Benção

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São 14:30, segundo meu relógio. O clima está ótimo para um banho de piscina ou para passear. Também é um lindo dia para se divertir com a família. É, é hoje. É agora.

Já rodei o quarto até perder a conta. Eu tô muito nervoso, já fiz umas 6 checagens de aparência. Estou de cheiroso, meu cabelo está preso e eu não escolhi uma roupa de frio. Coisa que eu sempre fiz.

Mas aí você se pergunta, "Mas Thiago, como assim tu tá limpo e cheiroso se tu passou um tempão no quarto?" Meio sem sentido mas, quando minha mãe fez meu quarto, meio que ela "meteu" algumas coisas para que eu pudesse aprender a fazer sozinho. Isso inclui uma máquina de lavar blindada, um banheiro, um mini depósito que contém produtos de limpeza e um bebedouro com um garrafão que secou há anos.

Durante esse tempo, minha vó meio que entendeu meu lado de querer se isolar, então ela passou a deixar comida e água na porta. A cada mês que passa ela também deixa produtos de higiene como shampoo, perfume, escova, essas coisas. Em relação ao meu cabelo, não que isso seja de graaande importância, mas eu nunca cortei. Até que ficou legal. E em questões de roupa, eu não cresci tanto nesse tempo, então só foi necessário eu mudar de tamanho 2 vezes. Não sou aqueles adolescentes que são comparados a um poste. Eu tô mais pra um adolescente que pode ser comparado à... não sei do que as pessoas baixas são comparadas. Enfim, tô fugindo do assunto de novo.

Sim caro leitor, essa convivência que eu tive com a Dona Rosa foi a mais merda possível, MAS, isso acaba hoje! Eu só preciso de coragem pra sair dessa bendita porta.

15:00

Me olho no espelho e uau, eu fico bem diferente "arrumado", espero que ela não me estranhe.

Olho para a maçaneta que só é rodada na hora das refeições, solto um "senhor me guia porque eu não faço ideia do que vem depois" e então, abro a porta.

A iluminação da casa invade meus olhos e nossa, que nostálgico. Nada mudou, as coisas continuam em seu devido lugar. Ando pra todos os cantos possíveis e então sento no sofá, levanto minha cabeça para trás e deixo escapar algumas lágrimas. Não são lágrimas que expressam tristeza, muito pelo contrário. São lágrimas de orgulho.

Finalmente eu saí daquele quarto! Finalmente posso recomeçar uma vida, e melhor, eu posso finalmente, dar um abração na senhorinha que cuidou tanto de mim.

Mas... Quê? Agora que eu percebi que minha vó não tá em casa, que lerdo. Enquanto ela não chega, vou ficar pela sala, vendo TV (: .

16:30

Deus, cadê ela?

18:00

Abro os olhos pois ouço alguém tentando destrancar a porta e logo ouço um "Abre, demônio".

MEU DEUS ELA CHEGOU! THIAGO, FIQUE CALMO!

Ela consegue abrir a porta e de cara, me enxerga em pé, olhando pra ela, na frente do sofá, com uma face neutra. Eu. não sei. o que. FAZER!

-São... dezoito-

-Deus é mais. - Ela faz o sinal da cruz, meu deus tomara que ela não me bata com a sombrinha

- Quem é tu!? Tenho dinheiro pra dar não moço, eu sou idosa, tenho um neto pra cuidar e eu sou idosa moço, por favor não-

-Vó, calma, se acalma! Sou eu, seu neto! - Ela não tá fazendo uma cara boa ELA TÁ PEGANDO A SOMBRINHA!

-VÓ SOU EU, O THIAGO! Ó SÃO 18:00, TÁ NA HORA DA BENÇÃO TÁ NA HORA DA BENÇÃO! Por favor não me bate com a sombrinha - falo apontando pra sombrinha.

Ela fica imóvel (tomara que eu não tenha causado um ataque cardíaco), põe as compras no chão e tranca a porta. Estou começando a ficar com medo pois sua expressão é de extrema dúvida.

Ela solta um "Não se mexa" então continuo no mesmo lugar como uma estátua, enquanto ela vai em direção ao meu quarto. Eu mudei tanto pra ela achar que eu sou um assaltante?

Ela abre a porta, me chamando e vê que não tem ninguém lá. Até que ela sai do quarto com uma cara de "É tu mesmo meu filho?"

-É tu mesmo, meu filho? -Como ela não reconheceu minha própria voz!?!?!?!?

-Sim vó, o mesmo Thiago Ferreira de Souza, seu neto, Thiaguin. O mesmo neto que adora a cor vermelha, que ama pizza e... que quer muito dar um abraço na senhora... - Isso foi o suficiente pra ela se convencer de que sou eu. Ela vem em minha direção e me abraça. Me senti bem acolhido, não quero sair dali nunca mais, mas ela se solta de mim e ainda continua meio perplexa.

-Mas meu filho, assim do nada. O que te fez sair desse quarto? Tu mudou tanto, já tá um rapaz! Vem sente aqui, vou fazer um café - ela fala isso me levando pra cozinha, segurando minha mão. Que fofa.

-Bom... Eu já sou quase um adulto, né? Não podia virar um e deixar a senhora me sustentando.

-Mas isso não seria problema algum! Você teve muitos problemas que não conseguiu superar. Por isso nunca reclamei sobre você ter se trancado esse tempo todo. Deus me livre mas meu único medo era você fazer alguma besteira e partir daqui pra outra vida.

-Vó, o único "problema" da minha vida foi não ter que conviver com a mamãe. Eu sei, esse é uma problemão já que eu era 100% apegado à ela. Ela faz muita falta... mas eu não podia crescer no passado. Agora eu que tenho que cuidar de você. - ela se vira do fogão e me encara - Eu jamais pensei em besteiras, como tirar a vida. Só demorei pra entender que a perda é uma coisa natural. Todo mundo vai embora algum dia.

Ela me olha com uma cara de "tá dizendo que eu vou morrer logo?" e então arregalo os olhos .

-MAS ISSO NÃO quer dizer que a senhora vai partir agora! Só tô lhe dizendo o que eu aprendi, perdão vó. - Ela solta uma risada e vem em minha direção, me dá mais um abraço e diz "Tá tudo bem".

Sim, pela primeira vez em anos, tá realmente tudo bem. Me sinto mais leve, me sinto feliz. Mas, o que que eu vou fazer agora além de arrumar um emprego? Curtir a adolescência? Arrumar um hobbie? Socorro.

Pensarei nisso amanhã. Por agora vou só observar a velhinha fazendo café, como antigamente

Segunda ChanceWhere stories live. Discover now