Encanto [historia]

5. Os problemas psicológicos da minha irmã

Não consigo dormir. As rachaduras e a vela continuam vindo para a minha cabeça. Decido então investigar sozinha, já que ninguém acredita em mim.
Saio do quarto de pijama e tudo e vou em direção a vela quando vejo um vulto nas sombras. Vou ver o que é.
-Mirabel!- Vitória grita -O que você tá fazendo?
-Tori!- dou um suspiro de alívio -Não é da sua conta, ok?
-Bom, vamos lá: eu sou sua melhor amiga, a casa tá em perigo e isso provavelmente tem a ver com o meu pai, que eu passei dez anos procurando. Então sim, acho que é da minha conta.
Suspiro e indico a janela da vela com a cabeça.
Nós duas vamos até lá pelo telhado e começamos a procurar pelas rachaduras, mas Abuela surge. Tori e eu nos esprememos contra a parede, enquanto a velha abre um medalhão com a foto de seu finado esposo e suspira.
-Ah, Pedro.- ela diz -Eu preciso de você. Rachaduras na nossa Casita. Se nossa família soubesse como nós somos frágeis... O nosso milagre está morrendo. Nós não ficaremos sem casa de novo. O que está acontecendo, Pedro? Abra meus olhos. Se a resposta está aqui, me ajude a encontrá-la. Me ajude a proteger nossa família. Me ajude a salvar nosso milagre.
Ela dá um beijo no medalhão e se afasta.
-Alguém avisa ela que o Abuelo já morreu? E ela se entregou. Ela sabe que tem algo rolando.- Vitória sussurra. Eu ignoro e vou até a vela.
-Eu vou salvar o milagre.
-Nós vamos.- Tori acrescenta.
Volto para o meu quarto, tiro meus pijamas e coloco meu vestido favorito. Quando toco a maçaneta...
-Como salvamos o milagre?- me viro para Vitória, sentada na minha cama.
-É sério? Você quer que eu saiba?- ela coloca a mão no peito, como se estivesse super ofendida.
Olho para Casita, mas ela apenas levanta algumas vigas como se dissesse "também não sei".
-Eu descubro o que tá acabando com o milagre!- murmuro.
-Como?- Tori pergunta.
-Ah, isso eu não sei.- digo, e depois olho para a foto da família no meu criado mudo -Mas tem uma pessoa nessa família que escuta tudo.
Vitória fica alguns segundos em silêncio, depois puxa o ar.
-Aquela fofoqueira! Se alguém sabe o que tá acontecendo é ela.

Logo de manhã no dia seguinte, Vitória e eu corremos até à mesa do café da manhã para encontrar quem procurávamos.
-Dolores, oi!- eu digo me encostando na mesa -Você é minha prima favorita, e...
-Ei!- Vitória grita -Ela é sua prima favorita? E eu?
-Ignore.- eu sussurro -Bom, eu converso com você sobre tudo, então você pode conversar comigo sobre tudo, então que tal a gente falar sobre o problema com a magia ontem?
Dolores me olha de cima a baixo, como se não soubesse do que eu estava falando.
-Mirabel um, sutileza zero.- Tori murmura.
-Camilo!- tio Felix aparece atrás de nós -Para de fingir que é a Dolores só pra comer de novo!
A Dolores que estava a nossa frente se transforma no Camilo.
-Eu tentei né.- ele encolhe os ombros.
-Mas foi uma boa.- Vitória diz e os dois batem as mãos enquanto ele sai até a mesa.
-As únicas preocupadas com a magia aqui são vocês.- a Dolores de verdade surge do nada atrás de nós -E os ratos que ficam andando pelas paredes.
-Pera aí, você disse ratos?- Vitória sussurra, mas é ignorada.
-Ah, e a Luisa.- Dolores continua -Ouvi o olho dela com tic a noite toda.- ela encolhe os ombros e vai até a mesa.
Fazemos o mesmo. Eu me sento do lado de Luisa, e Vitória se senta do lado do Camilo.
