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AGOSTO

       Eu estou sensível nas últimas semanas. Mamãe demorou um pouco, mas uma semana atrás decidiu ir para a clínica spa, obviamente ela anunciou isso no café da manhã, em uma conversa breve e sem emoção. Três dias atrás ela viajou para se hospedar em uma clínica distante de Chicago, para evitar especulações.
       Então de manhã, enquanto a escola de Mikey não começa, ele fica com uma babá, a tarde depois do trabalho, eu fico com ele, Landon assume as seis.
        Agora aqui sentada na cadeira na frente da mesa de Jane olhando pela janela e vendo as folhas das árvores balançando enquanto desabafo com ela, me sinto mais em paz.
         — Eu senti falta dela nos últimos anos, mas é diferente agora, antes eu sabia que ela estava aqui. — Me inclino deitando a cabeça na mesa de madeira. — Acha que ela está em paz?
        — Tenho certeza. — Os dedos de Jane passeiam por meu cabelo. — Sarah era uma mulher iluminada, ela com certeza fez muito por muitos e agora pode descansar. Claro que parece muito cedo, e sempre vamos nos perguntar porque tão cedo, mas ela cumpriu o que Deus queria para ela.
        Não sou tão próxima de Deus, quer dizer, eu acredito nele e na força dele, mas eu não me lembro a última vez que fui a igreja ou mesmo a última vez que orei. Para ser honesta eu acho que me esqueci dele a maior parte do tempo nos últimos anos.
        — Ei, Ollie. Oi, Jane. — A cadeira ao meu lado é puxada e Landon se senta. — Você está bem?
        Ele é a pessoa que mais me faz essa pergunta, sinto que a gente encontrou um ponto de amizade e apoio e sou grata por isso.
        — Uhum. — Continuo com o rosto encostado na mesa. — A reunião acabou cedo, passei para falar com Jane antes de buscar Mikey.
        Ele me olha ainda estudando minha expressão vendo se está tudo bem mesmo e então dá um meio sorriso. Só meio. Eu nunca mais vi aquele outro sorriso, o sorriso dos sonhos que fez eu me apaixonar por ele no passado.
         — Acho que vou levar Mikey no parque do shopping hoje. Pode o arrumar no fim da tarde? E se quiser ir conosco seria bom.
         É realmente algo que nunca pensei para minhas sextas, ir a um parque infantil, mas não tenho tido vontade de sair, ir para casas noturnas ou algo do tipo.
         — Ok, vou o arrumar e me arrumar no fim da tarde e então esperamos por você. — Levanto minha cabeça da mesa de Jane e a olho por um instante. — Foi bom falar com você.
          — Sempre que precisar estou aqui. — Ela diz e eu sei que está.
         Empurro a cadeira para trás e puxo minha bolsa do encosto me levantando em seguida.
          — Até mais tarde. — Digo a Landon.
         Como esperado minha tarde é repleta de brincadeiras de bolas, carrinhos e episódios da Patrulha Canina. As cinco coloco Mikey no banho, Anya, nossa funcionária, se oferece para fazer isso, mas eu gosto de cuidar dele. Eu descobri que tenho alegria em cuidar do meu sobrinho, tenho alegria em contribuir em projetos de arquitetura, são novos lados meu.
         — Hora de sair, amigão. — Eu anuncio, mas Mikey faz bico.
         — Ah, mas eu quero ficar.
         Claro que quer, eu o deixei trazer brinquedos para o banho e na minha banheira, eu já deveria ter imaginado.
         Então eu cedo. — Só mais um pouquinho.
         — Obrigado titia Ollie. Você é tããão legal!
         Uma palavra dele chama minha atenção, ele nunca me chamou de Ollie, sempre fui a titia Livvy.
         — Achei que eu era tia Livvy, agora sou a tia Ollie?
        Mikey dá um daqueles sorrisos lindos. — Titia Ollie. Papai chama você assim.
        É minha vez de sorrir. Era um jeito só dele me chamar, é bom compartilhar isso com Mikey também.
