Capítulo 6

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Cresci em uma família de herdeiros certinhos que, entre expandir um conglomerado de empresas e atender pacientes, tinham pouco – ou quase nenhum – tempo para os próprios filhos. Éramos quase como qualquer outra família tradicional de classe alta, com o único diferencial de que meus pais realmente se importavam e faziam questão de que nós também não tivéssemos tempo para notar a ausência deles.

Os dedos das duas mãos não são suficientes para contar quantas aulas extracurriculares fiz durante a minha infância: Ballet, violino, piano, esgrima, hipismo, ginástica, judô, natação, vôlei, idiomas...o tênis foi, a grosso modo, a cereja de um bolo com muitas, muitas camadas.

O lema "entregue para nós o seu pestinha e receba de volta uma criança decente" não estava escrito nas paredes de nenhuma das minhas milhares de escolinhas e academias, mas era uma promessa subentendida feita por 90% delas. No fundo, não se tratava de ensinar o nado borboleta, o saque flutuante ou as escalas musicais, e sim a disciplina e o comprometimento. Os pais não queriam atletas ou artistas, só queriam filhos que dormissem mais cedo, comessem todos os legumes, não falassem palavrões e fossem às missas de domingo sem fazer cara feia.

O processo falhou com Guilherme, mas funcionou muito bem comigo.

Eu tinha toda a disciplina e etiqueta que faltavam no meu irmão. Eu era a filha que estudava e tirava notas boas mesmo não tendo a intenção de fazer faculdade. A que não saía em dias de semana, não deixava moleques atrevidos entrarem nas calças dela e não botou uma gota de álcool na boca até os dezessete anos. A que não falhava e não decepcionava nunca.

Foi em Miami, a praticamente dez mil quilômetros da supervisão dos meus pais – e a menos de dez metros da perversidade de Hannah, Paige e do "sonho americano" –, que tomei o primeiro porre da minha vida. Eu tinha acabado de ser campeã do simples feminino na liga nacional júnior de tênis quando Hannah me convenceu de que "uma cervejinha não cairia mal", então eu, ela e Paige levamos nossas bundas magras e identidades falsas até o bar mais próximo do estádio minutos depois de recebermos as medalhas.

O problema é que a simples cervejinha virou duas; que viraram quatro, seis, oito; que viraram cinco taças de cosmopolitan, um cigarro de menta e beijos em universitários – sim, no plural – muito mais velhos que eu. Um verdadeiro teste à minha princesinha interior. E pela primeira vez na vida ela estava reprovando.

Isso é...até a mãe de Paige – que me abrigava durante as férias da academia e tinha contato direto com meus pais – rastrear a filha através de um aplicativo de compartilhamento familiar e aparecer no bar de surpresa. Fiquei sóbria no instante em que senti o cheiro insuportável de chanel n°5 e vinho rosé, fragrância assinatura de Mrs. Crawford, e enquanto ela avançava entre a multidão de jovens chapados para nos alcançar, tratei de me recompor: virei uma lata de coca-cola, arranquei a mão do quarterback bonitão da minha bunda com um tapa e regulei minha respiração ofegante. No fim das contas não se pode negar as raizes, e as minhas eram as de uma menina responsável.

Aquele padrão se repetiu algumas vezes. No meu aniversário de 18, quando papai me pegou tentando arrombar a cristaleira onde ele guardava os destilados importados com um grampo de cabelo e uma pinça; no carnaval em Campinas, quando tia Vera por muito pouco não flagrou o filho dela com a cabeça entre as minhas pernas no banheiro de visitas; na cervejada universitária em que empurramos Guilherme na piscina e ele acabou batendo a cabeça e desmaiando... o ponto é que o álcool não durava no meu corpo em situações de perigo, não importando o quanto eu tivesse bebido.

E foi exatamente por causa desse "instinto" que, naquela noite na boate, em vez de fazer um escândalo e mandar Bruno ao quinto dos infernos pelo jeito que ele falou comigo, eu apenas afirmei com a cabeça e deixei que ele liderasse o caminho até o estacionamento sem dizer uma só palavra. Me senti encurralada. Os toques, os olhares, o fato de estarmos "sozinhos"... todo o contexto era perigoso demais pra uma Renata bêbada.

FairPlay- Bruno Rezende Where stories live. Discover now