O ROUBO DO BURRO

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O viajante chegara em Arroio e com o pouco de dinheiro que tinha se instalara numa pequena hospedaria que ficava na entrada dela. Na manhã seguinte, ao ir tomar seu café da manhã encontrou o filho do dono da hospedaria chorando nos braços da mãe e quis saber o motivo.

– O Neguinho sumiu – respondeu – lhe a mulher.

– Quem é Neguinho? – perguntou o viajante sem entendê – la.

– O burrinho dele.

– Ah tá. Deve estar pastando por aí.

– Ele e o pai já procuraram em todo lugar perto daqui e não encontraram. O pai ainda está procurando.

– Não chora pequeno, daqui a pouco seu pai chega com o Neguinho. – O viajante tentou acalmar o menino.

– Neguinho. – O menino choramingou.

Uma hora mais tarde Aurélio, dono da hospedaria, voltou de sua busca sem encontrar o burrinho.

– Devem ter roubado o bicho – afirmou.

O viajante teve uma ideia e perguntou:

– Como é o burrinho?

– Marrom com a crina preta e uma listra preta nas costas.

– Tem algum sinal que o diferencie dos outros?

– Ele tem duas cicatrizes no quarto traseiro direito, o antigo dono o chicoteou quando era filhote, ferindo ele.

– Ninguém me conhece aqui, então eu vou sair por aí fingindo que quero comprar um burro, talvez quem roubou o neguinho tente me vender ele.

– Muito obrigada senhor – falou Aurélio agradecido.

O viajante saiu visitando as fazendas da freguesia, dizia que morava numa fazenda a alguns quilômetros dali, que seu burro tinha morrido picado por uma cobra e que ele estava querendo comprar outro burro, pois era seu único meio de transporte.

Os fazendeiros só tinha cavalos, um até tentou lhe vender uma cavalo, mas burro ninguém tinha. Quando já estava bem distante da hospedaria, resolveu voltar para o almoço e foi então que viu: um burro amarrado numa árvore. Era marrom com a crina preta, tal e qual o dono da hospedaria lhe havia descrito. O viajante se aproximou da cancela e bateu palmas.

– Ô de casa! – chamou uma vez, duas, na terceira alguém saiu da casa.

– Pois não? – um homem perguntou.

– Bom dia, eu moro numa fazenda a alguns quilômetros daqui. O meu burrinho morreu, picado por uma cobra, era meu único meio de transporte. Eu tô procurando outro para comprar, mas só encontro cavalos. Estava voltando quando vi o seu. É um belo animal. Está à venda?

– Qual é o seu nome? Em que fazenda o senhor mora?

– José, moro na fazenda do brejo a 15 quilômetros daqui – mentiu o viajante.

– Nunca ouvi falar.

– Me mudei faz poucos meses. Então? O burro está a venda?

– Depende. Quanto o senhor quer pagar por ele?

– Posso vê – lo mais de perto?

– Não.

– Quanto o senhor quer por ele?

– 2 mil-réis.

– Dou 1 mil-réis.

– 1 mil-reis mais 500 réis.

– Não posso dar mais que 1 mil-réis. Sinto muito. – O viajante deu as costas para o fazendeiro, fingindo ir embora.

– Espere! – chamou – lhe o fazendeiro – Eu aceito.

– Certo. – falou o viajante – Amanhã bem cedo eu volto com o dinheiro e fechamos negócio.

– O senhor estava à procura de um burro para comprar, mas não anda com dinheiro nenhum? – surpreendeu – se o fazendeiro.

– Não quis correr o risco de me roubarem na estrada.

– Ah sim. Está bem, eu ficarei lhe esperando.

O viajante voltou correndo para a hospedaria e contou a Aurélio o que tinha acontecido, ele quis ir imediatamente à fazenda pegar o burro de volta, mas o viajante o segurou e disse que não sabia se era o Neguinho, que precisavam ver de perto para ter certeza e o fazendeiro não permitiria. O viajante sugeriu que esperassem a manhã seguinte e ele voltasse lá na fazenda como combinado, mas, ao invés do dinheiro, ele levaria Aurélio e a polícia consigo. Veriam o burro de perto, se fosse o deles, trariam ele de volta. O dono da hospedaria concordou.

Na manhã seguinte foram, bem cedinho, à delegacia da freguesia e contaram ao delegado sobre o roubo do burro e o fazendeiro suspeito. O delegado concordou mandar dois policiais acompanharem os dois homens até a fazenda, mas sem provas do roubo não poderiam obrigar o fazendeito a deixá – los examinar o burro. Quando chegaram na fazenda o burro estava no mesmo lugar. O viajante chamou e o fazendeiro veio correndo, mas quando viu a polícia ficou desconfiado.

– Bom dia. Algum problema? – perguntou.

– Roubaram o burro desse senhor e ele era igual ao seu, podemos dar uma olhada nele? Perguntou um dos policiais.

– Não, esse burro é meu.

– Só queremos dar uma olhada nele, não posso comprá – lo se for roubado – falou o viajante.

– Ele não está mais a venda.

– Meu burro tem duas cicatrizes. Deixe eu ver se esse daí tem também – pediu Aurélio.

– Ele não tem nada disso. Vão embora – respondeu o fazendeiro.

Ao ver que não conseguiriam nada, Aurélio pulou a cerca invadindo a fazenda e correu até o burro, com o fazendeiro gritando em suas costas, mandando os policias o prenderem. Aurélio examinou o burro rapidamente e encontrou as duas cicatrizes no quarto direito, mostrou aos policiais.

– Vejam aqui duas cicatrizes, esse é o meu burro, prendam esse homem.

– Esse burro é meu, prendam ele por invadir uma propriedade privada.

– O senhor disse que seu burro não tinha nenhuma cicatriz, esse tem, duas.

– Tinha me esquecido delas.

– Vamos todos para a delegacia e resolveremos isso lá – ordenou um dos policiais.

– Não, esperem. Façamos um acordo: o senhor entrega o burro para ele, ele não o denunciará e o senhor não será preso. Fingiremos que nada aconteceu – propôs o viajante.

O fazendeiro pensou por alguns instantes e concordou. Aurélio pegou o burro e assim que ele e o viajante puseram os pés fora da fazenda, ele pediu aos policiais que prendessem o fazendeiro por roubar seu burrinho. O fazendeiro o olhou boquiaberto.

– Roubo é roubo senhor – disse o viajante sorrindo.

O fazendeiro foi preso e o viajante e Aurélio levaram o burro de volta para a hospedaria, para seu filho que não se continha de alegria ao ver seu bichinho de novo. Como agradecimento ao viajante por sua ajuda, Aurélio não cobrou sua hospedagem. O viajante ficou na hospedaria por mais dois dias e depois partiu. Era hora de seguir seu caminho.

As histórias do viajanteOnde histórias criam vida. Descubra agora