Prólogo

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     O cheiro do cadáver naquela manhã estava mais insuportável que o de costume para mim.

Fui interrompida de um sono relaxante e talvez um dos melhores que eu tive em um bom tempo pelo meu celular, tocando ao lado da cama em meu apartamento desarrumado e mal cuidado. Acordei, xingando por não o ter silenciado ou posto no modo avião, esfreguei os olhos, e considerei se veria ou não quem me ligava.

Cheguei à conclusão de que desta vez, talvez fosse uma noticia que eu esperava. Uma boa noticia para variar naquele oceano de tédio em que eu vivia.

Então me virei, ainda sonolenta, apanhei o celular sobre a mesa de cabeceira cinza e observei o nome. Boris, um antigo companheiro... Da policia. Então diversão estava a caminho. Atendi na mesma hora. Trocamos algumas palavras de cumprimento, umas poucas piadas sobre os velhos tempos, e então ele falou:

— arrume-se e venha. Temos um assassinato, e de um tipo muito diferente do que o habitual; acredite.

Sorri de orelha a orelha e me levantei ás pressas para colocar minha melhor roupa de policial. Um assassinato era exatamente o que eu esperava, e era, de fato, uma ótima noticia.

Aquilo foi ás cinco da manhã. Às seis eu já estava adentrando um bosque dentro das montanhas que serpenteavam uma das principais estradas de Mainscreeck. Uma estrada que muitos dos turistas escolhiam para visitar a cidade, que serpenteava a montanha até sua base, onde a cidade realmente se revelava.

Afastei os galhos que me cercavam, incomodada com algumas plantas espinhosas que arranhavam meu sobretudo novo e elegante que eu comprara com o ultimo salário. Se eu soubesse que seria naquele lugar que eu começaria as investigações, teria escolhido uma roupa mais apropriada. Acabei ficando empolgada demais com um assassinato depois de meses lidando com crimes superficiais e que não atrapalhavam em quase nada a população daquela cidade irritantemente tranquila.

Há quanto tempo não havia assassinatos em Mainscreeck? Anos? Desde que eu tinha começado como policial, nunca tinha trabalhado com um homicídio sequer naquele lugar. Mas me tornei uma das melhores investigadoras do pais quando fui para Nova York, e lá sim, encontrei assassinatos dos bons, que alavancaram minha carreira.

Mas sempre voltamos ás nossas origens. Sempre tem um componente emocional que nos faz voltar ao inicio de tudo. E lá estava eu, abrindo caminho entre os galhos e folhas úmidos pelo orvalho, entrando em uma área mais aberta do bosque, onde a diversão começaria. Alguns feixes de luz do sol adentravam pelas brechas nos galhos, e aqueciam levemente a minha pele. A temperatura estava bem fria, o que não era incomum naquela cidade.

Uma faixa amarela cercava a cena do crime. Dois especialistas com luvas e farda estavam do ladro de dentro, analisando cada detalhe que conseguiam encontrar. Dava para ver a falta de experiência em assassinatos estampada na surpresa que tomava os rostos dos dois. Acho que, sinceramente, eu era a salvação deles. Eu e o meu companheiro que observava tudo do limite da faixa amarela de braços cruzados.

Ele estava de costas, então não me viu chegar quando eu parei ao seu lado, também olhando para a cena do crime. Os dois especialistas se aproximaram mais da vitima. Agora eu também parei para notar a mulher sentada, recostada contra uma arvore bem no centro da área e da cena do crime. A cabeça pendia para a direita em uma expressão mórbida de um boneco sem vida.

Notei algo estranho. Feixes de luz do sol iluminavam metade do seu rosto, atravessando os galhos das arvores acima e as folhas. Coincidência ou não, ela estava no lugar perfeito para que a luz do sol acariciasse alguns pontos de seu corpo. A postura estava a mais ereta possível para um cadáver e seu corpo estava perfeitamente colocado em uma pose, como se ela fosse tirar uma foto.

Como Amar Um SociopataWhere stories live. Discover now