• Capítulo 15

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Kah on·
Por que ele demorava tanto?
A fila andava mais depressa do que eu esperava e Ruggero ainda não tinha voltado do banheiro.
Já dava para ver o caixão aberto. Como era horrível ver um homem tão jovem e tão bonito deitado ali, morto. Eu sabia que ele havia traído Ruggero, mas Facundo não merecia isso. Dava para ver que ele era moreno e tinha um rosto bonito. Parecia estar em paz. Eu realmente esperava que ele estivesse em um lugar melhor.
Muitas coroas de flores brancas cercavam o caixão com faixas que diziam: Filho, Amigo, Marido. Havia longas velas acesas. Era um cenário bonito, o melhor que o dinheiro podia comprar.
Olhei para trás. Nada de Ruggero.
Foi então que a vi.
Estoica, ela estava sentada na cadeira mais próxima do caixão.
Candelária.
Meu corpo ficou tenso tomado por uma onda repentina de possessividade. Como Facundo, Candelária também era morena. Meu namorado havia sido sacaneado pela Barbie e pelo Ken versão morena e eu estava mais para um relançamento da boneca Bratz.
Meu namorado. Acho que era, não?
Enfim, Candelária era o oposto de mim fisicamente, tipo mignon, com um corpo quase bailarina. Bonita. Eu não esperava menos que isso, mas torcia para que talvez por uma sorte ela tivesse uma aparência mediana, apenas. Não era o caso, mas não era só a aparência dela que revirava meu estômago, era mais o fato de estar frente a frente com alguém a quem Ruggero tinha entregado o coração. Ele a amou. Eu não sabia se um dia sentiria a mesma coisa por mim. Talvez nunca tivesse percebido quanto queria ou precisava disso até esse momento.
Enquanto ela falava com pessoas que ofereciam condolência estudei seus olhos. Os olhos que haviam olhado os de Ruggero. Olhei para a boca. A boca que tinha beijado ele, chupado seu pau. Olhei para os seios modestos dentro do vestido preto. Os meus eram bem maiores. Isso fez com que eu me sentisse melhor por uma fração de segundo, até meus olhos descerem até as pernas finas. As pernas que haviam enlaçado a cintura dele.
Meu Deus Karol. Para de se torturar.
Então isso era sentir ciúme.
Quando olhei para trás novamente a mulher na fila sorriu para mim.

Xx: como conheceu Facundo?
Kah: eu não o conheci. Vim com Ruggero Pasquarelli.
Xx: o ex-noivo de Candelária?- engoli o nó na garganta.
Kah: noivo?
Xx: se está falando do Ruggero Pasquarelli da Pasquarelli Financial Holdings, sim. Eles eram noivos e iam se casar antes de Candelária ficar com Facundo- senti meu estômago se comprimir. Ele a tinha pedido em casamento?
Kah: sei, é claro, sim. Vim com esse Ruggero Pasquarelli. E você é...?
Xx: Helen Frost. Vizinha de Candelária e Facundo. Às vezes cuido de Chloe.
Kah: a filha deles?
Helen: sim. Ela tem quatro anos. Bonita, cabelo escuro, mas um pouco diferente dos pais.
Kah: ah, isso acontece de vez em quando.- dei de ombros. Antes de nossa conversa continuar notei Ruggero passando entre as pessoas e caminhando em minha direção. Ele olhava para frente como se estivesse completamente atordoado. Toda essa experiência devia ser mais difícil para ele do que eu pensava- Tudo bem?- ele assentiu em silêncio, mas eu pressentia que havia alguma coisa muito errada.
Finalmente chegou nossa vez de ajoelhar ao lado do caixão de Facundo e fazer uma prece. De mãos postas fechei os olhos e rezei um Pai-nosso. Meu coração ficou apertado quando ouvi as palavras que saíam da boca de Ruggero.
Rugge: seu filho da mãe- sussurrou ele. Os olhos estavam cheio d'agua, mas ele não chorava de verdade e o lábio inferior tremia. Continuei olhando para ele sem entender aquela raiva repentina. Nós nos levantamos juntos e caminhamos devagar em direção a viúva. Candelária parecia bem para alguém que tinha acabado de perder o marido. Os olhos dela se iluminaram quando viram Ruggero. O corpo dele ficou tenso quando ela o abraçou e puxou para perto.
Vadia.
Cande: muito obrigada por ter vindo Ruggero- ele ficou ali parado olhando para ela.
