IV

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Um por um, foram abertos os fechos enfileirados nas costas do espartilho azul denim. A pele comprimida foi liberta aos poucos, marcada pelos arames escondidos dentro da costura e do aperto miserável da peça estreita. Os ossos das costelas e dos quadris de Megan eram aparentes, oriundos da fome e pobreza londrina. Por mais inacreditável que fosse, havia engordado cinco quilos em sua estadia com Richard, estivera bem pior do que agora aparentava.

As saias foram abaixadas de uma só vez, todas juntas, com a força bruta de Linda Evans. Sem o costume de ter quaisquer regalias ou experiências como aquela, onde aproveitava da ajuda de alguém para despi-la e trocá-la, Megan disfarçou o máximo que pôde da vergonha que a assolava. Richard dispunha cerca de oitocentas libras anuais e não tinha condições de manter mais que dois empregados, por isso, Megan nunca experimentou a mordomia de ter empregados a seu dispor para ajudá-la, sua realidade mantinha-se bem longe disso, sempre foi ela quem precisou cuidar de si mesma. Quanto às problemáticas da regra absoluta do espartilho, para pobres e para ricas, já tinha suas próprias artimanhas para lidar com os laços e fechos.

Estava nua no meio do quarto, suas roupas encharcadas foram jogadas em um monte perto da lareira. Megan se encolheu como uma doninha cercada por predadores, cobria os seios com os braços e tremia na espera interminável por privacidade.

– Vá para a banheira, senhorita. – Linda mandou.

Minutos atrás, a banheira de porcelanato com pés banhados a bronze, inspirados em garras longas com unhas afiadas, foi carregada para o centro do quarto por dois empregados. Logo após, com uma pressa cuidadosa, trouxeram baldes com água quente para enchê-la.

Foi o tempo necessário para Megan entender que aquela sala ampla e requintada era seu quarto – ou, como Linda preferiu dizer, seu aposento particular. A cor predominante, além do amadeirado sóbrio, era a magenta. O papel de parede, os estofados das cadeiras, poltronas e cabeceira, a cortina da cama dossel e suas almofadas eram todos dessa cor, intensos e escuros, pareciam engolir sua existência para dentro do cômodo, um pouco intimidante e outro pouco convidativo. Havia veludo e cetim, arabescos bordados nas colchas com fios que pareciam ser feitos de ouro.

Por mais obscuro que fosse, seu aposento estava muito bem iluminado. Castiçais ramificados de três velas foram espalhados pelo local, a lareira ardia em labaredas altas, jogando luz laranja em toda a parede das janelas. Conseguiu admirar o arroxeado profundo das cortinas em veludo que rodeavam a cama, amarradas com tiras douradas nos dosséis; ao lado, posta perto de uma janela que saltava para fora do quarto, em uma redoma de vidro, havia uma mesa redonda com duas cadeiras, para refeições.

Megan sentia um terrível frio estalar em seu interior, do couro cabeludo até a ponta dos pés, seu corpo derreteu ao imergir na água escaldante, o choque térmico foi ignorado enquanto fechava os olhos e escorregava para baixo, desejando que a quentura alcançasse cada parte dela.

A partir do momento em que Megan ficou nua, apenas Linda voltou a aparecer nos aposentos. Trouxe o jantar em duas viagens, comandos eram ditos no corredor, onde provavelmente alguém a auxiliava, carregando as coisas. Pegou as roupas molhadas de Megan e desejou bom descanso, avisou que caso precisasse de algo, era só colocar a cabeça para fora do quarto – alguém estaria por perto.

– Uma boneca. – Ainda estava na banheira, mas conseguia identificar que havia uma boneca de porcelana deitada em cima de um dos travesseiros de sua cama. Fechou os olhos, magoada. Não existe grau de estorvo que ultrapasse a minha presença nessa casa, pensou, não sou uma criança que ele pode tratar como filha ou pupila, não tenho dinheiro para lhe pagar o favor ou dote para que se livre me casando com alguém. Não sou nada. Nada além de uma intrusa. Um ser destoante no castelo despedaçado daquela família infeliz.

O Cruel Destino de Megan Bourgh [DEGUSTAÇÃO]Where stories live. Discover now