Capitulo 1

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Quando cheguei ao consultório, hesitei entrar porque, pelo que eu pude perceber, estavam discutindo. Fiquei analisando a porta vermelha descascada, pensando se tocava a campainha para sinalizar que eles não estavam sozinhos ou se simplesmente entrava, já que a porta estava entreaberta.
​Nenhuma das alternativas me soou boa o suficiente, então recuei, descendo os degraus brancos e analisando mais de longe, na espera da saída de alguém. A maçaneta se movimentou um pouco e as vozes ficaram mais audíveis.
​— Mas essa não é a realidade onde vivemos, isso você está pressupondo! A voz era de um homem, mas meu cérebro não fez referência a nenhum rosto, desconhecendo-a.
​— Não é um pressuposto quando muitas pessoas possuem uma mesma sensação e visões parecidas. Não é alucinação quando a verdade é a mesma diante de toda a multidão que, cega, não quer enxergar por medo ou por terem sido condicionados ao estado adormecido da consciência.
​Era a voz aveludada de Laura. Eu nunca a tinha sentido tão enfática como naquelas poucas palavras, destruidoras de qualquer argumento que estivesse pronto para vir contra ela. E nenhuma palavra a mais foi dita até que a porta foi aberta.
​— Oi, querida! Não vi que você estava aí! Disse Laura, surpresa ao me ver.
​Laura lembrava a minha avó. Além de ter os olhos igualmente puxados, era igualmente baixinha. Sua região abdominal avantajada, fazia dela uma criatura singular, em associação as suas pernas magricelas. Seus cabelos ondulados e grisalhos eram fofos demais. Aquela pinta na altura da boca, era seu ponto mais charmoso. Eu sempre via um pinguim simpático quando olhava para seus ternos.
​— Na verdade, eu cheguei agora. Estranhei a porta aberta e não quis invadir. Eu disse enquanto subia os degraus.
​— Poderia ter entrado. Hoje a menina da recepção precisou estender o horário de almoço e eu estou de recepcionista. Vem, entra! Ou quer fazer terapia ao ar livre?
​Não seria nada mal fazer terapia sentada no bosque com borboletas, passarinhos e árvores risonhas, enquanto a grama tocaria as pernas. Em vez disso, rimos juntas e entramos. Quando estávamos pisando na sala dela, ouvi uma porta bater ao fundo. Era a indignação da voz que eu acabara de ouvir.
​— Algumas pessoas quando são contrariadas batem a porta no intuito de protestar a si mesmas o descontentamento. Quem nunca bateu uma porta, não é mesmo? Eu já bati várias até entender que fazer isso era bater com a minha própria cara contra a madeira dura. Deve ser por isso que tenho um nariz achatado assim. Ela disse apertando a ponta do nariz.
​— Laura, você é ótima!
​— Sente-se, Octávia!
​Entramos no mundo encantado dos livros. A sala mais parecia uma biblioteca que um consultório. Não era como ir a um médico, e sim como tomar um café com uma amiga. Laura, além de ser ótima nas suas recepções (que deixavam qualquer um à vontade), era muito inteligente e incentivadora. Para todo novo encontro, selecionava livros e os dispunha sobre a mesa, para caso os pacientes se interessassem em expandir suas consciências através da leitura, além das consultas. Eu sempre lia todos os livros indicados, mesmo que por vezes não parecessem tão interessantes assim na primeira folheada, afinal todo livro carrega um mistério e todo o mistério merece ser desvendado.
​Laura é uma terapeuta que trabalha com muitas técnicas. Eu sempre disse que ela compunha uma "terapia universal". Misturando alternativas dentro dos seus atendimentos. Isso fazia dela uma profissional muito aberta e sem julgamentos.
