Terra

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           Hoje começou como um dia normal. Levantei-me, tomei banho, vesti um dos meus vestidos, escovei o cabelo (ruivo, como era o da minha mãe), saiu do meu quarto para o corredor da mansão do meu pai, desço a escadaria em espiral, caminho outro corredor até á terceira porta á minha direita, entro nessa sala, sento-me na terceira cadeira da esquerda, a contar do topo da mesa e pego numa maçã.

Segundo o que o meu pai acabou de me contar, hoje é o funeral do rei Aidel Bergarian. Penso que ele tinha filhos. O meu pai diz-me sempre para não me preocupar com este tipo de informações.

            - Vou em breve para a cerimónia, Cíntia. Tu ficas aqui e confere que tudo corre como eu te ordenei.

            - Sim, pai.

            Esta foi a maior conversa que eu tive com ele esta semana. De facto, a minha relação com o meu pai é assim: ele diz-me o que fazer, eu faço-o e fazemos de conta que está tudo bem. Se fizermos as coisas assim eu não tenho que pensar muito. Ele sempre me disse que uma boa rapariga deve sempre fazer o que o pai lhe manda, ele sempre quer o que é melhor para mim. Eu quero muito ser uma boa filha para o meu pai, por isso, não vou contrariar o que o meu pai me diz. Faço o que ele me diz. Assim não tenho de pensar. Cansa-me ter de estar sempre a pensar em tudo, no que estou a sentir, se estou melhor do que quando estava ontem ou se amanhã vou ficar pior.

            Desculpo-me da mesa, caminho um corredor e duas divisões e chego á cozinha. Pego no tabuleiro, com uma taça de papas de aveia e uma peça de fruta, que se encontra em cima da mesa. Saio para o corredor e desço uma escada que vão dar á cave da mansão, aceno com a cabeça aos guardas que estão á porta enquanto espero que eles a abram, caminho cerca de vinte metros, abro uma portinhola que está na porta desta cela, introduzo o tabuleiro e saio de lá de baixo. Nunca percebi o porque de haver um fio vermelho, que atravessa a frincha da porta, e procura-me. Não sei quem está lá dentro, mas tenho bastante medo daquele fio vermelho… só não me consigo lembrar a razão. É melhor não pensar muito.

            Hoje está a ser um dia normal. O meu papel está cumprido, até o meu pai ordenar-me fazer mais alguma coisa. Caso ele queira que eu mate mais alguém é isso que eu tenho de fazer. Porque é isso que eu sei fazer melhor. Matar pessoas. É isso que o meu pai me diz para fazer. Eu quero ser uma boa filha.

            Vou buscar um livro á biblioteca. Não olho para o livro, não olho para o autor, não quero saber dessas coisas para nada. Todos estes livros foram escolhidos pela minha mãe, se o que o meu pai me contou é verdade, quando ela se casou com ele. Ela sempre gostou de fantasia e de romances por isso o meu livro deve ter algo a ver com um desses dois assuntos. O pai sempre me deixou ler estes livros, por isso não faz mal.

            Saio fora da mansão do meu pai e dirijo-me para a floresta sagrada. Existe uma entrada com um enorme arco feito por ramos da floresta por onde as pessoas entram. Esse arco é bastante grande e contém imensas flores e trepadeira de diferentes tipos de folhas e diferentes tipos flores. A minha mãe escolheu montes delas, porque antes o arco era feito de ferro, ferrugento e feio. A minha mãe era uma boa pessoa, sempre perfeita e preocupada com tudo e todos. Acho que o pai deve querer que eu seja igual á mãe.

Existe uma baixa cerca, que tem um pequeno portão, que separa a mansão do meu pai e a floresta sagrada de Navíria. Abro o pequeno portão e entro na floresta sem olhar para trás. Dou uma trinca na maçã.

            Aqui eu sinto-me bem. As aves a cantarem, os esquilos a correrem de um lado para o outro em busca de frutos secos para darem às crias, e uma das minhas melhores amigas, uma pequena corça, chega perto de mim e aninha a cabeça dela no meu colo.

Uma questão de ConfiançaDonde viven las historias. Descúbrelo ahora