CAPÍTULO - 3

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Quando meu pai foi levado para o outro lado do oceano atlântico, eu precisei assumir o antigo posto dele. Eu que descobri esse shopping em que moramos a mais ou menos cinco anos atrás, fui eu quem saía na maioria das vezes atrás de caça durante esse tempo.
Ao longo desses cinco anos, Victoria exprorou comigo a maior parte do shopping. Existem 250 lojas distribuídas entre os três andares, térreo e subsolo.

O subsolo é conectado à uma rede de túneis de uma linha de metrôs que passam em uma rua atrás do edifício e todos os anos, é lá que ficamos durante a caçada, levamos o máximo de comida e juntos, três semanas se passam.
Já a área presidencial estava bloqueada, então nunca conseguimos ir lá e ter o prazer de conhecer a presidência, por mais que eu acredite que a sala deve estar sendo destruída pela ferrugem e por plantas.

Viver ou melhor sobreviver numa era pós-apocalíptica é como andar no escuro, cada dia sem ter certeza do que irá acontecer amanhã, mês que vem ou daqui há um ano.
Tudo que aprendi sobre o passado da humanidade foi através dos meus pais e dos livros da livraria do shopping e confesso que até hoje não consigo entender o porquê das escolas antigas ensinarem centenas de fórmulas matemáticas que não serviriam em nada para formação de seus alunos. Mesmo que os seres humanos antes do apocalipse fossem estranhos, não posso negar que queria te vivido em sua época.

Já fui algumas vezes nas salas de cinema do shopping e imaginei qual devia ser a sensação de ver as imagens serem projetadas sobre a tela e o som invadir a sala por todos os lados, sensação essa que talvez eu nunca irei sentir.

Depois de termos descido até o térreo, chegamos até as escadas que levam ao subsolo, nossa mãe continuou sem dizer uma palavra, mas eu pude perceber que em seu semblante havia uma tristeza dominante, depois seguimos pelas escadas .
Nossa mãe começou a agir dessa forma estranha depois que nosso pai foi levado embora, victória e eu achamos que ela deve ter adquirido algum tipo de depressão pós-perda de algo, no caso o "algo" seria nosso pai Thiago.

Havia momentos em que ela simplesmente começava a chorar sem explicação, permanecia calada por dias e até mesmo ficava olhando para um ponto fixo em silêncio por horas .
Já tentamos reanimá-la de muitas formas diferentes, mas não foi o suficiente, então evitamos está falando do papai perto dela .

As sambambaias cresciam por todos os lados, cobrindo as janelas, lojas, pilares e também o teto. O cenário era uma mistura de cinza-concreto e verde-folha.
A essa altura, a chuva já tinha aumentado ainda mais, ouvimos o barulho de um trovão pelo céu, notamos que a noite em breve cairia e certamente precisávamos decidir quais seriam os planos para hoje e para amanhã.

Enfim chegamos até a porta do subsolo, tento girar a maçaneta, mas ela parece estar emperrada com algo do outro lado.

- Léo, tá ouvindo ? - Victoria pergunta enquanto toca em uma das inúmeras rachaduras da parede próxima a nós.

Assim que ouço ela falar, tento captar algum barulho com meus ouvidos e não ouço nada demais.

- Aqui, nesse lugar - ela diz apontando para uma parede cor bege com rachaduras a mais ou menos 2 metros próximo à mim .

Rapidamente me direciono até Victória, posiciono minha orelha na parede e naquele momento percebi um forte barulho de água.

- Talvez o shopping esteja desmoronando pela parte de baixo, Mas de onde vem essa água? - pergunto .

- O rio - nossa mãe diz no momento em que ela aponta para a água que em grande quantidade começou a sair por debaixo da porta.

Eu tento ligar pontos e pensar o que o rio que divide o destrito B do C, teria a ver com o subsolo e a porta emperrada.

- Léo, os túneis do metrô - Victoria falou e em sua voz, manifestava uma preocupação somada à um toque de desespero .

