Maria com os filhos

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Maria nunca quis ser mãe. Quando o primeiro filho veio, de surpresa, ela demorou para se acostumar com a ideia. Ele nasceu saudável, ainda bem, mas tinha um rosto feio. Maria não gostava de amamentar, mas sua mãe dizia que era melhor pegar o leite direto do peito, senão a criança não cresceria direito. Maria só foi amar o filho de verdade quando ele fez um ano, ou pelo menos foi quando se deu conta do amor incondicional que sentia por aquela pessoazinha. Seu marido da época até era um bom pai, levava o filho para passear, acordava à noite quando ele chorava. Mas parou de se importar depois de um tempo, gostava mesmo era de papear com os amigos, enchendo a cara, falando besteira. Maria ficou calada, não queria que seu pequeno percebesse as idiotices do pai. Não era culpa dele que sua mãe tivesse escolhido se casar com aquele homem que mal reconhecia. O marido foi embora, claro, sem deixar rastros. O filho, ainda tão pequenininho, chorou e chorou e chorou. Maria só podia abraçá-lo. Sua mãe morreu logo depois, ela não tinha irmãos. Ficou sozinha com a criança.

Não muito depois, apareceu o segundo marido. Ele gostava tanto dela, era bonzinho demais! Tratava o menino como se fosse seu próprio, e Maria não demorou para se apaixonar. Depois de alguns meses, percebeu que a paixão não era tão romântica assim, que ele era mais um amigo do que um amante. Mas tudo bem, ela poderia conviver com essa falta, estava feliz por ter alguém ao seu lado. Nasceu o segundo filho, foi uma gravidez de risco. Tiveram que tirar o bebê às pressas, o coitado ficou duas semanas na UTI. Mas sobreviveu, graças à Deus, e foi para casa com um sorriso inocente nos lábios. O mais velho implicou demais com o irmão, beliscava o recém-nascido e gritava com ele. Maria e o marido não sabiam o que fazer além de dar umas palmadas ardidas nele. Depois de um ano, veio o terceiro. Maria não ficou tão entusiasmada assim. Três crianças!! Ela mal tinha dinheiro para cuidar de si própria. Teve que buscar outro emprego, um no qual trabalhou até o momento do parto, e um que teve que continuar logo em seguida, deixando os filhos sozinhos com o pai. Ela dormia na casa da patroa, só podia ligar para casa uma vez por semana. Não viu os filhos crescerem, só voltava durante as férias, nem tinha feriados. O caçula não a reconhecia, chamava de mamãe a vizinha da frente que ajudava o marido de Maria com a criação dos filhos. O mais velho já estava rebelde, batia boca com os adultos, ia mal na escola. Culpava a mãe pelo abandono. Maria se culpava também.

O marido atual já não parecia tão investido na paternidade, ficou distante, áspero. Ele passava tempo demais com a vizinha da frente. Como Maria poderia culpá-lo, porém? Ela nunca estava em casa. O filho do meio era asmático, uma vez quase morreu no colégio e ela só ficou sabendo meses depois. Imagina se tivesse morrido! Maria estava perdendo absolutamente tudo. Ela dizia ao mais novo quando o visitava: "ei, eu sou mamãe, eu sou sua mãe", mas ele chorava quando ela o pegava no colo. Quem o amamentava era a vizinha, que tinha uma criança da mesma idade, e era o pai quem acordava à noite para acalentá-lo. Maria não era a mãe dessa criança, não de verdade.

O filho mais velho não queria saber dela, já era adolescente, gostava de jogar futebol na rua e sabe Deus mais o quê. O do meio vivia adoecendo. O mais novo era mimado. Nada graças a Maria, claro. Seria de uma sorte absurda se eles lembrassem dela. Seu marido contou, em uma das ligações, que o primogênito dizia aos amigos que sua mãe tinha morrido. De certa forma, ele não estava errado.

Maria já estava morta há muito tempo.


(Parte da concepção da personagem Maria para o roteiro de um longa metragem. Baseado no conto de Conceição Evaristo.)

Vão Sentir Minha Falta #3Onde histórias criam vida. Descubra agora