Capítulo 3

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Os passos gelados de Sanrya eram pesados e chamativos, ela que caminhava pelos corredores do castelo de gelo em direção à sala de reuniões.
Sanrya, era uma mulher de grande poder, completamente o contrário da Aryn que tinha um poder inimaginável.
Os cabelos brancos eram curtos e brilhantes, o corpo era alto e magro como uma rainha devia ter. No seu rosto não havia um sorriso há mais de um mês e na sua cabeça repousava uma coroa de gelo que representava o poder da linhagem Galexum.
O poder do gelo corria pelas veias Galexum há mais de um milênio e desde aí passou de geração em geração mostrando a legitimidade e pureza da linhagem.
Quando Sanrya estava perto das portas da sala de reuniões, um guarda abriu as portas e o conselho real levantou-se fazendo uma vénia em sinal de respeito para com a rainha.
- Noticias sobre os rebeldes? – interrogou a rainha assim que se sentou na cadeira no topo da mesa.
- Ainda não conseguimos descobrir quem é o líder. Nenhum dos prisioneiros fala e de alguma forma eles acabaram por morrer. – respondeu o Duque Harbal, chefe das armas.
- E em relação aos prisioneiros?
Desta vez foi o chefe da moeda que respondeu:
- Ainda não há sinal deles. A busca está a ser um total fiasco, ninguém sabe como é o rosto deles há anos.
- Será que vos devo lembrar que um dos prisioneiros é o anjo Rohan Snotheon, o ex-general do exército do meu pai, o traidor que devia ter sido morto. – Sanrya estava cada vez mais assustada com a possibilidade de o anjo ter-se juntado à irmã.
- Nenhum sinal deles, vossa majestade.
A ideia de ter Aryn livre assombrava Sanrya, como a noite assombrava o dia. A rainha perguntava-se se a irmã iria se vingar, ou se, simplesmente, iria viver livremente.
Fazia um mês desde que Aryn os companheiros haviam fugido. Quatro semanas sem respostas, trinta dias sem um único sussurro sobre a irmã.
Como é que ninguém falava das sombras que perseguiam Aryn?
Sanrya lembrava-se de quando ela e Aryn eram pequenas e ainda eram irmãs. As sombras seguiam a pequena de cabelos negros para todo lado, como uma cria segue a progenitora. A rainha lembra-se que a irmã sempre sabia os segredos de todos e nunca contava como é que os descobria, mas esses tempos acabaram há vinte anos atrás e, agora, Aryn era uma mulher que passara a vida presa nas profundezas.
No fundo, Sanrya sabia que Aryn ia aparecer em algum momento para provar alguma coisa, mas preferia pensar que a prisioneira iria fugir para sempre e ser livre com uma vida longe do Continente onde pudesse viver com as suas sombras e os seus segredos sem julgamentos e ameaças.

***

- Rainha Sanrya! – Lady Mirian aproximava-se rapidamente da rainha.
- Lady Mirian, a que devo a honra da sua presença?
- Eu queria convidá-la para o baile no palácio Blackbird. – Lady Mirian tinha as bochechas ligeiramente coradas e um brilho nos olhos verde pinho.
- Seria um prazer ir ao baile. Já há muito tempo que não vou a Blackbird. – A rainha sorria, mas por trás do sorriso, a memória da última vez que esteve no palácio Blackbird, a atingiu com força. A última vez que esteve presente no palácio, foi a última vez que Sanrya viu Aryn. – Diga-me Lady Mirian, Lorde Tamhys ainda tem a coleção de livros velhos?

***
O baile tinha como tema a natureza, as cores da primavera e do outono davam beleza ao salão de festas que o Lorde Tamhys dava a festa. As pessoas dançavam felizes ao som do Bardo que cantava histórias antigas sobre o surgimento do Continente, a rainha ouvia elogios sinceros e falsos vindo dos seres que passavam por ela.
- Eu preciso apanhar um pouco de ar, se não se importam vou abandonar a festa por alguns minutos. - falou Sanrya.
Os membros da nobreza não falaram, só fizeram uma vénia quando ela passou por eles.
Assim que ela teve a certeza que estava sozinha nos corredores, correu até o escritório do Lorde Tamhys e começou a busca pelo livro que queria.
Lorde Tamhys tinha uma das mais pequenas coleções de livros, mas cada livro era especial e único, eram livros raros que valiam mais que uma vida. Era uma coleção de livros que contavam histórias que ninguém pode imaginar. Mesmo tendo tal coleção, o próprio Lorde nunca leu os livros, ele dizia que estavam amaldiçoados e que nenhum mortal pode conter tal informação que tem naquelas páginas.
- Uma rainha a invadir a privacidade de alguém. Que horror! Que escândalo! – Uma mulher de cabelos negros estava encostada a porta do escritório do Lorde Tamhys.
- Quem és tu?
- Vá lá irmãzinha, eu não mudei assim tanto. – A mulher rodopiou fazendo o vestido vermelho sangue rodar graciosamente.
- Aryn! – A rainha deixou cair o livro que tinha nas mãos causando um barulho na sala.
- Estupendo! Essa cabecinha bonita não carrega só uma coroa.
- O que queres? Os meus guardas vão aparecer a qualquer momento.
- O que eu quero, eu já tenho. – Aryn andava pela sala sob o olhar de Sanrya.
Os cabelos compridos eram negros como a pedra Onixum - uma pedra demasiado escura que diziam que no interior só existia morte e desespero -, o corpo era pequeno, mas forte com perfeitas curvas como a Deusa Ollein que era descrita nos livros velhos. Os lábios estavam pintados de vermelho sangue que de alguma forma fazia os seus olhos azuis, como as profundezas dos oceanos, brilharem.
Aryn era uma divindade para os olhos dos seres que caminhavam no mundo.
- Se estás à procura do livro Origem da Escuridão escrito por Morgamen, sugiro que pares de procurar, ele está comigo.
- Devolve! Ele é meu por direito, foi a minha mãe que o escreveu. – O rosto pálido de Sanrya começava a ruborescer com a raiva.
- NOSSA mãe! E o livro é sobre mim, ele é meu. Tu só o queres para encontrar uma forma de me matar.
- Eu só quero salvar o meu povo de uma possível ameaça.
- Pobrezinha. – Pela primeira vez Aryn encarou realmente os olhos da Sanrya.
- Rainha…- uma voz chamou Sanrya do lado de fora do escritório.
Sanrya desviou o olhar da irmã e virou-se para encarar quem a tinha chamado. Era o soldado Ithan, que estava perto da porta, num local onde seria, muito provavelmente, possível ver quem estava no escritório com a rainha.
Sanrya voltou a olhar para Aryn, mas apenas se deparou com um vazio.
Como por magia Aryn desapareceu, assim como o livro, que uma vez esteve na mão da Sanrya.
Demorou menos de dez segundos para os guardas entrarem no escritório do Lorde Tamhys.

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