Decaindo

983 93 5
                                    

Entre altos e baixos a amizade continuava caminhando. Atravessaram a crosta, passaram pelo manto e era chegada a hora de se direcionarem ao núcleo.

O núcleo do problema, mas cavar mais fundo não seria bonito. Não seria confortável e permitiria que a harmônia quase perfeita entre Carina e Maya tivesse uma tendência de baixa.

A médica havia tido uma semana daquelas. Mais emergências do que o normal no trabalho. DeLuca relutava em aceitar ajuda profissional para com seus episódios. Ainda eram sutis, mas Carina os reconhecia como um detector e se preocupava. Em casa pensava estar indo bem em sua relação com a bombeira e na pequena jornada que haviam iniciado. Até aquele dia. E a sucessão de acontecimentos desastrosos que ele lhe trouxera.

Era Maya quem cortava alguns legumes desta vez. Enquanto Carina a observava. O semblante concentrado lhe roubava algums suspiros. Os azuis vão até ela, encabulados e a médica sorri.

- Quase não tivemos tempo para conversar nos últimos dias... Como tem passado?

- Muitos chamados. Recém nascidos sendo deixadas frente a estação. Desentendimentos na equipe. Burocracias...

- Uau.

- Pois é... Nada tão interessante quanto ver bebês voando corpo afora.

- Maya – Exclama em riso – Primeiro que bebês não voam corpo afora. Eles deslizam lentamente para fora da vagina. E segundo que coisa mais insensível – Pega um cubo de cenoura que a outra havia acabado de cortar, lançando contra a mesma.

- Foi mal aí, Doutora...

- E quanto a sua mãe?

- Não falei mais com ela desde aquele último encontro – Dá de ombros.

- E... Não acha que deveria tentar?

- Por que?

- Porque ela é sua mãe e está atravessando um momento difícil.

- Isso não é problema meu. Se ela quer viver num hotel por que não aguenta um temperamento forte e algumas vozes alteradas... A escolha é dela.

Carina tinha um grande defeito ou qualidade, dependendo do ponto de vista. Quando tinha uma verdade em mente, não conseguia guardá-la para si. E não foi diferente com Maya.

- Eu entendo que seja difícil, mas... Você não acha que ela possa estar magoada e ter motivos reais para estar magoada e que haja um pouco de verdade no que ela diz, Talvez...

- Pare – Altera a voz, largando a faca sobre a tábua bruscamente – Por favor... – Desta vez o tom era mais baixo, mas ainda continha uma raiva visível.

Mesmo temendo as reações da amiga, Carina resolve continuar.

- Lembra do meu pai bipolar? Meu irmãozinho mais novo, infelizmente herdou o gene da bipolaridade e...

- Eu... Eu não sei que tipo de paralelo você está tentando fazer... Mas eu não quero brigar com você – Diz tentando controlar sua voz – E não há doenças mentais na minha família – Conclui duramente.

- Eu também não quero brigar. Maya... Eu só quero... Eu só queria chegar na conclusão que o cérebro humano é fantástico, mas também pode ser tortuoso. Com ou sem doenças mentais. E o que está vivendo agora me parece com negação e talvez por ser tão brilhante e inteligente não consiga reconhecer que você possa estar em negação de que tanto você, quanto sua mãe e irmão possam ter enfrentado o abuso.

- Eu não quero falar sobre isso – Grita – Não há abuso. Ele nunca nos bateu. Ele...

- Esse não é o único jeito de abusar de alguém, Maya. Meu pai também nunca me bateu ou no meu irmão, mas isso não quer dizer que ele não nos abusou mentalmente. Abuso mental e verbal existem.

Tua LuceDonde viven las historias. Descúbrelo ahora