Aurora 13

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Minha mãe está quase surtando quando passo pela porta, perguntando sobre Mia, e só então me lembro da mentira que contei a ela.

Como se ela se importasse.

Mia e papai estão em Seattle, lá é o único lugar com o melhor tratamento para o câncer, pelo menos lá ela está confortável.

Vou até à cozinha, preparo um sanduíche e subo para comer em meu quarto, ligo para o meu pai, para saber como foi o dia deles, não vejo a hora de voltar para junto deles.

Ao que parece, depois de Bruna, Raul seria o único capaz de fazer a vinda até aqui ser menos insuportável, sei que não tenho muito tempo aqui, e não quero desperdiçar nenhum segundo, voltarei para Seattle daqui a duas semanas.

Me troco e deito na cama, repasso todos os acontecimentos do dia.

Raul é o filho do marido da minha mãe.

Ele usa drogas.

Fumei um baseado.

Bruna aos beijos com Mateus.

Brenda tentou se matar.

Raul a suturou.

Dei banho nele.

Transamos no banheiro.

Vou ser babá de uma suicida.

Ligo para Mia, passamos horas ao telefone, conto a ela sobre Raul, não todos os detalhes, é claro.

— Filha, posso entrar? — diz minha mãe ao bater à porta.

— Pode sim. Mia, te mando uma mensagem depois tá? Beijos, amo você.

— Como Mia está? Você saiu preocupada aquela hora, pensei que precisasse de privacidade para conversar com ela. — Minha mãe é péssima fingindo que se importa.

— Ela está bem, só o de sempre, câncer, — dou um sorriso sarcástico, de propósito. Pode alguém encontrar outra família e esquecer a antiga? Isto realmente acontece?

— Aurora, não fale comigo como se eu não me importasse.

— E você se importa mãe? Começou outra família, sem ao menos se preocupar com a que você já tinha.

— Não foi assim que aconteceram, querida.

— Não me chame de querida mãe, você perdeu todo e qualquer direito de se referir a mim de uma maneira carinhosa.

— Tudo bem, me perdoe, mas eu não podia abandonar tudo aqui... — a interrompo, ela só pode estar de brincadeira.

— Não podia, mãe? Mia é sua família também, e não a vejo sacrificando nada por ela, muito pelo contrário, foi o meu pai quem largou o emprego que tinha aqui, passou meses de hospital em hospital procurando o melhor tratamento para a sua filha, e enquanto isso o que você fez? Brincou de casinha com seu banco imobiliário?

— Eu não tive escolhas, não podia viajar grávida.

— Você nunca pode nada quando o assunto é nós, mãe. Pode, por favor, sair, e me deixar em paz?

— Quando tiver seus filhos você vai me entender querida — ela não deveria ter seguido esse rumo na conversa.

— Entender o que? Como uma vaca egoísta só faz o que lhe é conveniente? Muito obrigada! Dispenso — acredito que a fiz chorar, que a magoei, porque ela sai secando as lágrimas, e sei que deveria me importar, mas não sinto nenhum sentimento parecido com remorso quando se refere a ela.

Meu pai e eu, que ficamos ao lado de Mia, após cada sessão de quimioterapia e cirurgia, fomos nós, não ela, não tem o direito de me falar sobre como entenderei quando tiver meus próprios filhos, se nem ela entende isto.

Dos sonhos eu sou o AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora