II

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A vida de John mudou no dia que estava sozinho em seu escritório, com uma pilha de telegramas e correspondências em sua frente. A manhã mostrava-se fria e nuvens cinzentas infestavam o céu, a claridade não era o suficiente para a leitura, por isso tratou de apanhar o castiçal acima da mesa de canto para acender três velas. A primeira carta era de Richard Wilson e depois de abri-la, John não teve cabeça para continuar com o restante.

Samantha Bourgh era uma prima de terceiro grau que desapareceu assim que John completou seis anos de idade, nenhum dos Windsor fez questão de preservar a imagem da moça o mínimo que fosse, teorias absurdas foram inventadas para explicar sua ausência e a mulher acabou se tornando uma lenda entre o convívio íntimo das famílias mais chegadas e exuberantes da alta sociedade de Bristol.

O conteúdo da carta dizia que Samantha Bourgh cometera suicídio sorvendo de um grande gole de whisky com veneno para matar ratos, a notícia poderia ser drástica o suficiente sozinha, mas o motivo da correspondência era para contar que a mulher teve uma filha e que a menina seria jogada na rua muito em breve, caso nenhum familiar estivesse disposto a aceitá-la de bom grado. A criança está sozinha? Foi a primeira pergunta que lhe veio em mente, uma vez que a carta fora escrita de forma curta e evasiva.

Levou a carta para Bethany ler, admirado por algo tão excêntrico estar acontecendo consigo. Não existiam mais Windsor em Bristol senão ele mesmo, o restante de sua família – primos e tios – moravam na Escócia e depois de todo o burburinho causado por Samantha, nunca aceitariam cuidar da criança dela. Bethany riu ao término da leitura, relembrando o marido que a mulher nada era além de uma louca, histérica e promíscua. O lado da família de Betty, os Weber, acreditavam piamente que a mulher era prostituta em Londres e ninguém converteria sua cabeça para acreditar no contrário.

Não estava nos planos de John ajudar a prima, longe disso, estava tentando correr para longe de problemas desde que se casara com o pior deles. Porém, sem o conhecimento da esposa, respondeu à carta pedindo por mais informações, e aquilo que começou sendo uma carta misteriosa, acabou se transformando em uma troca de correspondência recorrente.

O homem, Richard, era mesmo evasivo. Nunca respondia às perguntas de John com clareza, mas gostava bastante de descrever a situação precária e infeliz da menina. Aliás, a filha de Samantha nunca foi nomeada por ele, era sempre a menina, e John demorou para estranhar esse detalhe, uma vez que se via completamente remoído pelo sofrimento da pequena infeliz.

A menina foi encontrada pela Scotland Yard em um pensionato no coração de Londres, o corpo da mãe estava estirado ao lado da cama, com os olhos abertos e o corpo gélido. Eram pobres e Richard contou que Samantha trabalhava em uma fábrica de tecidos em condições precárias, doze horas por dia, ganhando o suficiente para arcar apenas com o aluguel semanal do lugar onde viviam. Richard era um velho amigo dela, ajudava na falta de comida, e foi a primeira e única pessoa que a polícia pôde procurar diante sua morte.

"Não me venha com esse assunto, aquela sua prima era uma puta", Bethany quase berrou quando o marido veio falar de novo sobre o caso Bourgh. Todos sabiam sobre a história daquela mulher e como era possível que a cria dela, nascida naquele ventre impuro, seria diferente? Era inadmissível que aceitassem aquela criança demônio. Temos que nos debruçar para gerarmos nossa própria filha! John não disfarçou a repulsa, ela não conseguiu engravidar desde a perda do bebê, e ele dava graças a Deus – e poderia rezar todas as noites para que continuassem assim, fazia meses que ele se ausentava de seus deveres carnais como marido.

A menina deveria ter uma parcela de seu sangue, mesmo ínfima. Imaginou uma jovenzinha correndo por aqueles corredores escuros, pregando peças na cozinheira, zelando a segurança das próprias bonecas e aprendendo leitura com seus ensinamentos. Não seria tão terrível aceitá-la, lhe daria mordomia e tentaria amá-la como pupila, faria aquela criancinha feliz e cuidaria para que crescesse com sonhos e planos – seria inteligente! Uma inventora, enfermeira, qualquer coisa que quisesse.

O Cruel Destino de Megan Bourgh [DEGUSTAÇÃO]Where stories live. Discover now