas.

- Melie, ele é mais lindo do que você tinha me falado. O pelo dele é bem grosso e sua orelha não é tão grande assim!

- É verdade. Mas quando eu o vi pela primeira vez eu realmente senti pena dele, ele era desengonçado, mas muito fofo. Por isso eu o escolhi.

- Você fez certo. Mamãe não me deixa ter nenhum animalzinho, e isso me deixa realmente triste. Ela disse que eles só incomodam e fazem sujeira.

- Em parte ela está certa. Mas não posso concordar, Balto faz suas travessuras, mas eu jamais diria que isso é pior do que não tê-lo. Mas você pode vir brincar com a gente a hora que quiser Abigail. Assim faremos o seu coração um pouco mais alegre. Quero ensinar ele a rolar, sentar e dar a patinha. Você pode me ajudar nessa aventura.

- Meninas, venham fazer um lanche! Temos bolo de chocolate com morango! – Anunciou mamãe.

- Oba! O bolo da sua mãe é o melhor.

Assim que sentamos à mesa fui tomada de um sentimento que jamais havia sentido. Senti medo. Mas de uma forma diferente. Eu me deparei com o aroma do bolo e dos morangos, com o quanto eles pareciam saborosos e apetitosos, mas encarei aquilo como algo errado. Proibido. Senti que eu não tinha o direito e o dever de comer. Pela primeira vez na vida eu senti que havia me perdido. Que estava sozinha. Eu amava bolo. Mas dentro de mim havia uma voz que dizia que isso era um ato perverso contra meu próprio corpo. Meu corpo que era grande. Gordo. E que chamava a atenção. Uma bagunça havia acabado de se transformar dentro do meu coração. Eu não poderia mais pertencer aos alimentos, e eles não poderiam mais pertencer a mim... Nós estávamos dentro de um confronto. E apenas um desses lados poderia ganhar.