        — Não saia se não vai escorregar, vou pegar a toalha lá no quarto. — Aviso me levantando de onde estava abaixada ao lado da banheira. — Entendeu?
        — Entendi, pode ir.
        Deixo o banheiro sorrindo, Anya entra no meu quarto assim que volto para ele também.
        — Você tem uma visita lá embaixo. Eu tiro Michael do banho, se quiser. — Ela estica a mão para eu entregar a toalha.
        É o que faço, mas ainda estou intrigada com isso de visita. — Quem está lá embaixo?
         — Charles, ele disse. É de Londres.
         Charles está aqui? Ele não me disse que estava vindo para Chicago. Isso foi uma surpresa? É claro que foi, eu com certeza fiquei surpresa.
         Peço para Anya tirar Mikey do banho e o deixar pronto para um passeio. Depois disso desço as escadas com pressa e lá está Charles parado no hall de entrada.
         — Surpresa? — O sotaque inglês deixa a palavra ainda melhor.
         Pulo o último degrau e corro para ele que me pega me erguendo enquanto me abraça.
          — O que está fazendo aqui? — Murmuro grudada no pescoço dele. —  Não acredito que está aqui.
          — Estava com saudades da minha parceira. — Charles me coloca no chão e com uma mão em meu ombro me afasta um pouco, me observando. — Você parece bem.
          Assinto movendo o rosto em resposta. Me sinto bem ultimamente. É um tipo diferente de estar bem.
         — A vida tem que continuar, não é? De jeitos que não esperamos.
         Recebo outro abraço dele, dessa vez mais calmo e demorado, ele enche meu rosto de beijinhos rápidos.
          — Quanto tempo vai ficar? Vai ficar hospedado aqui, ok? Vai ser tão bom conversar coisas diferentes. — Estou puxando ele pela mão até a sala. — Tem falado com Willow? E tem algum artista novo que está produzindo?
          — Você está falante, eu não te via assim há bastante tempo. — Ele diz ao invés de responder alguma das perguntas.
          Me sento no sofá esperando que ele faça o mesmo. E sim, eu não era a pessoa mais sociável do mundo, principalmente no último ano. Eu fazia shows, bebia, fumava um baseado as vezes, transava e dormia. Coloque isso no repete pelo menos três vezes na semana. Era minha vida.
         — Que tal minha versão que fica acordada e sóbria? — Pergunto um pouco orgulhosa de mim mesma. — Eu ainda bebo um copo antes de dormir, mas é só.
        Charlie se senta no sofá e eu o analiso um pouco, fazem três meses e meio que saí de Londres, ele parece bem também.
         — Responda minhas perguntas. — Eu mando colocando os pés no colo dele.
         — Por qual eu começo? Acho que com até quando eu vou ficar, só até segunda, estou ajudando a produzir um show e preciso estar em casa durante a semana. — Ele conta e eu fico mesmo tocada ao perceber que ele atravessou o oceano para passar pouco mais de dois dias comigo. — Falei com Willow pouca vezes, não somos amigos, mas ela está surtando organizando o casamento.
          Sei disso, e embora eu deteste casamentos e não sei se seria útil ainda fico envergonhada por não a estar ajudando. Ela e Henrich até perguntaram se Landon e eu gostaríamos que eles adiassem a data porque talvez não estejamos bem ainda, mas nenhum de nós pediria isso a eles.
         Então eles vão se casar em outubro e nós voaremos para Londres.
         Charles me conta mais coisa sobre seu trabalho e sobre outras pessoas que conhecemos. Por um tempinho é como se estivéssemos de volta a casa dele.
         — As vezes sinto falta de casa. — Admito para ele e por casa quero dizer Londres, ou a Europa toda, não um lugar físico específico.
         — Também sinto falta de você em casa.
          Nossa relação, se é que a gente pode chamar assim, sempre foi de muita liberdade, sem muito sentimentos, mas as vezes Charlie me pegava desprevenida, dizendo coisas como essa. Entretanto, eu não sei responder fofa então minha arma sempre foi beijá-lo para retribuir palavras carinhosas. É exatamente o que pretendo fazer agora.
