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Eu raramente vi meus pais abraçados juntos, mais raro ainda é vê-los chorar, e agora estou vendo as duas coisas juntas.

A noite de ontem foi agradável e o dia hoje também, mas agora o jantar de Ação de Graças está perto de ser servido e o clima de repente mudou. Todos nós sabemos porque, mas ninguém está verbalizando.

Como podemos jantar e dar graças pelo que recebemos esse ano se o que perdemos foi muito maior? É o que pensamos.

Particularmente acho que não deveríamos ter feito um jantar hoje, deveríamos ter tratado como mais um feriado qualquer e só descansado.

— Posso? — Eu me aproximo dos meus pais na sala depois de passar minutos os observando.

— Vem cá. — Meu pai ergue uma mão fazendo sinal para eu me juntar ao abraço.

Eu ocupo o lado vazio ao lado dele o abraçando de lado. É o primeiro momento em família  tanto tempo.

— Vocês não precisam agradecer nada essa noite, nenhum de nós precisa. Todo mundo entende. — Digo a eles e estico o outro braço até minha mão pegar a da minha mãe. — Estamos aqui com você, sei que não é o mesmo que Sarah estar, mas estou aqui sempre que precisar.

Não importa quanto nossa relação tenha melhorado, eu sei que a ligação dela com Sarah era diferente, maior, e está tudo bem, não posso querer competir com a memória da minha irmã.

— Sempre é tanto tempo, a vida vai se acertando, quem sabe onde você estará em algumas semanas? Talvez em um relacionamento, talvez em Londres, talvez afastada de nós outra vez. — Minha mãe divaga. — Nosso futuro é muito incerto.

— Sim... muita coisa pode mudar em algumas semanas, ou meses, mas a minha vontade é estar com vocês, com Mikey, com...

Eu paro porque isso seria falar demais, mas quando digo que quero estar com Landon também não é sobre especificamente uma relação homem e mulher, é sobre estar perto de todas as pessoas com quem me sinto em paz.

— Olivia... — O tom da voz dela é baixo, mas está me repreendendo.

Sinto os dedos do meu pai em minhas costas, acho que ele está fazendo o mesmo com mamãe também.

— Vamos ficar tranquilos, certo? Não vamos nos desentender, todos nós estamos dividindo a mesma dor, a mesma falta. — Ele intervém na conversa.

Mas se eu não disser agora talvez eu vá me calar e então nunca vou conseguir dizer exatamente como me sinto. Desde que Sarah morreu ninguém perguntou como eu estou me sentindo, é sempre sobre como os outros estão. Ninguém simplesmente chegou em mim dizendo "Olivia como está sendo tudo isso para você?"

— Eu gosto dele, eu o amo, é horrível viver dívida entre isso e meu amor e respeito pela minha irmã. — Desabafo mesmo que eles não queiram escutar. — Mas não é por isso que fiquei, eu nem pensei nele dessa forma por um tempo. Eu fiquei porque Sarah me pediu para deixar tudo em ordem com todo mundo, vocês, Mikey, Landon. A única razão de ficar foi honrar o pedido dela, mas enquanto estava tentando consertar todo mundo, eu que nunca me consertei, comecei a ver que antigas cicatrizes estavam se tornando visíveis de novo.

A mão da minha mãe solta a minha e eu tenho medo de que não seja só no sentido literal, medo de que ela julgue meus sentimentos e escolhas, mas é algo que preciso passar.

— Eu acho que eram coisas adormecidas nele também, ele nunca pensou em mim dessa forma enquanto esteve com Sarah, podem perguntar isso a ele se quiserem. — Paro de falar para respirar fundo duas vezes seguidas. — Mas nós dois estamos aqui, convivendo enquanto temos um passado mal resolvido e sentimentos voltando a tona. Nenhum de nós está feliz, não completamente. Acham que considero isso entre nós um presente? Não é. É um peso grande a se carregar. Ninguém quer amar o viúvo da irmã, ninguém quer ficar dividida entre fazer o que o coração quer e o que o coração manda, ninguém quer viver com medo de decepcionar todo mundo. É isso que quero que saibam, que estou com medo e pensando em todo mundo e que quero pensar em mim agora também.

Todas as batidas imperfeitasWhere stories live. Discover now