Tinha perdido a fala com o choque?
Ela prosseguiu.
Cande: sou mais grata por isso do que imagina. Vejo você na sexta, na nossa reunião- reunião? Ela o veria?
Estávamos parando a fila e ele nem tinha me apresentado. Finalmente ela desviou os olhos dele o suficiente para me notar parada a seu lado. Candelária exibiu um sorriso falso.
Cande: quem é você?
Kah: Karol, sou a...- hesitei e Ruggero finalmente falou.
Rugge: ela é minha namorada- disse com firmeza passando um braço em torno de minha cintura.
Cande: namorada- repetiu ela e Ruggero me segurou com mais força.
Rugge: sim.
Cande: Alexia me contou que você estava com alguém, mas não pensei que fosse sério.
Rugge: é sim. Muito sério- ah, tudo bem então. Bom saber.
Cande: bom, é um prazer Karol.
Kah: igualmente. Sinto muito por sua perda- e estou falando de... Ruggero.
Ele a encarava como se quisesse matá-la. O que estava acontecendo? Por que ele estava tão bravo de repente?
Ruggero passou para o próximo membro da família. Apertamos a mão de cada pessoa naquela fila até o fim, então suspirei aliviada.
Kah: que coisa mais dolorosa. O que fazemos agora?- tive a impressão de que ele queria dizer alguma coisa, mas não encontrava as palavras.
Rugge: Karol...
Kah: que foi? O que está acontecendo Ruggero?
Rugge: agora não dá. Vou perder a cabeça com alguém e não é a hora nem o lugar certo- não demorou muito para eu ter a resposta que procurava. Todos os olhos na sala se voltaram para uma linda garotinha de cabelo escuro que surgiu ao lado do caixão de Facundo. Chloe. Ela não tinha aparecido até então. Imaginei que a filha de Facundo e Candelária era mantida fora do velório intencionalmente, não sabia que ela estava ali. Todos ficaram paralisados pela imagem desoladora da criança chorando sobre o corpo morto do pai. Aquilo me fez sentir culpa, porque meu pai estava vivo e preferia não me relacionar com ele. O dela estava morto e ela nunca mais teria a opção de vê-lo.
Kah: isso é muito triste.- cochichei para Ruggero. Ele respirou fundo e soltou o ar devagar. Quase no mesmo instante Chloe virou-se e pude ver seu rosto pela primeira vez. Foi difícil sufocar a exclamação de espanto. As engrenagens começaram a girar em minha cabeça. Quando olhei para Ruggero de novo ele a encarava com ar incrédulo- Nunca tinha visto a menina Ruggero?- com os olhos cravados nela ele balançou a cabeça e respondeu.
Rugge: não- de repente seu comportamento estranho fazia todo sentido, porque essa criança era a cara do pai.
O pai dela, Ruggero.
Eu não tinha dúvida, Ruggero era o pai biológico de Chloe. Meus pensamentos se atropelavam. Como isso podia ter acontecido? Como foram capazes de não contar para ele? Havia alguma possibilidade de ser uma coincidência? A menina era parecida com Ruggero, mas filha de Facundo? No fundo eu sabia a reposta. De repente não sabia se queria chorar ou socar alguém.
Ele puxou meu braço.
Rugge: temos que sair daqui antes que eu faça alguma coisa de que vou me arrepender depois- olhei para Candelária que não percebia o surto iminente de Ruggero enquanto conversava e exibia os dentes para as pessoas na fila.
Kah: tudo bem. Sim, vamos- concordei.
De volta ao carro Ruggero passou os primeiros dez minutos do trajeto olhando pela janela. Ainda em choque parecia não querer conversar sobre o que tínhamos acabado de descobrir e eu não queria pressioná-lo.
Finalmente ele olhou para mim.
Rugge: fala que é só minha imaginação.
Kah: não, não é. Aquela menina parece com você- ele piscou algumas vezes ainda tentando processar os acontecimentos.
Rugge: se ela é minha filha, como Candelária foi capaz de saber o tempo todo e não me contar?
Kah: queria ter uma resposta, mas não tenho. Acho que vai ter que perguntar a ela- ele massageou as têmporas.
Rugge: preciso pensar em tudo isso- ele disse.
Kah: entendo se quiser ficar sozinho.
Rugge: não!- a resposta foi enfática- Preciso de você comigo.
