Um peito escancarado

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Gukk havia nascido para matar. Ele era carne e sangue e ossos, tinha um fogo em sua alma que queimava e absorvia tudo por onde passava, sem jamais deixar para trás nada além de dor e cinzas, era frio e sobrenatural como o inverno.

Nada queimava como gelo.

Nada queimava como Jeon Jungkook.

Eu sabia disso mesmo agora, observando-o enquanto ele esperava o sinal surgir em meio a floresta sinuosa, os olhos escuros e grandes observando tudo e devolvendo nada. Seu corpo estava quase completamente coberto pela capa preta, escondendo-se perante àquele céu dissolvido em negro. O vento sussurrava por entre as árvores, balançando meus cabelos e fazendo os pelos da minha nuca se eriçarem, ainda que eu de alguma forma suspeitasse que o frio não era o responsável. Ele sempre tinha aquele poder sobre mim, a dominação dos meus sentidos e dos meus sentimentos, a capacidade de me fazer estremecer de prazer e amor apenas com a sua presença.

Eu não conseguia me lembrar de quando aquela missão havia se iniciado, de como era a minha vida antes dele. Estivera treinando para aquele momento desde que era apenas um grão de areia em meio inexistente, desde que fora concebido para aquele propósito. Mas me recordava de todas as vezes que nossos olhares se encontraram, de cada palavra trocada e cada toque. Estavam gravados em minha memória cada pensamento que me ocorreu sobre ele, cada observação e cada análise.

Assim como eu, Gukk fora treinado desde o nascimento para se tornar um guerreiro, ladrão e assassino. Lutara a vida inteira para se tornar o melhor entre nós, para comprar sua liberdade, ainda que aquilo tivesse custado a sua alma e a sua mente. E agora ele finalmente conquistaria. Conquistaria através das lágrimas e dor daquele mundo corrompido.

— Sou incapaz de amar — ele havia me dito certo dia, prendendo-me entre a parede e respirando em meus lábios — Sou incapaz de amar você.

E ele era, mas eu não me importava. Não quando podia amar por nós dois.

Então o sinal veio. Um pequeno rugido que se estendia ao norte, alto demais para a floresta silenciosa. Jungkook me fitou com intensidade, os olhos vívidos de luar com nada além de um aviso. Não me atrevi a respirar, minhas entranhas de repente tinham virado água. Era chegada a hora de lutar, de cumprir nossas obrigações.

Meus pés estavam enroscados nas raízes que cresciam suavemente entre meus dedos descalços e meu tornozelo, a terra lutando para me ter por mais alguns segundos. Foi preciso uma força gigantesca para afastar o aperto em meu peito, a culpa do que eu faria.

Jungkook me observava com atenção, os olhos inquietos enquanto me esperava. Giani chegou em menos de um segundo, com as patas silenciosas batendo no chão em ansiedade. A tigresa negra tinha os olhos dourados que brilhavam em inteligência, o pelo sedoso que, em suas costas, se transformava gradualmente em penas verdes e azuis de pavão. Naquele mundo cruel, era o único amigo que eu não precisaria trair.

— Por que isso sempre acontece? — Jungkook perguntou, a voz grave. Com o olhar confuso que recebeu, apressou-se em continuar — Essas coisas com as plantas.

— A natureza reconhece seu igual — por um instante, eu pensei em apenas continuar meu caminho, mas tudo que queria era prolongar aquele momento — Os feiticeiros nasceram do amor da natureza pelos humanos, uma porção de magia doada. Cada molécula de árvore, folha e terra se reconhecem em um feiticeiro. Quase como uma extensão de si mesmo, um mestre manipulador de suas habilidades. Todos os filhos da floresta são um só ser.

Jungkook olhou para mim com curiosidade, os olhos brilhantes lhe dando um ar quase inocente.

— Como uma família?

Carne, Sangue e Ossos • jjk + pjmМесто, где живут истории. Откройте их для себя