A traficante

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#welcometowarriors

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Chuto outro pedaço de cascalho enquanto o tabaco flui por meus pulmões. Nada como uma boa tragada no final do expediente, dez horas seguidas é difícil de engolir.

Eu não me considero uma dependente, diga-se de passagem, sou apenas uma usuária recreativa que passa mais tempo fumando no trabalho que no tempo livre. E tudo bem, eu deveria ser capaz de não me contradizer no mesmo argumento, mas que se dane, quem pagou por essa merda fui eu.

Do lado de fora do carro, o frio gélido de Seul me provocava fortes tremores, um lembrete válido de como o clima tinha mudado drasticamente nas últimas décadas. Deveria ser um mês quente, mas a temperatura estava cinco graus abaixo da média. Mesmo com todos os avisos, parece que as gerações passadas não se importaram muito com o futuro. Na verdade, nenhuma geração parece ter se importado o suficiente.

Faziam alguns minutos desde que os dois otários foram buscar o pagamento. Isso era ruim, o último tiroteio não fazia nem um mês direito e minhas reservas para médicos ilegais estava rasa demais para outra sessão de costura. Geralmente os compradores sempre estavam com o dinheiro em mãos, sobretudo os fãs de drogas mistas. Caramba, aqueles estavam verdadeiramente fodidos. A obsessão nítida nos olhos e a forma quase que desesperada com que pegavam os sacos mal preenchidos de droga... esperava não cair no mesmo buraco que eles, não tão cedo, pelo menos.

Um barulho ao fundo me chamou a atenção. Era o som metálico do portão por onde Viciado 1 e Viciado 2 tinham passado para pegar o dinheiro. O mais alto, um brutamontes calvo, tomou a dianteira com um envelope marrom e estufado em mãos e entregou a Suho, o meu companheiro habitual de entregas, que capturou o envelope e começou a contar as notas com uma agilidade que você só podia desenvolver com treinamento profissional. Se os rumores fossem verdade, eu tinha certeza que esse não era o caso de Suho. O homem morava num bairro tão pobre que de lá só saiam trabalhadores informais e criminosos, afinal, quem conseguiria entrar numa faculdade quando sequer tinha água encanada em casa?

Dou uma última tragada e jogo o resto de cigarro ao chão, pisando para evitar que as cinzas encontrassem fôlego na vegetação ao redor. Mínima consciência ambiental, Jeongyeon, você não é totalmente inútil.

O Viciado 2 força um pigarro como forma de demonstrar a impaciência, ansioso para experimentar a fórmula nova dos nossos químicos, suponho. Cara, você não quer atrapalhar a contagem de Suho.

No começo, era estranho chamar as pessoas por nomes fantasia, uma medida obrigatória para quem se associava aos Búfulos Negros. Talvez eu pudesse descobrir como Suho se chama caso invista tempo o suficiente na internet, mas qual a finalidade disso? Quanto menos souber, melhor. Esse era o lema da organização e não seria "a molenga da Jeongyeon" a questionar a sabedoria dos traficantes.

Entro no carro no momento em que ele deu a quantidade de cédulas por correta. Iria amanhecer em meia hora, quem sabe menos, e isso significava que quando eu chegasse em casa a minha mãe estaria saindo para trabalhar. Ela sempre me olhava com repreensão e se dirigia a mim com uma mistura de decepção com pena. Eu detestava isso. O porco que chamei de pai desapareceu não fazia nem um ano e já estávamos atoladas em dívidas, como manteríamos um teto sobre nossas cabeças sem a minha ajuda? Minhas irmãs eram novas demais para serem aceitas em um emprego que não exigisse prostituição ou "favores" aos chefes e, por princípios, eu não permitiria isso em hipótese alguma.

warriorsWhere stories live. Discover now