Sem sinal

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Troquei a roupa clerical por uma calça jeans escura e uma camisa social preta que tinha ficado na casa da minha avó. Sempre deixava a maioria das minhas roupas lá, já que vivia como nômade indo de uma missão a outra.
Coloquei o mesmo sapato social e tentei, inutilmente, arrumar o cabelo para trás, já que ele estava muito grande devido a falta de barbeiros nas matas do Peru, onde foi minha missão mais recente.
A barba eu mesmo mantinha baixa mas não ousava cortar meu próprio cabelo.
Fiz uma prece rápida de joelhos aos pés do sofá, dei um beijo na minha avó e entrei no carro que eu tinha pego na igreja e voltei para pegar a irmã Tereza.
Sempre fazíamos visitas em dupla, uma irmã não deveria ir numa visita onde havia homens na casa e sem um padre por tanto tempo, as visitas ficaram de lado. Esta em particular nos ajudaria no bazar para arrecadações da igreja. Eu tinha pouco tempo mas ajudaria o máximo que podia para levar a igreja ao seu estado anterior.

Parei o carro e esperei a irmã Tereza aparecer, assim foi o combinado, mas quem saiu das portas de madeira do convento foi uma Maine de calça jeans rente a pele e uma blusa preta que lutava para cobrir sua barriga, o tênis branco e uma sacola em mãos.

"Maine? O que..." Ela não deixou eu terminar e logo entrou no carro e se sentou do meu lado.

"A madre me pediu pra vir no lugar da irmã Tereza porque ela teve que ir visitar a sobrinha no hospital."

"Não tinha mais ninguém disponível?" Alguém que não usasse um batom vermelho, pensei.

"Nossa, padre, não sabia que o senhor não gostava de mim!"

"Não é isso, Maine, mas isso deveria ser feito por alguém que trabalha para a igreja, entenda..." Novamente fui cortado.

"Eu trabalho para a igreja, na verdade para a madre mas é quase a mesma coisa."

"Não, não é."

Queria ser mais duro com ela porém o bico de desagrado que ela fez quase me arrancou um sorriso, mas me segurei. Aquilo não estava certo.
Um silêncio desconfortável pairou sobre todo o caminho até a casa de nossa bem feitora, uma casa de tijolos vermelhos que ficava entre duas montanhas, fazendo o local ser mais frio, no limite da cidade.

Atravessamos a cerca de madeira e depois de passar por um jardim descuidado, bati na porta e fomos atendidos por uma senhora de mais ou menos 50 anos.

"Dona Lene? Sou o padre Oskar e essa é a enteada da madre superiora, Maine. Esperamos que seja uma boa hora."

"Oh, padre! Entrem, entrem! Eu não tive a oportunidade de ir na igreja essa semana então não pude conhecer o senhor. É tão jovem!"

A mulher nos levou a um cômodo que fazia de depósito, na parte de cima da casa.

"Aqui estão algumas coisas minhas e do meu falecido marido, que Deus o tenha. Fiquem a vontade para separar o que for bom para o bazar. Vou trazer as caixas!"

"Obrigada." Maine disse antes de ficarmos sozinhos.

Não estava nos meus planos aquela pequena viagem com ela, mas faria tudo o mais rápido possível. Talvez Deus esteja me testando e, como sempre, passaria no teste.

"Faremos o seguinte: você fica com a parte dela e eu separo o que corresponde ao do marido." Maine assentiu. "Muito bem."

Separei dois sapatos em bom estado, duas abotoaduras e um chapéu antigo.

"Aqui estão as caixas, será que vão precisar de mais?" A mulher sorriu para as peças que eu tinha separado num canto.

"Não vou precisar, eu separei dois vestidos, bonitos por sinal, mas não acho que tenha mais." Maine parecia um pouco sem jeito.

Padre NossoOnde histórias criam vida. Descubra agora