Foi aí nesse momento que entendi o porque da nossa mãe ter falado aquilo, o rio em determinado ponto Passa por uma estação de tratamento de esgoto, estação essa que fica próximo aos túneis do metrô, que por sua vez são ligados ao subsolo do Shopping. O rio devia ter aumentado seu nível devido as chuvas.
Como a água do rio tinha chegado até aqui já sabíamos, mas minha curiosidade naquele momento era maior e eu precisava abrir a porta e ver a quantidadede água que havia lá dentro, eu precisava me certificar de que o resto do shopping estaria seguro.
Olhei para minha esquerda e vi um machado dentro de uma caixa de emergência em uma parede, rapidamente peguei ele e me preparei para golpear a maçaneta.

- Não faça isso - Victoria disse quase gritando.

No momento a ignorei, eu só queria abrir a porta .
Golpiei três vezes a maçaneta, jogo o machado no chão e em seguida empurro a porta com força e ela é aberta.
Nesse momento tudo o que vi foi água, uma enorme tsunami saiu do subsolo e invadiu o corredor onde estávamos, a correnteza logo me derruba e me arrasta para longe dali, no meio do turbilhão d'água consigo ver Victória caindo no chão junto com nossa mãe, se quiser me xingar de todos os palavrões que você conhece, fique à vontade.

Sou arrastado até o fim do corredor e lá vejo Victoria vindo em minha direção, mas nenhum sinal da nossa mãe, a água continuava à subir Velozmente, posso ouvir mais sons de rachadura à minha volta .

- Seu imbecil, olha o que você fez - Victoria gritou ainda mais irritada .

Eu não sabia o que falar, ela tinha razão, eu havia acabado de salvar minha mãe de um incêndio e ia matá-la afogada, Parabéns Léo, seu pai ia ficar muito orgulhoso de você .
Minha preocupação para com elas agora começava a me dominar, tentei me certificar que as duas estavam próximas à mim, mas não havia sinais da mamãe em nenhum ponto da minha visão.
Até que...
A cabeça da mamãe surgiu no meio do corredor.

- Peguem nas barras de Ferro do teto - ela falou cuspindo um pouco d'água.

Olho para cima e agarro em uma das Barras e começo a seguir contra a pressão d'água em direção as escadas.
Um minuto depois alcançamos o primeiro degrau e já ficamos mais aliviados. Saímos dali e agora estávamos no térreo. Seguros, porém enxarcados .

Mais sons de vidros sendo estilhaçado, rachaduras e explosões soaram a minha volta, parecia que todo o alicerce do edifício estava desabando e agora a água ia piorar ainda mais a situação.
Creio que você nunca esteve em um shopping perto de desabar por completo, a experiência é horrível.

Corremos o mais rápido possível para fora do prédio, assim que chegamos até uma distância de uns 20 metros do shopping, ele desabafa sobre o chão, dezenas de lojas foram embora, centenas de blocos de concreto desmoronam sobre o terreno, some essa cena ao fator da forte chuva que caía .
A mais ou menos cinco anos eu achei esse lugar e hoje o ajudei a destruir, já havia lido em livros que os adolescentes eram irresponsáveis, mas isso me fez parecer o rei dos irresponsáveis.

O sol já estava a se pôr, a noite já começava a se fazer presente, quando olho para minha mãe percebo que ela está sentada no chão abraçada aos seus joelhos e chorando, era um péssimo momento para que ela tivesse uma crise. Precisavamos sair daquela tempestade depressa, Victoria e eu à pegamos e a levantamos .

- Vamos para o posto de combustível - falo para Victoria.

Nossa mãe se mantém em silêncio, enquanto a levamos para o posto.
Adeus Shopping.
Adeus lugar onde eu quase matei minha mãe duas vezes no mesmo dia.

Adeus lugar onde eu quase matei minha mãe duas vezes no mesmo dia

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