Ouch, isso doeu

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Nada como voltar à rotina maçante que é estudar. Já vejo garotos dividindo cigarros escondidos, alguns caminham como se fosse apenas mais um dia comum, outros estão animados - Não entendo como é que um estudante pode entusiasmar-se tanto com o início das aulas - vejo também alunos bocejando e pouco se importando se é primeiro dia de aula ou não, fica nítido que a única coisa que querem é voltar logo para casa e talvez eu saiba exatamente das suas vontades, porque se assemelham às minhas. Tanta informação ao mesmo tempo e eu só cheguei no portão. Passo calado pelos garotos com cigarros, a regra é clara: nunca olhe para terceiros, se estes não forem colegas seus, ou amigos próximos.

Não que olhar para alguém seja errado, acontece que neste colégio o ato de olhar pode carregar várias interpretações distintas, tais como interesse - romântico, financeiro, que seja - julgamento, início de uma briga, desacato, vexame e por aí vai.

Conclusão: só não olhe para ninguém.

Caminho entre as pessoas até chegar na escadaria de frente ao prédio onde as salas de aulas estão contidas, esperando meu melhor amigo dar as caras por aqui. Não posso esperar para encontrá-lo, passamos as férias todinhas sem nos vermos uma única vez, o que é bem incomum quando o assunto somos nós dois. Não nos identificamos como o tipo de amizade na qual ambos ficam grudados, mas todo o tempo que passamos juntos é consideravelmente grande e perfeitamente memorável. Todas férias tratamos de compartilhar ao menos nossos finais de semanas na companhia um do outro, jogando jogos, vadiando por aí, ou nos aventurando na mata proibida - nós mesmos a apelidamos assim. É mais emocionante andar lá se pensarmos que é perigosa, mesmo que nunca nada de emocionante tenha acontecido nela de fato - só que dessa vez foi diferente.

Jeno me disse no último dia de aula, que passaria fora da cidade, todos nossos dias livres do colégio. Fiquei um tanto chateado, confesso. Foi impossível não ficar, não é como se eu tivesse muitas coisas inéditas para fazer nas férias, sem ele comigo.

Sentado no primeiro degrau, não faço nada além de aguardar pacientemente a chegada de Jeno e espero que ele se lembre da nossa tradição de combinar a roupa no primeiro dia. Sim, todo início das aulas nós usamos a mesma roupa - um moletom vermelho que compramos juntos num passeio qualquer- isso é só para facilitar de nos enxergarmos em meio a muvuca. Começamos a fazer isso no oitavo ano e permanece até atualmente, no último ano do colégio.

Bom, pelo o menos é o que eu esperava.

Mas ele chega. E eu não sei com o que me espanto primeiro, se são os olhos contornados por um lápis preto e as pálpebras esfumadas em tons de marrom, as vestes, a expressão feroz no rosto, ou o cabelo dele.

A essa altura, nem ligo mais se está com o moletom vermelho, só quero saber o que raios é isso. E embora pareça uma reclamação, na realidade são somente reações impensadas que meu corpo tem ao observá-lo ali, em total surpresa com tamanha mudança... Mas sou incapaz de reclamar. Jeno conseguiu estourar o meu termômetro de beleza.

Não só o meu, pelo visto. Há vários olhares ambíguos acompanhando seus passos, os quais pensei que fossem direcionados a mim, a princípio.

Só que ele nem chega a me olhar. Há um misto de emoções que posso sentir nesse momento e não são muito agradáveis. Me sinto um tantinho largado, até rejeitado.

Ouch, isso doeu.

Nem vou atrás dele para saber onde foi com passos tão fortes e decididos, se não veio até mim, é porque não interesso-o nesse instante e tento me confortar, pensando que só não me procurou assim que chegou, porque tinha algo de extrema importância para realizar antes e não podia ter distrações.

Entro em minha nova sala de aula e sento-me na penúltima carteira, na fileira que é encostada na parede, bem ao lado das janelas. Estou sozinho.

Digo, não efetivamente, pois meus colegas de sala estão aqui, mas Jeno não está. Fico a ponderar se guardo um lugar para ele ou não.

Acabo por colocar minha mochila na carteira da frente. Nem sei se aquele lá vai querer sentar-se nela, é que agora me encontro detido por certos questionamentos em minha cabeça e não consigo agir com total consciência.

Sim, tenho medo. Muito medo.

Medo de tê-lo perdido.

Não estou preocupado se há outros além de mim que talvez venham a ter um interesse secundário por ele. Não me importo com isso. Não é o que mais me assombra.

Temo não ter mais um amigo neste inferno. Nunca fui de gostar deste lugar, mas eu e Jeno sempre arrumávamos um jeito de deixar nossos dias menos pacatos. Não citei ninguém além dele, exatamente pela razão de não ter outro,senão ele próprio, que eu tenha como amigo.

É aborrecedor saber disso e não poder fazer nada a respeito para mudar tal fato. Todavia, me recuso a encarar os meninos mais desregrados, não os julgo, mas não vou me juntar a eles. Também não pretendo andar com os mais astutos, famosos megamentes, uma vez que não preciso de ninguém me olhando torto por tirar um nove e meio, não um dez. Sobraram os ursos e os turistas. Chamo de "ursos", aqueles que hibernam durante as aulas e "turistas", os que aparecem na escola umas cinco vezes por ano, vindo só para visitar mesmo, porque aprender já é impossível.

Não encaixo-me em nenhum dos perfis citados, me restando apenas Jeno como opção para manter um vínculo. Somos a dupla que todos sabem que existe, mas ninguém sente necessidade de se envolver, ou puxar papo. E está tudo bem, não somos do tipo que gosta de atenção, de qualquer modo.

Considerar a possibilidade dele ter se encaixado em outra roda de amizades e me abandonar, é chocante e isso causa uma tempestade em meu peito, porque tirei o azar de ter sentimentos além do que a palavra "amigo" pode suportar.

É, eu gosto dele. Sendo honesto, sou meio apaixonado.

Que puta sorte.

Espero estar errado quanto a minha negatividade presente... Caso contrário, perderei meu melhor - e único - amigo, além de uma paixãozinha que veio de brinde no combo da amizade.

Sei muito bem que pareço um garotinho inseguro e meio mesquinho ao ficar imensamente angustiado com tão pouco.

Mas a verdade é que sou mesmo.

Saio de meu transe imediatamente, ao ver que o motivo da minha ansiedade atual adentra a sala e arrasta seus olhos atentos por todo o local, até que para em mim.

E de repente estou brincando de estátua.

We used to be friends || NohyuckWhere stories live. Discover now