Os segredos das coisas

3 0 0
                                    

_ Todos os cogumelos são comestíveis minha filha, mas alguns, apenas uma vez, disse a anciã. O nome dela era Xiadani, que em Zapoteca que significa "A Flor que Chegou". Dificilmente haveria um nome mais apropriado para uma pessoa, pois ela era um ser gentil, de perfume tão suave quanto a voz e que realmente parecia uma flor com suas roupas étnicas coloridas. As duas, acompanhada de outras mulheres aldeia, recém voltavam de uma pequena viagem de cinco dias pelo estado de Oaxaca, para coletar cogumelos, um dos principais ingredientes da culinária dos Zapoteca. Aurora havia decidido que antes de falar sobre a receitas, ela dedicaria pelo menos um capítulo aos ingredientes.
_ Veja bem, Xiadani continuou, badao zoo ou beya zoo e bi neechi ou baya neeche, não são cogumelos comestíveis, pois são utilizados para o contato com o mundo espiritual.
_ Vou desidratar alguns levar para vender em meu boticário, então.
_ Baya bela barida, Xiadani prosseguiu, significa literalmente carne de esquilo em nosso idioma; baya belarutnu, carne de veado e beshia bella significa cogumelo carne. Usamos estes para fazer guisados ou sopas. Beta belá, ou bella lá, é o cogumelo carne gema de ovo, que fica muito bom preparado com batatas ou em ensopados. Podemos começar preparando a ceia noturna para os camponeses que estão na milpa, o que você acha?
As duas e mais algumas mulheres da aldeia foram ao depósito comunitário e recolheram batatas e cebolas, enquanto as mais jovens trouxeram repolho, cenouras e pimentas da horta. As anciãs prepararam as tortilhas. O ensopado realmente ficou bom e os cogumelos de fato que um sabores que remetiam aos seus nomes. Depois da ceia, acenderam a fogueira das mulheres e Xiadani continuou com a explicação.
_ Veja bem, este cogumelo aqui é o mais comum, e o chamamos beshia betsi...
_ Ele tem gosto de quê?
_ De cogumelo. Esses outros também são bastante populares: o beshia de mercado as crianças normalmente coletam para venda no mercado da semana. O beshia de monte, este aqui, grande e carnoso, é um dos mais gostosos. O beshia ladhi biinii, significa pata de pássaro, e você pode ver o porquê. Ele é muito bom para preparar refogados. O beshia shque cuayo, como você pode ver, parece com champignons. Estes são os principais cogumelos da terra.
_ E aqueles outros ali, na cesta?
_ Aqueles são cogumelos da madeira. O bi'a bchecw yag é aquele grande e redondo, e como os demais, cresce em troncos de árvore. Aquele grande e redondo, meio esbranquiçado, se chama
bi'a bel e o amarelo é bi'a yech, ele cresce em tronco de pinus e como você mesma pode ver, ele é grande e redondo . O bi'a xben é um tipo de cogumelo dedo, que cresce na madeira e se come cru, em saladas.
_ Muito interessante. E aqueles ali, meio azulados?
_ Aqueles dois sao huitlacoches, eles crescem nas espigas de milho e são venenosos se comidos crus, mas muito valorizados por todos os mexicanos, Por que saborosos, tanto fritos quanto assados ou cozidos. Os bia'hui, aqueles acinzentados, crescem em qualquer variedades de milho e os bzodlan são cuitlacoches que crescem apenas em milhos mexicanos. Dentro do pote de barro, você está vendo o cogumelo preto e o cogumelo branco, cujo sabor e aparência são parecidos com aqueles cogumelos japoneses, shimeji e shitake, não é? Amanhã na luz do dia eu vou te explicar e mostrar novamente com calma, por que identificar errado pode custar sua vida ou a de seus clientes.
No outro dia desde o amanhecer até quase à noite, Xiadani explicou novamente aparência o sabor e os usos de cada tipo de cogumelo, bem como os locais e as épocas para consegui-los. Aurora perguntava e anotava as respostas de maneira diligente, para que no livro que ela estava escrevendo não faltasse nenhuma informação.
