Impiedoso

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— Não vejo sinais de naufrágio. — Um homem disse enquanto analisava o espaço visível com o apoio de uma luneta e madeira desgastada.

— Uma situação muito singular. — Replicou o velho de barba que me lançava um olhar intimidador.

Pelas vestes melhores que as dos demais e o chapéu tricórnio de excelente qualidade, supus que ele era o capitão da embarcação. Os outros homens pareciam manter uma distância um pouco respeitosa em relação a ele, enquanto entre si ficavam aglomerados olhando curiosos e cochichando sem parar. Confesso que comecei a me sentir acuada, sem entender que tipo de escolha eu tinha feito para a vida, enquanto um silêncio constrangedor – e ameaçador – se instaurava no ambiente. Pensei em dizer algo, porém naquele justo instante fui distraída por um marujo que me entregava minha mala, em mãos. Uma gentileza não antecipada, digo de passagem.

Eles tinham resgatado meu bote, ato que fez surgir em mim inúmeras questões sobre como era possível acoplar ali minha pequena embarcação, aumentando o volume de meu caos mental.

O velho barbudo, que presumi ser capitão, limpou a garganta para chamar minha atenção.

— É bom que tenha uma explicação plausível para sua situação atual. Sem destroços, nenhum sinal de naufrágio, seu bote parece ter surgido do nada, indo para lugar nenhum. — o homem falou com seriedade. — Isso é algo que apenas bruxas conseguiriam fazer, e é claro que, se você é uma bruxa, não posso deixar que ameace meus homens.

Os tripulantes soltaram grunhidos de concordância.

Um arrepio subiu pelas minhas costas. A areia de minha ampulheta começou a cair a partir do momento em que ele se calou. Eu tinha pouco tempo para improvisar uma história, minhas pernas tremiam por debaixo da saia do vestido. Eu tinha saído da ilha da magia para morrer? Que ideia estúpida. Tornei-me um tipo de suicida?

— Eu... — Todos lançaram sobre mim sua indesejada atenção, com olhares tão perfurantes quanto são espadas antes da batalha. Olhei para o céu e vi a lua branca sobre o azul límpido e claro, o que me trouxe recordação que era tempo de ela estar cheia. — Dormi no bote à espera de uma amiga, estávamos em uma praia, creio que a maré subiu porque quando acordei já não havia terra à vista. Eu também não tinha remos e honestamente não sei nem como me orientar nas águas.

Estava consciente de que era uma história terrível. Talvez não houvesse uma ilha próxima o suficiente para que um barco tivesse flutuado dela, à deriva, com uma pessoa viva dentro dele. Eu precisava de sorte para que eles acreditassem naquele engodo. Tentei aparentar tranquilidade, mas retorcia os dedos de minhas mãos entrelaçados em si.

— Onde pretendiam ir com um bote sem provimentos? — O velho questionou. — Você não me pareceu desesperada como uma pessoa que fica à deriva.

— Minha amiga traria os provimentos, e não iríamos longe, apenas até outro lugar aonde entraríamos em um navio. — Respondi de improviso. Sentia-me entocada, o que era possível notar em minha voz trêmula. Rezei para que ele interpretasse aquilo de como medo por estar perdida. — Eu estava desesperada, mas minhas lágrimas secaram depois que tanto chorei.

— Qual era o destino do navio? — O capitão interrogou enquanto plantava as mãos acima dos quadris.

Pensei na resposta mais universal possível.

— O continente! O navio ia para o continente. — Cuspi as palavras com tamanha rapidez que ele poderia ter interpretado como muita certeza ou desespero. Em algum lugar haveria um continente, isso é fato. A menos que todos tivessem sido explodidos sem que eu soubesse.

Danda do OcasoOnde histórias criam vida. Descubra agora