-Luisa.- sussurro, mas Abuela me interrompe.
-Família. Somos todos gratos ao novo e maravilhoso dom do Antônio.- ela vai se sentar, mas animais surgem em sua cadeira.
-Pedi pra eles esquentarem pra você!- Antônio sorri.
-Obrigada, Tonito.- Abuela diz, tio Felix levanta o polegar para o filho e Vitória e Camilo riem baixinho. Abuela continua falando, mas eu não escuto.
-Luisa, a Dolores disse que você tá surtando. Qual a chance de saber algo sobre a magia ontem a noite?- o olho dela pisca e eu bati na mesa -Se entregou!
-Mirabel.- Abuela olha para mim -Se não está prestando atenção eu posso te ajudar. Casita.
Os paralelepípedos do chão me levam até a cadeira ao lado da de Abuela. Tori faz um sinal com a mão e diz "abortar a missão?" sem fazer som. "Não", respondo do mesmo jeito silencioso.
-Continuando o que eu dizia...- Abuela junta as mãos -Devemos agradecer por nossas bençãos sempre. Então hoje vamos trabalhar em dobro.
-Ok. Vitória e eu vamos ajudar a Luisa.- começo a me levantar, mas Casita me joga de volta na cadeira. Tori coloca a mão na cabeça e a sacode como se dissesse um "meu Deus" silencioso
-Primeiro um comunicado.- Abuela volta a falar. Vitória sussurra algo para Camilo, que ri baixinho -Eu conversei com os Guzman sobre o pedido de casamento do Mariano para a Isabela. Dolores, já temos a data?
-Hoje a noite. Ele quer cinco bebês.- Isabela cora e flores surgem em seu cabelo.
-Olha só, que safado.- Vitória murmura, fazendo Camilo rir histericamente e todos voltarem os olhares para eles. Abuela franze a testa e balança a cabeça, num sinal claro de decepção.
-Ah, um rapaz tão bom com a nossa perfeita Isabela.- a velha muda de assunto -Vão trazer uma nova geração de bençãos mágicas e fortalecer as duas famílias.
Camilo se transforma em Mariano e faz um biquinho para Isabela, que joga flores nele. É a vez de Vitória rir até a barriga doer.
-É isso. Nossa comunidade conta conosco.- Abuela continua. Nunca vi alguém falar tanto, acho que só a Vitória quando eu pergunto qualquer coisa sobre as pinturas dela -A família Madrigal!
-A família Madrigal!- todos repetimos. Vejo Luisa saindo e saio atrás dela, com Tori atrás.
-Mirabel.- ela coloca a mão no meu ombro quando finalmente me alcança -A Dolores não disse algo sobre ratos? E se isso tiver algo a ver com a Alasca?
-Ah, Vitória, de novo não.- reviro os olhos e aperto o passo. Não aguento mais ela falando da rata de estimação dela.
-É sério Mirabel.- ela corre atrás de mim -Não vejo ela faz uma semana.
-Foco na missão, ok?- faço um gesto -A gente tá quase perdendo a Luisa de vista.
Corremos mais rápido e encontramos minha irmã ajudando algumas pessoas. Ela carrega uns quatro burros nas costas e ajeita uma parede torta com o pé.
-Luisa, você tem que nos contar sobre a magia!- digo.
-O que tá escondendo?- Vitória completa.
-Nada, eu só tô ocupada, talvez vocês devessem voltar pra casa.- ela desviou o olhar.
-A Dolores falou que seu olho tá com tic!- Tori se colocou na frente dela.
-Você nunca teve isso. Alguma coisa tá te deixando nervosa.- completo.
-Me deem licença, daqui a pouco eu vou derrubar um burro.- ela pega um com o pé e o joga no pequeno monte que carrega.
-Luisa, só fala o que é!- eu corro atrás dela.
-Não tenho nada pra falar!
-Você sabe que tem!- Vitória responde por mim -Luisa, se tiver algo errado com a magia pode falar com a gente...