​Primeiro nos aventurávamos na conversa corriqueira até chegarmos em algum ponto importante. Ela então fazia análises cognitivas. Dava uma volta toda dentro de um único medo, por exemplo. Questionava-me numa tentativa de me fazer enxergar o papel das análises no dia a dia, para que eu conseguisse fazer isso sozinha posteriormente. Após essas análises, íamos mais a fundo na questão da consciência e de toda essa expansão do ser humano como um universo particular e suas complexidades. Nos finais de consulta, sempre fazíamos exercícios de respiração. Eu saía de lá muito mais relaxada e cheia de cores.
​Eu já havia passado por algumas outras poltronas que não eram tão confortáveis quanto a de Laura. Em muitas outras, eu me sentia uma alienígena vinda diretamente de alguma galáxia muito distante, cada vez que contava as minhas experiências.
​— Como você está encarando esse momento tão difícil na nossa sociedade? Laura sempre iniciava as sessões com perguntas densas.
​— Ah, Laura, eu percebo o caos pelo qual a sociedade está passando, sabe? O sistema está em colapso e as pessoas ficam nervosas quando notam a economia mergulhar no ralo rumando uma rede de esgoto, onde lá talvez fique por um bom tempo até encontrar a represa e todo o processo de limpeza recomeçar. Ver as pessoas agitadas como se tivessem tomado um comprimido de ecstasy, o efeito estivesse no pico e elas não sabendo aproveitar, dando espaço para as nóias... É triste, dói e me faz sangrar por eles. Eu respiro, né?! Fico pensando em como posso ajudar... Poderia vir algo dos céus agora pra ajudar a todos os que querem mudar. 
​— E como você se sente? Laura incentivava que eu falasse sobre o meu sentir, pois eu tinha muita dificuldade em expressar meus sentimentos.
​— Sentindo essa morte? Devolvi a pergunta pensando na morte coletiva, literal e simbólica.
​— É o que você está sentindo?
​— Bem, nesse momento, com tanta sensibilidade, é difícil não olhar para a morte. Ela está sendo esfregada na nossa cara com tanta força...
​— Já que tinha problemas com isso por toda situação ocorrida, como você se sente?
​— Eu me sinto com o coração apertado por visualizar as dificuldades das pessoas, mas sei que são processos de transformações e isso me conforta em meio ao caos.
​— Mas ainda assim não é um processo fácil, não é mesmo?
​— Não mesmo. Ainda mais quando se enxerga as almas.
​— Por falar nisso, como está sendo? Ela se ajeitou na cadeira.
​— Nem sempre é fácil manter os pés no chão. Acho que cada um age como pode e creio que isso seja justo. Embora sentir o estresse, as ansiedades e as preocupações do coletivo, seja muito difícil. Outro dia eu tava pensando sobre a morte...
​— O que pensou?
​— Entre a vida e a morte existe uma linha tênue e eu me equilibrei ali por muito tempo, às vezes eu morria e as vezes eu vivia, dependia pra que lado da linha eu tombava. Tenho me mantido com os pés na terra, a mente sobrevoando os céus. Assim os dias difíceis ficam mais suportáveis.
​— Mas e a vulnerabilidade?
​— Sempre presente, mas tenho cuidado pra que lado vou vibrar.
​— Aprendeu mesmo, hein? Ela sorriu.
​— Precisamos, né? Suspirei profundamente.
​— E quanto às visões? Você comentou que estava intensificando todo o processo.
​— É, eu agora não somente sinto, mas consigo vê-los também. Outro dia parei pra ver o noticiário e quase surtei, porque vi absurdos. É difícil ver além da televisão, mas fiz uma sessão intensiva de yoga para oxigenar bem o cérebro nesse dia.
​— Coisa boa! E as preocupações com os outros?
​— Seguem, mas tô internalizando que eu não posso salvar o mundo sozinha e que cada um tem seu tempo.
​— Todos se salvam, para todos estarem juntos depois e salvar o mundo? É isso?
​— É o que eu penso. Aliás quero te agradecer.
​— Pelo quê?
​— Por vocês terapeutas. Vocês seguram nossas barras quando não temos capacidade de fazer isso por conta própria. São um incentivo à cura.
