Eu ainda queimo por você

Capítulo 01

Um ano depois.

Eu não sabia que um coração poderia continuar batendo mesmo depois de ter sido destroçado várias e várias vezes. Do meu ponto de vista, teoricamente, um coração assim, já deveria ter parado de bater há tempos. Não é?

Lágrimas escorriam por minha bochecha enquanto eu fazia um rascunho de um bilhete de despedida para minha mãe. E não, eu não ia me matar, embora eu não possa negar que de fato essa opção tivesse passado por minha cabeça. Na verdade eu estava fugindo de casa.

Vou contar como aconteceu.

Uma mulher conheceu um cara, ele parecia ser gente boa e sem sombra de dúvidas era muito charmoso, do tipo que faz você se apaixonar só de olhar de longe, porque você se imagina vivendo um romance estilo filme clichê dos anos 2000. Bom, esse cara era mesmo o tipo de cara que sabia seduzir as mulheres, e depois de dois drinks e muita conversa fiada, eles acabaram se agarrando em um canto do bar, e não se largaram mais depois disso. Não demorou muito pra essa mulher engravidar, e vir então a salvação do relacionamento dela de 2 meses. A relação deles não andava muito boa, mas depois da descoberta da gravidez, o cara passou de um idiota completo, para um marido e pai amoroso. Foram os melhores sete anos da vida deles, pelo que ouvi falar, e então, veio a segunda filha... eu!

Eu e minha mãe não nos dávamos tão bem, e acredite, nós tentávamos nos esforçar. Eu também não era tão próxima do meu pai, mas ele tinha lá suas qualidades nesse ofício; só que aí, depois de alguns anos casados, meu pai decidiu que queria voltar a ser aquele cara boa pinta dos bares; as noites a sós com a minha irmã mais velha e minha mãe passaram a ser mais frequentes, enquanto ouvíamos de 10 em 10 minutos o quanto ela se arrependia daquele casamento, o quanto ela era bonita e podia arranjar alguém melhor; então ela ligava pra ele, e ele mandava ela ir se foder.

Meu pai passou a chegar em casa porre, se vomitava, tomava banho e jantava algo quando não desmaiava no banho; e minha mãe passou a achar bilhetes nos paletós, o anel dele enfiado no bolso da calça, e o cheiro forte de diversos perfumes diferentes, sem contar as marcas de batom. Ele sempre negava, como de costume. Até um dia ele se emputecer e dizer, com exatamente essas palavras "eu fodi, sim! Transei com uma mulher mais nova e muito mais gostosa que você, porra. O que você vai fazer? Anda, diz!"

Depois desse dia as brigas pioraram, e por mais que ela ameaçasse separar, ele ria e dizia "Tu não tem culhão, pra isso Tiff"; até que em uma noite, ela encheu tanto a paciência dele, que ele a pegou pelos ombros e a lançou contra a parede. Não precisa ser um gênio pra adivinhar que aquela não foi a primeira vez... nem a última. (Soube um tempo depois que ela já havia apanhado antes, por isso aquele dia, ela só se levantou, aceitou e fingiu que nada havia acontecido) O problema, na verdade, é que as agressões ficaram mais constantes.

Até que Jane adoeceu, foi diagnosticada com linfoma de hodgkin, o que fez cessar por um bom tempo a confusão que era dentro de casa. Isso nos uniu, de um certo modo. Mas o problema era que a doença estava em Jane, a primogênita, a preferida de casa. Isso, de alguma forma, fez com que minha mãe me culpasse. Como se eu fosse o câncer.

Jane faleceu aos 23 anos

"Mas ela lutou como uma guerreira pela vida dela" era o que eu sempre ouvia, a mesma frase, de várias pessoas diferentes, igual a uma vitrola repetindo a música chata.

Mas como Hazel, do livro A culpa é das estrelas, diz "O câncer que era feito dela, parou o seu coração, que também era feito dela" não era uma luta justa. Era?

Também não precisa ser um vidente para prever o que aconteceria após a morte da minha irmã. Pois é...

De volta às brigas, de volta aos bares e de volta às traições. Só que dessa vez, eu estava sozinha, lidando com o luto, com as agressões verbais, e lidando com uma mãe bipolar que ora me pedia consolo, e ora me batia pra descontar a raiva que ela tinha do mundo todo. E ai de mim se eu contasse ao meu pai; porque eu sabia o que ia acontecer. Seria um ciclo vicioso.