8.As visões do Bruno

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-Você nunca foi embora?- Vitória grita.
Bruno e eu olhamos para ela por alguns segundos.
-Bom, é que as montanhas ao redor de Encanto são muito altas, e aqui, olha só, é bem do lado da cozinha. E tem mais- ele nos guia até um pequeno palco com ratinhos -Diversão grátis! Do que vocês gostam? Esportes? Programas de jogos? Telenovelas?
-Alasca, você tá aí!- Vitória vai até o palco e tira um dos ratinhos, um com uma fita dourada no pescoço, que sobe na mão dela.
-Era um amor impossível.- tio Bruno murmura.
-Eu não entendo...- digo mais para mim mesma.
-Bom é que ela é tia dele, mas tem amnésia e não lembra que é tia dele, então é tipo um amor proibido...
-Não, eu não entendi porque você foi embora... mas não foi.
-Bom, eu já disse, as montanhas são muito altas, e aqui tem comida grátis. E vocês adoram comida grátis, não é?- ele alimenta alguns ratos.
Olho para Vitória, que simplesmente acompanha Bruno com o olhar.
-Tori.- dou uma cotovelada nela.
-O que? Ah, sim, comida de graça.- ela ri nervosamente.
-Vem cá, porque ela tá me encarando?- tio Bruno olha Vitória de cima a baixo.
-Tô tentando memorizar seu rosto.- ela inclina a cabeça -Pra eu te pintar depois. Aí eu não vou esquecer a sua aparência de novo, papi.
Bruno assumiu uma expressão de surpresa.
-Vitória...- ele sussurra.
-Eu mesma! Sentiu minha falta?- ela apoia o braço na poltrona.
Bruno apenas abraça a filha em resposta.
-Eu senti. Senti muita.- ele a solta e a segura pelo rosto. Tem lágrimas nos olhos de ambos -Você tá bem? A Abuela cuidou de você direitinho? Andou brigando com alguém? Por que se tiver brigado pode falar com quem foi, deixa com o papai! Ah Vitória você tá tão grande, tão linda! Da última vez que eu te vi você era só uma menininha e agora já é quase uma mulher!
Tori apenas assente, derramando lágrimas, e abraça de novo o pai.
-Bom, não quero atrapalhar o momento pai e filha de vocês, mas a gente tava conversando. Você tava explicando porque você sumiu.
-Ah, sim.- tio Bruno enxuga as lágrimas, mas Vitória nem tem esse trabalho -E o meu dom não tava colaborando com a família. Mas eu amo a minha família, é sério! Só não sei de que jeito... ou como... tanto faz, é melhor vocês duas irem embora, porque eu não tenho uma boa razão, mas se tivesse vocês estariam dizendo que precisam ir.
-Por que eu tava na visão? Tio Bruno...- eu me aproximo -Só queria que a minha família se orgulhasse de mim. Mas se eu tiver que parar, se eu tiver machucando a família, diz pra mim!
Ele ergue os olhos, e eu posso ver o quanto Vitória é parecida com o pai: os dois têm cachos negros, olhos verde escuros e nariz curvo. Mas os traços de minha prima são um pouco mais suaves, e a pele dela um pouco mais escura.
-Eu não consigo te dizer, porque eu não sei.- tio Bruno começa a montar a visão na mesa -Eu tive a visão na noite em que você não recebeu seu dom. A Abuela tava preocupada com a magia, então ela pediu para eu ver o futuro e ver o que aquilo significava. Eu vi a magia em perigo, a nossa casa se desfazendo, e aí eu vi você! Mas a visão não tinha uma resposta clara, ela mudava, mas eu sabia o que ia parecer, porque eu sou o Bruno e só pensam o pior de mim, então...
-Você partiu pra me proteger?- termino.
-Eu só sei que o Encanto, o futuro, a casa, a família, tudo depende de você.- ele deu uma pausa -Ou talvez eu esteja errado! E essa visão não esteja certa, por isso ela é horrível!
Ele nos levou para fora.
-Eu queria poder ajudar, mas isso é tudo o que eu sei.- ele diz enquanto fecha a porta -Me desculpem, queria ter visto mais.
-Não precisa se desculpar, não foi culpa sua.- Vitória sorri.
Bruno fecha o quadro atrás de nós, e eu tenho uma ideia.
Entramos arrombando a porta.
-Você queria ter visto mais, então veja mais!- digo enquanto Vitória e eu entramos na sala -Veja o futuro!
-Isso!- Vitória deu pulinhos e sorriu -Se virmos o futuro podemos tentar achar algo.
-Não! Eu não posso, eu não quero. Faz tempo que eu não vejo nada. E mesmo se eu quisesse, vocês destruíram a minha caverna! O que é um problema, porque eu preciso de um espaço amplo.
-A gente encontra um.- digo.
-Onde?- Vitória e Bruno perguntam em uníssono.
-Usa o meu quarto.
Quando olhamos, Antônio está parado ao lado da porta.
-Os ratos me contaram tudo. Não come esses!- ele ordena a sua onça pintada.
-A família precisa de você.- digo para tio Bruno.
-E você precisa sair desse cafofo.- Vitória se apoia nas costas da onça de Antônio enquanto o animal tenta abocanhar Alasca.
Tio Bruno olha ao redor.
-É.- ele diz.