Kah: tudo bem- naquela noite não fizemos sexo. Ruggero só me abraçou, o peso enorme de sua preocupação evidente cada vez que ele respirava incapaz de dormir durante a maior parte da noite. Era como se os dias divertidos e leves do nosso relacionamento tivessem um fim repentino. As coisas mudariam de um jeito muito drástico. Por mais que quisesse estar com ele não conseguia impedir que uma parte minha já vestisse em segredo uma armadura imaginária para me proteger.
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Kah on·
Ruggero havia decidido que não questionaria Candelária até a reunião da sexta-feira. Daria a ela o tempo necessário para enterrar Facundo antes de interrogá-la a respeito de Chloe. Acho que ele também precisava de tempo para se preparar para a inevitável verdade e determinar quais seriam seus direitos legais. Além disso ele se concentrou no trabalho ainda tentando definir a estratégia para a incorporação da empresa de Facundo. Decidi que algumas noites longe um do outro seria uma boa ideia naquelas circunstâncias. Para desânimo de Ruggero, fiz planos com Agus e Lina duas noites seguidas e avisei que dormiria em casa. Na verdade não havia nenhum plano além de ficar conversando no estúdio de tatuagem. Eu precisava da opinião dos meus amigos sobre esse assunto. Eles não conseguiam acreditar na história. Lina organizava as agulhas descartáveis quando começou a falar.

Lina: parece um capítulo de General Hospital- tive que morder a língua. Eles não tinham ideia da ironia do comentário. Eu nunca havia mencionado que Ruggero assistia à novela. Com os pés para cima Agus tirou o cigarro na boca e riu.
Agus: está mais para All my Children.
Kah: todos os meus filhos? Muito obrigada- revirei os olhos e ele continuou.
Agus: o que não entendo é como o cara nunca pensou na possibilidade de a criança ser filha dele.
Kah: ele nunca tinha visto a menina.
Agus: mas ficou sabendo da gravidez, não? Não pensou em fazer as contas? Nunca parou para pensar que era possível, pelo menos?- senti que tinha que defender Ruggero.
Kah: eles tinham parado de se falar. Ele não sabia quando aconteceu, só deduziu que a menina era filha de Facundo- Agus acendeu outro cigarro.
Agus: isso é muito doido. Um dia você acorda e bum... família instantânea- as palavras me fizeram estremecer. Agus havia acabado de expressar meu maior medo. Lina sabia que eu estava abalada quando olhou para o marido.
Lina: não fala isso. Ele não está com a mulher. As duas não são a família dele.
Kah: já pensei a mesma coisa.- confessei- Ele não só já foi apaixonado por ela como não tem mais outro homem em cena e ela é provavelmente a mãe da filha dele. Onde é que eu me encaixo nisso?- Lina se esforçou para me acalmar.
Lina: ele não vai querer ficar com ela, principalmente depois de saber que ela mentiu para ele durante anos- suspirei.
Kah: aquela mulher é linda e esperta. Aposto que ela já está pensando em como fazer essa situação funcionar a seu favor. Ela marcou uma reunião com Ruggero para falar de negócios antes mesmo de ele descobrir sobre Chloe no funeral. Quer uma fusão da empresa de Facundo com a de Ruggero.
Agus: aposto que ela quer fundir bem
mais que isso- brincou Agus. Lina se aproximou do marido e o sacudiu rindo.
Lina: dá para parar?- ela olhou para mim- Ruggero parece gostar de você de verdade. Duvido que ele vai cair na armação dessa ridícula.
Agus: e eu não consigo imaginar Karol fazendo a Mary Poppins com essa menina. É preciso olhar para o cenário maior aqui. Mesmo que o sr. Grande Babaca não fique com a mãe da menina, Karol ainda vai ter que criar a filha de outra pessoa, se ficar com o cara. Só isso já é digno de consideração- interferiu Agus.
Ele estava certo. O problema tinha muitas camadas.
Lina: Karol seria uma boa madrasta. Podemos pintar as pontas do cabelo da garota e furar as orelhas dela- Lina sorriu e Agus soprou uma grande nuvem de fumaça.
Agus: sabe o que eu acho? Você devia dar tchau para o Papai Warbucks e para a Annie, a Pequena Órfã. É minha opinião- naquela noite finalmente mudei a cor das pontas do meu cabelo outra vez. Estavam verdes desde a noite do baile de gala. Agora, só havia uma cor apropriada para a atual situação.
Código vermelho.

An Unforgettable Love [CONCLUÍDA]Where stories live. Discover now