A DUQUESA

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O viajante estava na cidade de Évora a poucos dias, tinha apenas alguns trocados no bolso, mas logo conseguira um emprego como um dos limpadores dos estábulos do palácio do duque que mandava naquela região.

Ele estava indo para o seu terceiro dia de trabalho por uma estradinha de chão, próximo ao palácio, quando viu uma mulher montada num cavalo que corria descontrolado, eles vinham em sua direção e a mulher gritava por socorro.

Ele não pensou duas vezes, correu na direção deles. Sua intenção era fazer o cavalo frear, ao invés disso ele fez uma curva brusca fazendo a mulher voar da cela, mas ele estava próximo o suficiente para apará – la evitando que atingisse o chão e se machucasse.

– Obrigada – ela agradeceu.

– De nada – ele respondeu, pondo-a no chão delicadamente, sem desviar o olhar dos lindos olhos dela. – Não devias montar num cavalo tão arisco.

– Lucius normalmente é um animal dócil, algo o assustou.

– Bem, ele se foi.

– Alguém dos estábulos do palácio o encontrará. Qual sua graça? – ela perguntou dando o sorriso mais lindo que ele já vira.

– Não tenho, sou só um viajante, perdido por aí.

– Profundo… 

– Algum problema aqui duquesa? – um homem montado em um cavalo a interrompeu.

– Não, apenas tive um problema com Lucius e este senhor me ajudou.

– E onde está o cavalo?

– Fugiu.

– Trabalhas nos estábulos do palácio, não é? – o homem perguntou ao viajante.

– Sim, senhor.

– Então vá procurar o cavalo, agora.

– Sim senhor. Senhora. – O viajante fez uma reverência para a duquesa e enquanto se afastava ouviu o homem dizer irritada que ela não devia falar com os empregados e nem sair sozinha por aí, ouviu também ela responder que sabia se cuidar sozinha e que ele não devia falar assim com ela, por fim ele pediu desculpas.

Antes de sumir na mata ele olhou para trás e seu olhar encontrou com o da duquesa que o olhava de volta, “que mulher!” pensou.
Levou quase uma hora para encontrar o cavalo, levou – o para os estábulos do palácio e o prendeu. No fim do dia, quando se preparava para ir embora ouviu uma voz nas suas costas e a reconheceu imediatamente:

– Não quer mesmo me dizer seu nome? – a duquesa perguntou.

– Não senhora. – o viajante respondeu virando-se para ela, mas mantendo a cabeça abaixada em sinal de respeito.

– Me chame apenas de Cecília. Não gosto deste “senhora”. – pediu a duquesa, levando o rosto dele e fazendo – o olhar para ela.

– Não posso e a senhora não devia conversar com os empregados. Com licença, senhora. – O viajante tentou ir embora, mas a duquesa o impediu.

– Não acho que haja algum problema em falar com o homem que salvou minha vida.

– Não fiz nada de mais senhora. Eu preciso ir.

– Onde moras?

– No momento, numa cabana abandonada no meio da mata. Com licença, senhora. – o viajante tentou ir embora de novo, mas dessa vez não foi impedido. No caminho para a cabana pensava em como aquela mulher o deixava desconcertado e ao mesmo tempo o atraía, mas também não esquecia que ela era duquesa e ele um mero cuidador de cavalos.

À noite ele estava quase pegando no sono quando alguém bateu na porta, ele abriu e quase não acreditou no que viu:

– Duquesa?

– Não me convida para entrar?

– O que a senhora deseja aqui? – o viajante perguntou, deixando – a entrar. Ela deu uma volta, depois se aproximou dele e o beijou, surpreso ele demorou a reagir e quando o fez, afastou – a.

– A senhora não devia ter feito isso.

– Mas fiz, não gostou? – ela perguntou acariciando o rosto dele.

– Sim… não. – A duquesa sorriu com sua confusão e o beijou novamente. Dessa vez demorou um pouco mais, mas de novo ele a afastou.

– Eu sei que você quer.

– Se alguém encontrar a senhora aqui não vai ser bom para mim, por favor vá embora.

– Ninguém vai me achar aqui, mas tudo bem, eu vou, mas volto. – A duquesa beijou – o mais uma vez e se foi. Ele quase não dormiu de tão atordoado que estava e quando, finalmente, o sono o derrubou, ele sonhou com a duquesa em seus braços, fora um dos melhores sonhos que já tivera.

Na noite seguinte ela voltou e na outra e na outra e em muitas outras. Ela sempre aparecia à noite e ele não resistia mais, não queria resistir mesmo sabendo que teria problemas sérios se continuasse com aqueles encontros escondidos. Queria estar com ela e nada mais importava.

Fazia quase um ano que deixara sua terra para viver como um andarilho e, desde então, era a primeira vez que se envolvia com alguém. Adorava Cecília, seus beijos, suas carícias, seu cheiro o deixavam louco e quando se perdiam um nos braços do outro era como se não existisse mais ninguém no mundo além deles dois e tinha certeza de que ela sentia o mesmo.

O encantamento durou quase um mês e ele nunca soube como foi descoberto, mas suspeitava que as saídas escondidas constantes de Cecília levantaram suspeitas, alguém à seguira sem que ela percebesse e descobrira tudo. O fato é que numa noite, enquanto se amavam, alguém gritou do lado de fora da cabana:

–  Saiam agora ou invadiremos. – 
Eles não tiveram escolha, se vestiram e obedeceram. Do lado de fora havia cinco homens a cavalos, um dele desceu e o prendeu com uma corda, levaram – no a pé até o palácio e jogaram – no no calabouço. No manhã seguinte dois homens aparecera e lhe deram uma surra, na frente do duque que o olhava com desprezo e raiva:

– Vai se arrepender de ter se envolvido com minha mulher.

– Não tive culpa se o senhor não foi o suficiente para ela. – O duque fez sinal para um dos homens que deu um soco no viajante.

– Serás acusado de traição e roubo…

– Não fiz nada disso.

– Fez, serás acusado e executado amanhã mesmo e eu terei prazer em assistir a esse espetáculo.

O viajante levou mais alguns socos e depois deixaram-no sozinho outra vez. À noite a duquesa foi ao calabouço às escondidas e ficou chocada ao vê-lo:

– Meu amor, o que fizeram com você?!

– Nada de mais. – ele sorriu.

– Precisa ir embora se não vão matá-lo. – ela disse acariciando – o.

– E como vou fazer isso meu doce?

– Eu tenho um plano.

– Se eu for embora, talvez nunca mais nos vejamos.

– Eu sei, mas agora será melhor assim, para o seu bem. – ela falou, soltando as correntes que o prendiam.

– Fizeram algo com você?

– Não, com o duque eu me entendo. Tome. – ela entregou um capuz ao viajante que, com muita dificuldade, o vestiu.

– Siga por esse corredor até encontrar uma alçapão acima da sua cabeça, saia por ele e vai estar na mata, numa árvore próxima há um cavalo amarrado, pegue – o e fuja. – A duquesa o ajudou a se levantar e os dois se beijaram, era o último beijo que daria.

– Adeus. – ele se despediu, não queria deixá – la, mas sabia que não podiam ficar juntos, sempre soube desde o início.

Com dificuldade ele seguiu pelo corredor e fez como ela pediu, já na mata encontrou o cavalo e galopou o mais rápido que pode, para longe dali, não sem antes olhar para trás e lançar um silencioso “eu te amo” para a sua amada. Tinha esperança de que algum dia se encontrassem de novo. Com certeza nunca a esqueceria.

As histórias do viajanteWhere stories live. Discover now