​— Todos juntos! E o que passa de intrigante nessa cachola? Ou está tudo tranquilo?
​— Muitas coisas...
​— Nenhuma novidade, então. — Ela sorriu.
​— Sim, mas tem uma coisa que eu quero muito falar hoje, porque preciso que atravesse esse espaço sideral e chegue até aqui.
​— Que questão é essa que precisa viajar com tanta pressa aqui para fora?
​— Eu não consigo escrever!
​— Como assim não consegue escrever?
​— Assim. Eu escrevo, mas não consigo ter a iniciativa de começar a compartilhar minhas coisas como eu gostaria.
​— Ai! Que susto! Achei que você estivesse com algum problema nas mãos.
​— Não! As mãos estão ótimas, dançam super bem em cima dos papéis, inclusive compus uma música outro dia.
​— Então o que te impede?
​— Eu não sei por onde começar algo maior do que poemas, músicas, textos...
​— E você acha que escritores já têm uma história pronta do início ao fim? Acha que eles não ficam indo e vindo em todo o contexto e adaptando ideias novas ou substituindo alguma outra coisa?
​— Achava que eles já tinham em mente uma história pronta... A ponto de sair escrevendo em seus cadernos.
​— E isso está te deixando chateada?
​— Um pouco. Acredito que eu esteja me pressionando demais.
​— Eu não sei porque você está tão preocupada! Eu li seus poemas e eles são ótimos. Não estou falando isso apenas para te agradar e pra te incentivar, mas eu realmente já sou sua fã.
​— Sim, eu sei. Mas aí que está o maior dilema do momento. Eu não quero apenas escrever poemas, eu quero escrever uma história grande, acho que está me faltando mesmo é paciência pra aceitar o meu potencial, porque meus pais sempre disseram que isso não levaria a lugar algum.
​— Se os escritos não fossem a lugar algum não estaríamos aqui. Tudo o que eu li para minha formação seria inútil. O que acontece, Octávia, é que algumas pessoas ainda não acordaram para a arte, mas elas chegarão lá. Porque você não começa a escrever mesmo que não saiba exatamente por onde começar?
​— Como vou começar sem saber do começo?
​— E por acaso começamos um dia sabendo o que ele vai ser?
​— Não.
​— Então?
​— É verdade. Vou começar escrevendo sobre qualquer coisa...
​— Isso! A ideia é começar, independentemente de como, pois voltando a comparar essa sua questão com o início do dia, não sabemos se tudo o que temos planejado para o dia em questão dará certo, e ainda assim acordamos todos os dias e as infinitas possibilidades estão ali para serem iniciadas sem mesmo nos darmos conta de que estamos começando algo novo.
​— Por isso que eu não planejo o meu dia. Faço planos, tenho ideias e tudo. Agora traçar um plano retilíneo, uma rotina do início ao fim do dia é impossível com essa loucurada toda que me compõe. Eu falo e faço tanta coisa no meu dia que é impossível escrever todo ele no dia anterior. E outra, seria um saco ter uma regra pra seguir assim.
​— Ainda bem, senão você seria um robô da NASA.
​— Não seria nada mal ter um robô da NASA em casa. Quando eu era pequena eu tinha um.
​— Você tinha um robô da NASA?
​— Não era exatamente um robô e muito menos da NASA. Nunca te contei essa história?
​— Já me contou muitas. Não me lembro se já ouvi essa.
​— De quando eu pilotava a minha nave?
​Nesse momento, senti aquela familiar sensação esquisita no meu estômago, como se eu estivesse entrando em um looping de uma montanha russa. A sensação me levou à lembrança do carrinho chegando ao topo do trilho para que finalmente despencasse e a cabeça ficasse voltada para o chão e para o céu e para o chão novamente. Foi essa a sensação que minhas entranhas sentiram, junto com a expressão de surpresa no rosto dela.