          Me inclino para ele sorrindo olhando seus lábios.
         — Estou pronto tia Ollie!
         Franzo o cenho sendo pega de surpresa pela chegada do Mikey, principalmente porque eu esqueci que deixei ele com Anya. Sou uma péssima tia.
        — Uau que gatinho! — Elogio me levantando do sofá. — Vem cá, vou te apresentar um amigo. Charlie esse é meu sobrinho Michael.
         Estico a mão para Mikey e ele a segura e então o levo para perto do sofá.
         — E Mikey, esse é Charlie, um amigo meu.
         — Prazer em te conhecer. — Mikey estica a mão para ele e eu rio. O educaram muito bem.
         Charlie parece um pouco surpreso com a educação e estica a mão também apertando devagar. — É um prazer te conhecer também garoto. Ele está enorme, eu lembro das fotos dele bebê.
         Sim, eu era uma tia babona, então quando meu pai me mandava as fotos de Mikey eu saia as exibindo.
        — Ele está grande mesmo, faz quatro anos no próximo mês. — Conto.
         E a mãe dele não estará aqui, ele nunca mais vai ter um aniversário com ela e pensar nisso me faz sentir triste. Eu evito a tristeza, mas é impossível viver um dia sem pensar em Sarah.
         — E onde você está indo todo estiloso assim? — Charlie pergunta a Mikey que se sentou ao lado dele no sofá, eu me sento do outro lado.
         — Vou no parque do shopping e acho que comer batata frita, se o papai deixar. — Meu sobrinho responde com seus olhos brilhando de empolgação. — Você pode pedir a ele para deixar, tia Ollie?
          — Eu vou pedir. — Ajeito o cabelo dele mais para o lado.
          A campainha toca e mesmo de longe vejo Edith caminhar para a porta da frente e a abrir para Landon entrar.
         — Estamos aqui! — Grito para ele. 
         Landon se vira na direção da sala e começa a caminhar para ela, dando aquele meio sorriso que tem ficado tão comum.
         — Você chegou! Estava demorando. — Mikey salta do sofá e vai até o pai abraçando suas pernas.
         — Vim no mesmo horário, é você que está ansioso. — Landon diz a ele. — O que fez hoje?
        Ele se abaixa e pega Mikey o jogando sobre seu ombro o fazendo rir e sua roupa amassar toda. Gosto como eles estão conseguindo funcionar juntos. Os pais de Landon estão morando fora de Chicago então quando não estão conosco são só eles.
        — Nós brincamos muito, não é tia Ollie?
        — Muito! — Ainda estou sorrindo para eles quando me lembro de Charlie. — Ei Landon, se lembra de Charlie? De Londres, da viagem?
         Landon tira Mikey do ombro e o coloca no chão, ao mesmo tempo que Charles se levanta para o cumprimentar.
         — Faz muito tempo. — Charles diz enquanto oferece a mão que Landon aperta. — É bom te ver.
         — Bom te ver também. Veio fazer uma visita a essa fugitiva de Londres? — Ele brinca depois do aperto e aponta para mim.
         Charlie assente. — Nada contra Chicago, mas não sei como vocês conseguem abandonar Londres.
         Talvez nenhum de nós teria saido em outras situações, se Landon não tivesse as obrigações com a família, se Sarah não tivesse morrido. Seria uma vida diferente, para tanta gente.
          — Ei então nós vamos. — Landon informa.
          — Na próxima vou com vocês.
         Disse que iria sair com eles hoje, mas não tava esperando por Charlie e não posso deixá-lo.
         — Claro, nem esquenta com isso. — Ele caminha até mim e beija minha testa. — Obrigado pela ajuda.
         — Deixe ele comer batata frita. — Peço baixo. — Ele me fez perguntar.
         Landon olha para Mikey e balança a cabeça, não sei se é um sim ou não. Ele diz um "até mais" para Charles, e Mikey me abraça, então eles saem.
         — Toda sua agora senhor londrino. — Estico a mão para ele. — Vamos lá para o quarto.
        
     

       
         

Todas as batidas imperfeitasWhere stories live. Discover now