_ Vovozinha, eu prefiro comprá-los de vocês. Afinal de contas, a estação de trem não está longe vocês, e podem enviá-los para mim. As pessoas se sentirão inclusive mais seguras, sabendo que estão comendo cogumelos coletados pelo seu povo. Eu ia embora amanhã, mas eu gostaria de saber se posso ficar mais alguns dias e compreender o funcionamento de uma milpa. Afinal de contas eu gostaria muito de poder explicar, em meu livro e para minhas clientes como e por quem são produzidos os ingredientes da comida deles.
_ Será uma honra para mim e nosso povoado!
No fim do dia Aurora enviou um telegrama para Tsipekua, avisando que ficaria uma semana além do esperado, para compreender melhor o funcionamento das milpas. Como geral os homens se dedicavam ao preparo da terra e ao artesanato em pedra, madeira e metal, as mulheres zapotecas nos povoados e nas pequenas vilas e comunidades, cultivam a terra, faziam tecidos e trabalhavam com o barro. As mais capacitadas normalmente iam para cidades maiores cursar alguma faculdade, e não era raro que em algum momento da vida voltassem para exercer a profissão nas comunidades de onde saíram. Xiadani, por exemplo, era médica.
_ Muito bem, veja que esse terreno aqui já foi queimado, limpo e preparado pelos homens da aldeia, então agora vamos cultivá-lo. Agora faremos preces a Tlatlauhaqui e Pitao Cocijo e nessas leiras que cortam o terreno plantaremos milhos azul e roxo, na parte de cima e batatas nas laterais que mais recebem sol; as favas a gente cultiva na porção mais sombreada.
_ E no terreno propriamente, o que vocês plantam?
_ Olha, depende muito da fertilidade do terreno. Somente as grávidas fazem semeadura, pois férteis. Veja, nessa porção em que o solo é melhor, plantamos milho vermelho, morangas e feijões amarelos; onde a fertilidade é intermediária, milhos amarelo e vermelho, abóboras comuns, tomates cereja e pimentas poblano . No solo mais fraco, cultivamos milho branco, feijão preto, pimenta habanero e pepinos.
_ Comprendi. Mas vi que vocês fincam pequenos postes madeira na parte mais alta e a parte mais baixa cercam com tabuleiros de terra. Pode me explicar?
_ então, esses murundus a gente aproveita para plantar mandioca, guandu e abacaxi, na parte de cima; atrás a gente planta bananeiras e na frente, cana de açúcar e favas. Ao lado dos postes a gente planta inhame e pitaya.
_ E nas leiras laterais que cercam o terreno?
_ você pode ver que nelas os homens colocaram toras de madeira deitadas e isso é para que cogumelos cresçam. Entre elas cultivamos pimentas, pimentões, ariá, gengibre e araruta.
_ Vocês plantam nesse terreno por quanto tempo?
_ Depende da natureza. No meio de toda a lavoura sempre plantamos sementes de árvores nativas e palmeiras; quando elas crescem, plantamos algodão e maracujá e posteriormente abandonamos o terreno, para em seguida prepararmos outro terreno. Dessa forma garantimos que a terra se recupere para um novo ciclo.
_ E frutas, vocês plantam apenas banana, pitaya e abacaxi?
_ A gente planta mais de trinta variedades de frutas, entre nativas e aquelas que os brancos trouxeram. Você não as vê pois, da mesma forma que o cacau e o café, nós as cultivamos no meio da floresta. Dessa forma dividimos um pouco com os animais e não prejudicamos a terra.
_ Vocês criam animais?
_ Sempre temos perus, galinhas e patos, porque deles a gente aproveita tudo. Também criamos abelhas e peixes.
_ Nenhum gado?
_ O gado ocupa muito espaço e destrói as plantas, porcos são ainda piores, por isso raramente eles são criados. Na nossa aldeia mesmo, não os possuímos.
_ Disso tudo o que vocês vendem?
_ Olha, para o mercado a gente planta baunilha, cacau e café no meio da floresta. Mais recentemente as pessoas têm procurado o palmito e açaí, então também estamos cultivando, nas matas galerias, perto dos rios. Também vendemos os excedentes do que produzimos.
Aurora anotou o que foi dito e também tirou fotografias do que viu. Antes de ir embora, presenteou a aldeia com alguns teares novos (para as mulheres) e um pequeno trator (para os homens). Ganhou deles grãos de cacau e favas de baunilha.

Tenochtitlán: os começosWhere stories live. Discover now