Capítulo Um - Daniel

8.3K 553 59
                                    

O amor bateu à porta e ela abriu. Quase amanhecia quando a campainha tocou até a acordar. É sempre assim que as coisas ruins chegam, não é?

Vestiu um roupão por cima da camiseta de dormir e desceu correndo. Embananou-se com a chave de casa, quase a deixou cair e espiou pelo olho mágico.

Não conhecia aquela cabeleira loira, mas abriu mesmo assim, pronta para mandar aquele babaca parar de esmurrar sua campainha como se ela fosse o pronto-socorro municipal.

— Puta merda, se você tocar mais uma vez a bosta da minha...

Não conseguiu dizer qualquer outra coisa. Racionalmente, sua vontade era a de xingá-lo muito, mas todos os seus outros instintos a emudeceram.

A cabeleira loira tinha um corpo. Um par de olhos escuros, um maxilar lindo. Boca feita para beijar. Apoiado com uma mão no batente da porta, de camisa comportada cujas mangas eram arregaçadas até os cotovelos, e calça jeans.

Para conseguir que um tipo desses batesse à sua porta, no meio da madrugada, geralmente ela tinha que sair à caça. De boa vontade, assim, nunca bateu ninguém.

Puxou as abas de seu roupão batido um pouco mais para perto do corpo para disfarçar os mamilos duros e o formigamento entre as coxas. Engoliu a saliva instantânea, segurou o suspiro e quis perguntar o motivo da visita.

Como quando um predador encontra a presa, ela se sentia atraída por seus olhos, seu cheiro e por qualquer coisa que não tivesse explicação. Feito coisa de pele.

Não conseguia parar de olhar. Reparou na gola amassada de sua camisa, os botões fechados, a envergadura dos ombros, os braços fortes e cheios de veias saltadas. Reparou no tamanho dos joelhos porque eles, para ela, sempre lhe disseram muito. O tipo de homem que lhe chama a atenção sempre tem joelho grande pois ficam lindos em cima de um chão frio.

— Desculpa bater nesse horário. — E a voz! Voz grossa, mas suave, um pouco acanhada. Coisa de quem ainda não aprendeu a potência que tem.

Olhando-o, a primeira coisa que ela gostou de verdade foi no potencial. No monstro que ela criaria se ele apenas lhe dissesse sim.

Se ele aparecesse toda noite, ela engoliu o sorriso e a saliva que escorriam, ele poderia terminar de quebrar a campainha que ela nunca reclamaria.

Meu Deus...

Uma buzina cortou o resto de seus pensamentos. Olhou para além do loiro e viu um carro estacionado em cima de sua calçada. Lá dentro, no banco do passageiro, Daniel chorava e se balançava, bêbado como nunca e de coração terrivelmente partido.

Daniel era seu melhor amigo desde quando seus pais ainda tinham a hortifruti. Descalça, correu até o amigo, forçou a trava da porta e se agachou diante dele, examinando-o.

— O que foi que fizeram com você... — Ela sussurrou, recebendo o amigo que jogou as pernas para fora do carro, incerto nos passos, tonto pela bebedeira e desolado.

Em todos os anos que o conhecia, nunca o tinha visto tão perdido. Com carinho, apoiou seu queixo, olhou-o para entender seu coração, e percebeu que praga de amiga também pega:

— O que aquela cadela fez com você, Dani?

— Tarra certa o tempo inteiro, ...

O loiro se aproximou, sem falar nada, e ajudou Daniel a sair do carro. Apoiou o corpo do amigo com o próprio e só então se lembrou de dizer:

— Ele pediu... — tentou, um pouco confuso e sem saber como pedir — para deixá-lo aqui.

— Me ajuda a levar ele lá para dentro que...

Todos os caminhos me levam a ti [Degustação]Where stories live. Discover now