​— A minha mãe contava que, quando eu era pequena, eu não tinha muitos amigos até entrar na fase escolar. E as minhas atividades preferidas eram ler, escrever, brincar no pátio com alguns amigos que eu tinha dentro da minha cabeça e pilotar a minha nave.
​— Você tinha muitos amigos imaginários?
​— Não me lembro de ter muitos, me lembro de uma única.
​— Lembra com detalhes?
​— Sim. O nome dela era Valentina. Ela vinha praticamente todos os dias com a sua nave para que explorássemos o universo juntas.
​— Ela tinha a sua idade?
​— Ela era um pouco menor, se eu me lembro bem. O engraçado era que eu não nos via como crianças. Nas brincadeiras eu me sentia presa em um corpo que não era meu, porque eu era muito maior do que ele. Inclusive uma das nossas missões era descobrir porque estávamos em corpos tão esquisitos.
​— Você lembra sobre o que conversavam?
​— Um pouco. Lembro-me de um dia que ficou muito gravado em mim. Estávamos arrumando a minha nave que tinha estragado, eu estava na casa dela. Era em um planeta distante da Terra. Se eu não concertasse a nave, não conseguiria voltar pra casa. Como a minha nave era uma sucata velha, com toda a travessia até a casa dela, uma parte quebrou e não estávamos achando um parafuso. Nós duas até saímos com a nave dela espaço a fora para tentar encontrar. Nos convencemos de que algum outro viajante deveria ter pego pra estudar. Os viajantes gostavam bastante de estudar tudo o que aparecia no universo, igual a gente fazia e, como passamos por muitas galáxias até chegar no destino final, certamente algum deles viu quando caiu.
​— Encontraram a tal da peça? Laura perguntou enquanto se acomodava na poltrona como se estivesse chegado no cinema para assistir "Guerra nas Estrelas".
​— Não encontramos nada! Valentina estava ficando bastante aflita e dizia que nunca mais iríamos nos ver caso não encontrássemos a peça para fazer a nave funcionar. Não entendi muito bem o que ela quis dizer, porque eu era bastante avoada desde pequena e estava mais emocionada em analisar todas as cores do planeta dela do que encontrar a tal peça. Eu não estava nem aí se conseguiria ou não voltar pra casa! Pensava que se não achasse, ficaria morando lá e isso não me soava como uma má ideia. Morar em um planeta colorido com a minha melhor amiga era o meu sonho espacial. Valentina era mais sábia e não tinha a cabeça tão solta quanto a minha, por isso se preocupava. Ela dizia que sentia minha mãe chegando e que isso ia ser um problema. Quando ela me disse isso, a minha mãe me chamou. Ao ouvir a voz dela, percebi minha Valentina ficando distante. Tentei segurar sua mão e como purpurina ela se desfez dos pés à cabeça. Vi a minha mãe caminhando em minha direção. Eu estava sentada ao pé de uma árvore com a minha nave e ela chegou com o pedaço que não estávamos encontrando. Não sei como ela tinha o parafuso em mãos e eu nunca soube da onde ela o tinha tirado. Depois desse dia, não brinquei mais com a nave e nunca mais vi Valentina. Foi o fim da conexão.
​— Você tinha uma nave de brinquedo?
​— Não! Nunca tive uma nave espacial de verdade, nem de brinquedo. A nave que eu dirigia era uma "Enxuta" da minha avó.
​— Uma "Enxuta"? Laura franziu o cenho.
​— Sim, sabe aquelas máquinas antigas de secar roupa que possuíam um compartimento de plástico siliconado? Que podia ser retirado para higienização?
​— Sim, sei. Minha mãe tinha uma desse tipo.