-Não tem nada de errado!- Luisa grita, assustando Tori e eu -Uau, é. Eu não queria ter estourado. Por que haveria algo de errado? Eu tô ótima, a magia tá ótima.
O olho dela pisca.
-Seu olho fez um tic.- eu digo.
-Não fez não.- ela diz, dura feito uma pedra -Eu sou forte. Não tenho essas coisas. Aguento tudo. Vocês vão negar?
-Não, claro que não.- Vitória diz, um pouco assustada.
-É, esse é o seu talento.- acompanho minha prima.
-Não importa se é pesado, eu suporto, e... ah, por que eu ainda tento enganar alguém? Eu tô muito nervosa, tô ansiosa, essa pressão toda é demais pra mim.- ela explode de repente -Agora imagina se as pessoas não pusessem tanta expectativa em mim, eu seria tão mais tranquila, tão mais feliz, ia ter mais tempo pra mim. Mas eu sinto como se... eu carregasse a cidade nas costas.
Depois de seu desabafo, Luisa começa a respirar pesadamente, como se alguém tivesse tirado um peso de cima dela. Vitória e eu a abraçamos.
-Acho que você tá carregando muita...- tento dizer, mas ela nos abraça de volta, nos erguendo do chão -coisa.
-É acho que eu exagero.- ela riu -Eu tenho que contar um negócio. Ontem, quando você falou das rachaduras eu me senti... fraca.
-Fraca? Você?- Vitória disse depois que minha irmã nos colocou de volta no chão -Garota você tava carregando uns cinco burros nas costas agora a pouco! Você endireitou uma casa com um chute! Lembra da vez que você ergueu aquela ponte inteira? Você pode ser tudo Luisa: irada, incrível, forte, divertida, mas fraca você não é.
-É, talvez.- minha irmã coça a parte de trás da cabeça.
-E, eu também queria falar que, por mais que eu me sinta incrível e maravilhosa, eu também me sinto meio inútil as vezes.- Vitória coloca as mãos atrás do corpo e faz sua dancinha -Ou seja, é normal. Se você precisar de qualquer coisa pode desabafar. Eu tô disponível.
Luisa sorri, e Vitória também. Mas alguém chama minha irmã e ela vai saindo.
-Espera, o que tá arruinando a magia?- corro atrás dela.
-Eu não sei, mas uma vez eu escutei os adultos. Antes do tio Bruno ir embora, ele teve tipo uma visão sobre isso.
-Uma visão?- Tori franze a testa -O que tinha nela?
-Ninguém sabe, nunca encontraram.- Luisa termina de colocar os burros nas costas -Mas, se vocês querem descobrir o que tá acontecendo, a torre do Bruno é o lugar. Encontrem a visão.
-Como eu encontro uma visão?- pergunto.
-Vão saber quando chegarem lá. Mas cuidado. Aquele lugar é proibido por um motivo.- Luisa começa a sair, mas se vira antes que possa se afastar -E, obrigada Tori. Por, você sabe, ter dito aquilo.
Vitória sorri. Apenas eu e Camilo a chamamos por esse apelido.
Enquanto voltamos para casa, começamos a conversar.
-Você não sabia dessa visão?- pergunto.
-Não.- Vitória murmura -Não me lembro de muita coisa antes do meu pai ir embora.
-O que você lembra?- digo -Se não for incômodo.
-Bom, eu me lembro da sua cerimônia dos dons, e da minha, e a do Camilo também. E eu também me lembro do dia em que meu pai sumiu. Eu tinha ficado com medo a noite, e fui até o quarto dele, mas, quando eu vi, ele não tava lá em lugar nenhum. Eu deitei na areia e comecei a chorar, eu gritava "papi, papi" mas ninguém vinha.- ela diz, com um olhar distante -Aí acabou que sua mãe me achou lá. Todo mundo tava me procurando.
-Eu também me lembro desse dia.- ri -Acharam que seu pai tinha te levado embora com ele. A Abuela tava desesperada.
Rimos mais um pouco, e finalmente chegamos em casa.
A nossa jornada está apenas começando.