Estamos no quarto de Antônio, que brinca com seus animais enquanto Vitória e eu estamos sentadas no chão e tio Bruno monta seu cantinho para ter a visão. Bruno olhou para Vitória e sorriu, como já havia feito em alguns momentos antes.
-Por que você fica olhando pra mim?- ela perguntou.
-Bom, é que eu passei anos sem te ver, e da última vez você era bem diferente. Eu tô tentando aceitar a ideia de que essa é a minha filha.
Ela sorri, e eu a puxo mais para perto de mim.
-Olha, Tori, desculpa por ter te arrastado pra essa confusão toda. Era pra ser só eu aqui. Eu tava na visão.
-Tá brincando, Mirabel?- ela ri -Esse tá sendo o melhor dia da minha vida em muito tempo. Eu reencontrei meu pai, e, enquanto todo mundo diz que ele é um monstro, eu descubro que ele é um lunático supersticioso que fala com ratos.
-Não dá pra ir mais rápido aí?- digo para Bruno.
-Não dá pra apressar o futuro!- ele responde.
Quando termina, ele se senta próximo de nós
-E se não funcionar?- ele pergunta -E se eu vir algo que vocês não gostarem? Aí vocês vão dizer "o Bruno é mau, ele faz coisas ruins aparecerem, ele é esquisito, e a visão dele matou o meu peixe!"
-Não acho que você faz coisas ruins aparecerem.- Vitória sorri -As vezes os esquisitos levam toda a culpa.
Bruno respira fundo, joga um pouco de sal sobre o ombro, acende montinhos de folhas e fecha os olhos.
-Tudo bem. Melhor vocês segurarem firme.- nós damos as mãos e ele abre os olhos, que estão verdes e brilhantes. A areia ao nosso redor se ergue e forma uma cúpula. Começamos a ver várias imagens, como tio Felix salvando Antônio, a vela e a casa caindo, e no final eu em frente a casa repleta de rachaduras.
-É a mesma coisa de antes! Eu tenho que parar!- Bruno coloca as mãos na cabeça.
-Não! Deve ter alguma coisa que a gente não tá vendo!- eu respondo.
-Vocês tão vendo a mesma coisa que eu, não tem como...
-Papi, se acalma!- Vitória grita e Bruno para de gritar e a encara.
-Ali!- grito ao ver uma borboleta amarela em meio às visões verdes.
-A Borboleta! Sigam a borboleta!- Bruno grita apontando na direção que devemos seguir.
Quando abrimos caminho, vemos a vela brilhando.
-É a vela! Tá brilhando mais forte!- Vitória grita.
-O que eu tenho que fazer?- pergunto.
-Tá tudo fora de ordem, eu não sei.- tio Bruno responde enquanto analisa as imagens -Tem mais alguém com você, e você luta com essa pessoa!
-O que?- exclamo.
-Não, acho que você tá abraçando!
-Vou lutar ou abraçar?
-É um abraço, um abraço! Pra fazer a vela brilhar você precisa abraçá-la!
-Abraçar quem?
-Tô quase conseguindo... quase...
A pessoa é...
-Isabela?- Vitória e eu gritamos juntas.
A areia cai, e Bruno está com uma tábua verde com uma imagem minha e de Isabela se abraçando.
-Puxa, é ela! Que linda!- ele exibe a tábua.
-Por que ela?- Vitória grunhe.
-É sempre assim.- tio Bruno lança a segunda visão longe.

Encanto [historia]Onde histórias criam vida. Descubra agora