CAPÍTULO 03: O MENINO AZUL

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Um pouco de suco de laranja escorria pela rachadura quase imperceptível que havia na jarra de vidro em formato de abacaxi, que Eva comprou na feira de artigos clássicos. Ela tinha a impressão que aquele objeto, vindo originalmente do Brasil, remetia belos dias de verão na casa de sua avó. Como um rio, fazia caminho pela mesa até alcançar o braço de Eva, que estava concentrada lendo uma revista de moda. Ela voltou para a realidade quando sentiu aquele toque gelado, e quando se deu conta do que estava acontecendo berrou o nome de Larry, seu marido, num impulso desnecessário, e ele apareceu, tão rápido quanto uma lebre que foge de um predador. Ela pegou a flanela que havia ali na pia e se debruçou na mesa, interrompendo o fluxo.

— O que houve, querida? — Larry perguntou espantado, mas conseguiu identificar o motivo do desespero dela e soltou um suspiro breve ao saber que não era nada de mais.

— Aquela senhorinha mentiu para mim... Me disse que a jarra estava boa e agora, bom, encontrei uma rachadura nela. — Eva levantou a jarra no ar, desapontada por comprar gato por lebre, enquanto segurava por baixo com a flanela.

— Amor... Não era de se esperar. Ela custou cinquenta centavos. Cinquenta centavos, amor! — Ele falava aquilo com a mesma cara que fez, quando ela comprou um filme pornô barato no lugar do curso de Ioga indiano que queria. Se ela prestasse atenção no título, teria certeza que isso não aconteceria. Nenhum curso de ioga é intitulado como: com a bola toda.

Enquanto Larry segurava uma risada ao se lembrar daquele cômico dia, Bill atravessou por debaixo de seu braço, que estava estendido e apoiado na porta da cozinha, e foi até a porta dos fundos. Ele parecia bem apressado.

— Olé! — Larry, falou, percebendo a inquietação e pressa do garoto. Não conseguiu nem reparar nas olheiras do Bill. Ele esteve acordado a noite toda, com insônia e com uma sensação de crise de ansiedade horrorosa.

— Estou indo na casa do Edward e já volto. — Ele falou já se distanciando, enquanto sua mãe se controlava para não reclamar sobre sair sem tomar café-da-manhã. A porta bateu, finalizando sua vontade de falar algo.

O pensamento predominante na cabeça do garoto, além da preocupação breve sobre o tempo que ameaçava chuva intensa, era, senão, sobre a presença estranha daquele ser onde quer que ele fosse, e Bill começou a culpar o filme que Edward trouxe naquela noite, na sessão horror. Não havia lógica, ainda que pensasse por muito tempo, sobre qual seria a relação das aparições com o filme, ou com a morte de Pirulito. Algo internamente causava-lhe a sensação de que nada disso cabia no mesmo espaço de lógica.

Bill pisou na grama, ignorando o aviso que havia numa plaquinha caída, ao lado de uma mangueira, usada pela mãe do Edward, mais cedo, para regar as flores do pátio de entrada. Ele foi até a porta e bateu. Chamando pelo nome dele, como alguém que cobra algo às seis. Era irritante.

— Edward. Preciso falar com você. — Ele disse num tom alto e nítido, batendo mais uma vez na porta. Diminuiu a intensidade ao ouvir do outro lado, alguns passos que possivelmente vinha atendê-lo.

— Bill... — Edward disse bocejando. Seu cabelo despenteado e sua cara amassada, indicava que ele acabara de acordar — são 6:00 da manhã, você tem noção?

— É... Eu tenho. Agora pega o DVD daquele filme que você levou para casa semana passada. — Bill foi breve, fazendo Edward revirar os olhos e questionar irritado.

— O que tá rolando?

— Edward. Por favor, apenas me traga o filme. — Ele falou agora com mais calma, tentando evitar gritar como costuma fazer quando está irritado. E ele estava, desde ontem. Não é de se admirar que pessoas que passam a noite em claro desenvolvam uma irritabilidade aguda.

Com amor, SamaraWhere stories live. Discover now