01 (IV) - Fique comigo, Skye.

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POV SKYE BLYTH CHANCELLOR

Uma vez, li que quando uma pessoa está extremamente próxima da morte, toda a sua vida passa diante dos seus olhos como um filme. Eu não sei se isto é verídico ou uma lei universal, mas podia dizer que em minha mente estava incrustada uma vasta escuridão. O tempo se rastejava ao meu redor e tudo se movia lentamente. Os meus olhos estavam pressionados fortemente e as minhas unhas cravadas na jaqueta de couro do piloto. Todos os meus sentidos pareciam amplificados e isto estava me enlouquecendo de muitas formas distintas.

A pressão em meus ouvidos era quase insuportável. O barulho alarmante de uma buzina fazia com que a minha cabeça estivesse prestes a explodir a qualquer momento. O vento cortante de Nova Iorque parecia congelar todos os meus poros. Os meus batimentos cardíacos ecoavam por todos os lados, mas principalmente próximos aos meus tímpanos. Eu podia sentir os meus pés trilhando o caminho para os braços da morte, mas não podia fazer nada a respeito, apenas fechar os olhos e aguardar a chegada.

Em mim, não havia nenhum resquício de medo, apenas um desejo de que tudo acabasse tão rápido quanto começou. Penso que a pior parte de estar quase morrendo é a lentidão em que isto ocorre. O que era para ser algo instantâneo acaba se tornando mais demorado do que assistir toda a trilogia do O Senhor dos Anéis em um único dia. É angustiante.

Como se eu estivesse fora do meu corpo, consegui ver toda a cena em um giro de trezentos e sessenta graus. Em meu campo de visão havia uma moto derrapando na neve e fazendo com que os seus pneus deixassem um rastro no gelo. E então, um carro rodopiou na pista e fez com que ela se chocasse em sua traseira, deformando-a completamente. Dois corpos foram lançados para longe com o impacto e o silêncio que se formou logo após tornou-se barulhento demais com o passar do tempo.

A visão projetada diante de mim fazia com que eu me sentisse em uma sessão privilegiada de cinema cujo filme jamais escolheria. Subitamente, sentia-me dentro do meu próprio corpo novamente. Não havia dor alguma, apenas um intenso formigamento. Era como se, em algum momento, alguém tivesse me anestesiado, embora isto não houvesse ocorrido.

Os meus olhos estavam fixados no pequeno universo acima da minha cabeça. As estrelas não marcavam presença e isto o deixava sombrio e melancólico. Quando uma luz magnífica abriu espaço entre a escuridão e me convidou para acompanha-la, não demonstrei nenhuma hesitação. Eu estava pronta para deixar o meu corpo, mas havia algo que me impedia de partir. Logo, eu me sentia em um cabo de guerra, onde o centro era o purgatório, o meio-termo entre o céu e o inferno. O meu corpo pendia entre a vida e a morte e eu não era capaz de reagir.

O meu coração falhava em bombear o sangue quando uma silhueta invadiu o meu campo de visão turvo. Um líquido vermelho e espesso estava acumulado em sua testa e o seu cabelo se assemelhava a um ninho de passarinho. Os belíssimos fios negros estavam encobertos por uma densa camada de sangue e eu podia visualizar algumas gotas escorrendo por suas orelhas e adentrando a sua camiseta preta. Os seus dedos tocaram a minha bochecha e rodearam as minhas sardas com ternura.

Os seus olhos estavam ligados aos meus por um fio invisível que parecia inabalável. Olhar para eles era como observar o céu de Nova Iorque antes de uma tempestade, levemente nublado, com uma combinação de cores magníficas. As suas pupilas ligeiramente dilatadas contrariava o sorriso pacífico em seus lábios avermelhados e voluptosos, eu podia vê-lo travando uma guerra dentro de si mesmo. Era como se ele tentasse me confortar no mesmo instante em que se esforçava para acreditar em suas palavras silenciosas.

Sem romper a nossa ligação, o homem retirou a jaqueta de couro e passou a camiseta pela cabeça com uma rapidez impressionante. Eu podia sentir os meus olhos pesarem enquanto ele estancava um ferimento em minha cabeça com o pedaço de tecido embolado em sua mão direita. A luz se tornava mais vibrante à medida que os meus olhos se fechavam, era como se, de alguma forma, eu me aproximasse mais dela.

- Fique comigo, Skye - murmurou enquanto os seus olhos deslizavam por todo o meu rosto, absorvendo cada mínimo detalhe.

Eu adorava a maneira que o meu nome soava em sua voz, era tão... Singular. Era como se ele oscilasse entre o mais grave tom e o mais agudo enquanto era pronunciado. O jeito que a sua língua tocava o céu da boca quando o fazia era fenomenal.

Queria dizer que o meu tempo por aqui havia se esgotado e que nada do que ele dissesse poderia mudar a situação, pois eu estava mais perto da luz do que dele, mas as minhas cordas vocais se resumiam em um nó cego. Na minha boca, o sangue substituía a saliva e deixava o meu paladar com uma essência metálica.

- Olhe para mim, Skye! - ordenou com claro desespero, mas as minhas pálpebras estavam pesadas demais para continuarem abertas por muito mais tempo.

Eu pude sentir o meu corpo sendo chacoalhado para todos os lados quando mergulhei na escuridão da minha mente. Lentamente, a minha essência vital abandonava a matéria corpórea e rumava para a luz espiritual que me aguardava pacientemente. A voz do homem começou a soar tão distante e todo o resto também.

De repente, eu era um espirito livre em busca de toda a paz que pudesse ser me oferecida. Eu deslizava com suavidade pelo túnel estreito que poderia facilmente ser comparado a um caleidoscópio. A claridade que me guiava era tão forte que ocultava tudo ao redor. Eu ainda podia escuta-lo proferindo consecutivamente: "abra os seus olhos!", mas tudo não passava de um eco no fundo da minha mente.

SELVAGEM INDOMÁVELWhere stories live. Discover now