Escuridão

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Quando abri os olhos estávamos próximos de um casarão enorme feito de pedras e madeira boa, me encolhi percebendo que ele tinha uma boa vida. O tamanho do campo ao redor me deixou curiosa sobre seu real parentesco com os nobres da cidade. Com certeza ele não passava fome.

-Chegamos. Apenas não diga nada além do que perguntarem e ficará bem. Consegue fazer isso Lena?

Ali estava. O mesmo tom de voz ríspido. Seu olhar incandescente me encarando e o desafio iminente sendo proposto.

- Isac! Você voltou! - um rapaz se aproximou tão bem vestido que me fez parecer um mendigo.

Os cabelos dourados me lembraram de Kiara. O sorriso era encantador e qualquer uma teria percebido.

- Não faça disso uma festa Erik. Por favor!

-Quem é sua amiga?!

Ele se referia a mim. Apenas o encarei curiosa devolvendo o mesmo olhar que ele havia me lançado. Karin. Meu nome é Karin.

- Ela não é minha amiga. - A resposta não deveria ter algum efeito sob mim. Mas teve. Acabei me lembrando de porque estava ali. De modo algum alguém me perguntaria se éramos amigos. Jamais poderíamos ser. Eu não era mais que um pedaço de lama pra ele. E não me importava com isso. Não deveria.

- E quem ela é?

- Nicolai queria uma empregada, então foi isso que eu trouxe. Está entregue, Lena. - ele andou alguns passos antes de se virar e dizer em voz alta - Ah...E dê comida a ela, antes que morra de fome!

Isac era o nome dele. E era tão ridiculamente detestável quanto sua personalidade bipolar. Na noite anterior parecia ser gentil e compreensivo. Foi até acolhedor comigo, mas quando me encarou esta manhã puder ver que não importa quem ele fosse eu não queria conhecer mais, porque sempre tiraria o pior de mim.

***

Kiara

Não sabia quanto tempo estava ali mais, naquela escuridão. O pulso já não doía tanto, mas estava vermelho e o estômago reclamava da fome que sentia. Não era a primeira vez e nem seria a última. Senti meu rosto pingar de suor. Talvez fosse febre. Talvez eu estivesse perto da morte. Só que talvez, somente dessa vez eu a desejasse. Pelo menos não passaria fome ou frio. Ou até mesmo dor.

-Senhorita! Alguém aí?

Ouvi uma voz se aproximando. Mas o sótão era distante da casa. Não seria possível.

-Senhorita. Eu ouvi sua voz. Você está aí?

Sim era uma voz. Uma voz desconhecida. Poderia ser alguém tentando ajudar. Ajuda. Tantas vezes quis ser ajudada. Mas não havia ninguém.

- Se ainda estiver aí, me responda.

A voz ainda estava ali. Procurei dentro de mim alguma força restante. Tão pequena que quase não consegui dizer nada. Mas me aproximei da porta e bati. Uma vez. Duas. Ou até três. Com o resto de força que tinha.

Nenhum ruído ou barulho. Nenhuma palavra. Eu estava sozinha de novo.

-Senhorita?

A voz havia voltado. Atrás da porta. Eu podia ouvir.

- Estou a...aqui.

Minha voz saiu baixa, mas dava pra ouvir. Eu torcia pra ele ter ouvido. Por favor, me tire daqui. Me tire da escuridão. Queria gritar. Mas meus pulmões não aguentariam.

Frozen Heart - Coração de GeloWhere stories live. Discover now