​— Então, eu pegava essa parte da secadora de roupas, e mais alguns instrumentos que eu precisaria para executar as minhas missões no espaço, me cobria com essa parte de silicone e levava junto os meus apoios. A viagem iniciava quando minha avó colocava a roupa para lavar na outra máquina. O barulho da centrifugação era sempre o que impulsionava a nave a ultrapassar as barreiras interplanetárias. Ah! E era isso que eu queria dizer. Eu tinha um robô. Na verdade, era o aspirador de pó lá de casa. Tínhamos uma troca efetiva. Ele sugava os conhecimentos disponíveis no universo e, através do seu tubo condutor, transladava as informações para dentro do meu cérebro.
​— E qual era o objetivo dessa viagem espacial? Ela quis saber.
​— O objetivo é fazer a viagem interestelar de uma dimensão às outras pra levar suplementação de paz aos corações.
​— O objetivo "é"?
​— Sim.
​— Você ainda está dirigindo sua nave rumo a outras dimensões?
​— Como assim?
​— Você falou disso no presente.
​— Nem percebi.​
​Naquele instante foi como se meus olhos estivessem fazendo uma movimentação contrária ao movimento ocular normal, de forma que o globo ocular girasse para trás, em direção a minha nuca. Eu olhava para dentro do meu crânio. Dentro dele haviam muitas constelações e algumas nuvens que pareciam planetas em formação, era um vasto campo cheio de cores. Quando olhei para baixo, tudo o que eu podia ver era uma imensidão púrpura. Não havia som. Um rosto se formou ali. Era Valentina. Foi estranho, não era bem um rosto e sim muitos fios de energia.
​— Você ouviu mesmo o que eu perguntei?
​— O que você perguntou?
​— Quantos anos você tinha quando dirigia sua nave. Você me respondeu que já nem lembrava há quantos anos exercia seu trabalho de curador, então perguntei se você havia usado algum medicamento ou coisas do tipo antes de vir ao consultório hoje. Viu algum filme de viagens estelares? Ela soltou uma risada forçada na tentativa de tornar o ambiente mais descontraído em meio àquela energia estranha que se estabeleceu.
​— Claro que não!
​Houve um silêncio mútuo. Se eu pudesse contar no relógio não teria sido maior do que a imensidão sensorial daquele tempo.
​— Você pode estar acessando suas lembranças da infância com as técnicas de expansão da consciência, e está tudo bem. Farei uma interpretação mais precisa para ver de onde podemos começar na próxima sessão.
​— Como assim de onde podemos começar? Já não começamos há muito tempo?
​— Talvez você esteja com um esquema novo ativado.
​— Esquema novo? Adquirido agora?
​— Não exatamente.
​— Exatamente é pequeno demais pra explicar essa sua análise.
​— Você acordou inspirada hoje, Octávia!
​— É verdade, hoje eu acordei muito bem, inclusive era disso que eu queria falar e nós acabamos viajando no tempo.
​Mal sabe ela que eu estava mesmo viajando no tempo enquanto ela me fazia perguntas. As quais eu certamente jamais terei acesso por não estar na mesma dimensão que ela. Segui como se nada tivesse acontecido, na tentativa de acreditar nisso também.
​— Hoje eu acordei com a autoestima muito sedutora e pude namorar a mim mesma enquanto me olhava no espelho, depois de acordar de um sonho que não consigo lembrar agora. Embora eu tenha em mente que sonhei com algo importante, porque acordei um pouco zonza. Parece que recebi injeções informativas, sabe?
​— Bebeu algo antes de dormir?
​— Bebi sim, água.
​— Acordou com a autoestima direcionada ao bom humor, não é?
​Sorri dizendo que sim.
​— E como você está se sentindo agora?
​— Estou me sentindo muito bem.
​— Consegue descrever o sentimento para mim?
​— Posso tentar.
​— Pode conseguir.
​— É por isso que gosto das terapias com você. Sempre me instiga. E os questionamentos são ótimos e...
​— Não enrola, Octávia!
​Laura me conhecia há muito tempo e, com isso, conhecia também as minhas dificuldades de expressão.
