Capítulo 1

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A sensação de abandono nunca foi uma novidade para mim. Pelo contrário: era tão familiar que eu quase encontrava conforto na rejeição, como uma velha amiga que sempre estava lá, talvez a única constante na minha vida. Acho que explica muito o fato de que ter sido expulsa pela Paula Terrare tenha sido quase um alívio.

Quando começamos a depender muito de alguém, a confiar muito em alguém, estamos fadados a nos decepcionar. Então melhor que tenha sido assim, antes que eu me apegasse mais ainda, que eu amasse mais ainda. Eu deveria saber melhor do que me deixar enganar por qualquer tipo de sentimento filial para com uma mulher. Eu não nasci para ter mãe e a minha genitora deixou isso bem claro quando me abandonou ainda bebê.

Ajeitei mais uma vez a mochila em meu ombro e contemplei minhas opções:

1- Eu poderia me humilhar e pedir abrigo ao meu pai e à Odete. ( NEM PENSAR );

2- Eu poderia me humilhar e pedir abrigo ao Murilo. ( A Ingrid iria me odiar ainda mais);

3- Eu poderia me humilhar e pedir abrigo ao Gabriel. (Ele disse que era apaixonado por mim, não disse?).

Resignada, decidi engolir meu orgulho e peguei meu celular para ligar pro bartender fake. Sim, ele mentiu pra mim quando não falou que era filho da Cascacu e ele também não me defendeu da mãe dele. Mas ele também é um cara legal, nenhum pouco metido e me tratou como uma princesa e é disso que eu preciso agora. Ser tratada como se eu não fosse um lixo humano ou a maior perda de espaço no solo do planeta Terra.

E foi assim que eu vim parar no apartamento do Gabriel vestindo uma camiseta dele como pijama e tentando retribuir um terço da consideração que ele tem por mim. É confuso e perturbador. Eu tenho certeza de que não o amo, mas ao mesmo tempo me agarro a ele como uma bóia de salvação e quero me apaixonar. Me sinto sufocada e acolhida e é tão bom ser bem tratada pra variar... Um festival de contradições.

Não sei o que pensar enquanto ele me beija e não sei o que sentir quando ele me toca. A verdade é uma só e eu não consigo fugir dela: eu fecho os olhos porque eu preciso imaginar, eu evito abrir a boca porque eu sei que o nome que vai escapar dos meus lábios não é o dele. E eu me odeio por isso. Eu odeio o fato de que mesmo tendo todos os motivos do mundo para não amar, eu amo. Eu amo o Doutor Guilherme Monteiro Bragança. Como se eu já não tivesse problemas o suficiente, meu coração masoquista decidiu se apaixonar por um doutor que não quer nem saber se eu estou viva ou morta e pra piorar ele é casado e loucamente apaixonado pela esposa.

Viro para o lado e olho para um ponto fixo na parede. Me permito ser maldosa e imagino a dissolução de uma família inteira, imagino um divórcio, imagino ressentimentos e imagino acima de tudo um novo amor. Eu. O doutor e eu nos beijando, o doutor e eu nos curando, o doutor e eu nos amando louca e ardentemente numa tarde de quinta feira.

"Flávia, você quer tomar café?" Sou arrancada dos meus devaneios pela voz de Gabriel e a culpa me invade. Ainda bem que os pensamentos são particulares.

Ele está deitado ao meu lado e me olhando com aqueles olhos de encantamento que me deixam extremamente desconfortável. Quanta responsabilidade é ser idealizada por alguém...

"Pode deixar que eu faço, você descansa!" Quase pulo da cama na tentativa de escapar dos afetos de Gabriel e vou em direção à cozinha do studio.

Enquanto a água esquenta, não posso deixar de ficar ansiosa. Preciso resolver a minha situação de moradia urgente! Sei que posso voltar a trabalhar na Pulp Fiction e talvez com o primeiro mês de salário eu possa alugar uma kitnet na Tijuca. Claro que não vai ser nada luxuoso, mas vai ser meu. Um lugar onde ninguém vai poder me expulsar, pois será meu. Só meu.

Loving Mr. Always Right - A FLAGUI FanfictionWhere stories live. Discover now