​— Eu senti que o meu corpo não é a coisa mais bela que eu possuo. Ele é um instrumento de expressão para que o meu interior se manifeste, fazendo a minha beleza interna ser emanada por cada poro. Assim, diante de um espelho, consigo notar quão maravilhosa eu sou. Tudo isso a partir dos meus olhos que conseguem captar essas informações no reflexo e enviar ao meu cérebro, me fazendo entender que beleza não está na casca, mas sim nas profundezas.
​— Uau!
​Eu fiquei com vontade de aplaudir a mim mesma. E então o fiz.
​— O que você está comemorando com palmas?
​— O meu progresso! Não era esse o objetivo das sessões anteriores a essa? Acordar me sentindo maravilhosa?
​— É isso aí! E você tem sonhado ultimamente com o quê?
​— Bom, os meus sonhos têm sido um pouco diferentes. Tenho sonhado que estou em outro momento da vida. Da minha vida, no caso.
​— E como você definiria esse momento?
​— Eu definiria como um momento bastante futurista, tenho contato com muita tecnologia jamais vista aqui.
​— E consegue se ver no sonho? Digo, se visualizar nisso?
​— Não somente consigo me visualizar como também tenho conhecimento de algumas habilidades.
​— Como são essas habilidades?
​— São habilidades maiores do que estas que temos aqui, sabe? De tocar, sentir, ouvir...​
​— Você quer dizer que nesses sonhos você possui uma habilidade além do corpo?
​— Sim. Nesses sonhos eu tenho uma visão muito ampla. Todas as coisas que penso, eu consigo visualizar de uma forma muito vasta, porque eu provenho de uma tela mental. Ela capta toda a informação de algum alvo especifico, por exemplo. É como se eu conseguisse captar todas as informações presente dentro de um pensamento, de um momento... Isso pode ser algo sobre alguém ou até mesmo sobre uma região.
​— Isso me parece complexo. — Ela disse posicionando a mão esquerda no rosto de modo a acomodar o queixo entre o polegar e o indicador, expressando a famosa pose analítica.
​— Esses últimos sonhos têm sido mesmo muito difíceis de entender, ainda mais por serem tão reais em todas as suas complexidades. Eu posso viver de fato neles. É diferente. Eu consigo me locomover com facilidade sem fazer esforço nenhum, porque eu ando tão rápido quanto um pensamento. E o mais incrível de tudo é que o pensamento é a medida da telecomunicação nesse plano.
​— Nesse plano?
​— Sim. Eu sei que estou alguns planos acima da Terra.
​— Não está na terceira dimensão?
​— Não. Setembro lembra a última dimensão que eu fui em sonho.
​— "Inspirações de Octávia". Deveria ser esse o nome do seu livro.
​— "Octávia"... — Eu saboreei meu nome.
​— Porque repetiu seu nome?
​— Fico admirada com as criações nominais em cada vez que embarco em uma atividade diferente da vida.
​— Você está em qual atividade agora?
​— Estou em uma atividade de constante aprendizado e de expansão de tudo o que eu aprendo, pra levar todo o legado adiante.
​— Qual legado?
​— O legado de tirar o povo da prisão mental, ajudando, assim, na elevação da consciência.
​— E como você faz isso?
​— Através do coração.
​— Implantando um coração nas pessoas?
​— Não! As pessoas não precisam de um transplante, precisam de amores constantes. Precisam compreender que essa constância de amar se faz dentro do coração, e que todos já possuem um, só precisam aprender a sentir.
​— Então é um autoconhecimento do coração?
​— É um autoconhecimento que tem início no coração, sim. Já que os corações fazem ser inteligíveis todas as frequências que chegam até eles e, em uma transdução, levam os ensinamentos até a central principal.
​— Qual é a central?
​— O pensamento.
​— É uma jornada difícil essa sua.
​— Não é nem um pouco fácil lidar com corações humanos. Eles são tão sensíveis que, para se proteger, acabam criando paredes concretadas. Para destruí-las é necessário mais do que bombas atômicas. São necessárias sucessivas respirações pra que se consiga fazer todo o cimento desmanchar no ar. Toda a poeira cinza é levada pelo vento e, assim, se consegue sentir novamente todas as camadas.
​— Você já chegou nas camadas mais sensíveis do seu coração?
​— Eu nasci com as minhas camadas bastante sensíveis, eu diria. E por isso é tão difícil. Não é sempre que encontramos corações vívidos por aí.
​— Pode ter certeza que existem.
​— Existe sim, e existirão muitos outros. Tudo é uma questão de conseguir respirar direito. Acredito que tudo seja uma questão de tempo.
​— Por falar em tempo, nosso tempo está acabando. Essa sessão de hoje foi muito intensa. Consegui visualizar muitas coisas suas que eu ainda não havia captado.
​— É sempre bom ter visões amplas de uma mesma coisa, não é? — Naquele caso a coisa era eu.
​— É sim. Tem uma última coisa que quero te perguntar antes de encerrarmos.
​Eu não respondi, só esperei que a pergunta dela se materializasse em palavras.
​— Conseguiria me descrever o que você sente quando desperta desses sonhos?
​— Sinto que eu estou em nível de evolução jamais atingido por mim nessa vida. Sinto como se eu tivesse a capacidade astuta de cumprimentar os astros.
​— Sente-se viajando no sistema solar?
​— Não, eu me sinto viajando por galáxias mesmo. Sinto que sou leve como o vento, porque o amor engloba inteiramente o meu corpo a ponto de me fazer transcender em um sorriso que é emitido pelos olhos, porque a boca não possui a capacidade de sorrir, apenas é parte da mecânica da demonstração de felicidade.
​— Você se sente muito bem quando acorda, isso? Ela ignorou tudo o que eu havia descrito.
​— Eu estou me sentindo muito bem.
​— Bom, tem algo a mais que gostaria de compartilhar?
​— Sim. Sinto como se eu tivesse me conectado com algo muito maior.
​— Como assim algo muito maior?
​— Eu não sei exatamente, mas parece que no centro da minha cabeça, pelo lado de dentro, se abriu um canal, por onde agora o fluxo de energia consegue passar livremente.
​— Interessante...
​— Uma vez estudei sobre o hemisfério direito e o hemisfério esquerdo do cérebro. Cada um responsável por determinadas ações e que, quando conectados, são responsáveis pela ligação da unidade que todos somos.
​— Você se sente assim?
​— Talvez. Sinto como se minha pineal inflasse, sabe?
​— Uma expansão?
​— Literalmente.
​— Ao menos está de férias da faculdade de medicina, pode focar mais nisso, não é?
​— Ai, sim! Senão eu acho que já teria ativado alguns esquemas.
​Como de costume, ela escolheu uma cor para a lâmpada. Verde foi a cor da vez. Ela já havia me explicado algumas vezes sobre como a cor verde na cromoterapia estava associada a cura dos sistemas, assim como estimulava o relaxamento, por ser uma cor ligada ao processo natural da vida. Explicou-me que usaria a cor verde hoje para manter toda a minha harmonização.
​Era incrível sentir todo o calor vindo das mãos de Laura. Era um calor que degradava qualquer pensamento antigo.
​Com os olhos fechados, visualizei um símbolo violeta espiralando de suas mãos em direção a minha cabeça. Eu sentia suas mãos flamejando. Era um calor regenerador. A sensação era de que ela tinha ligado um interruptor, iluminando toda a circunferência do meu corpo. Além de toda a quentura, as mãos de Laura emitiam cores. Clarões amarelos, verdes, roxos, laranjas, e rosas coloriam a minha mente. O processo de energização acelerava as minhas partículas vibracionais. Vórtices de energias me preenchiam. Penetravam o topo da minha cabeça, espiralando arco-íris em direção aos meus pés. A viagem estava apenas começando.

Nave da Oitava Assim na Terra como no Céu Volume 1Where stories live. Discover now