capítulo único: queimamos

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  Gosto do jeito poético que você chama meu nome.

  Gosto do seu cheiro e de suas mãos quando me convidam para um abraço, para sua cama.

   (Ou para o chão. Ou as paredes. Quem liga?)

  Talvez seja destino; ou talvez seja apenas o calor irremediável de uma noite inquieta de verão, quando meus pés traçam o caminho até sua janela como o predador que segue o instinto atrás da presa.

  Mas, céus! A presa sou eu. Sempre fui.

  E quando meus pés sujam de lama a madeira antiga do chão de seu quarto, você me encara da cama com um olhar de quem sabe das coisas e eu me sinto patético e previsível; a saliva se acumula na minha boca como um homem faminto, mas estou morrendo para ser devorado. Os joelhos tremem e as roupas apertam quando sua voz se espalha pelo quarto, um susurro que abala minha mente como um grito de acordar a vila inteira.

  E quando colidimos, o mundo inteiro vira um borrão, quando você me ascende para te fazer queimar também. É involuntário, imparável, inevitável; um murmúrio ininteligível arfado no espaço entre minha boca e a sua, um suspiro manhoso de quem se tornou sedento demais pelas coisas que ama. Num incandescer mais do que agoniado suas mãos derretem o meu corpo, derretem a minha mente e tudo o que for possível; você é tão gananciososo e eu muito previsível, repetimos o mesmo ciclo de nos contruirmos para nos desmontarmos, peça-a-peça, só pelo prazer de estar; pelo prazer de sentir.

  E há algo divino sobre isso. Na maneira como a lua ilumina os fios esbranquiçados do seu cabelo, como se ela mesma fosse a responsável por tal; em como seus olhos vagam e vagam por aí, mas acabam nos meis; em como o mundo todo se moveu para que eu estivesse aqui com você nesse momento. Céus! É inevitável! Tudo sobre nós é.

  Então continue investindo, continue forçando sons tão vergonhosos pra mim — e você encontra tamanha satisfação no rubor do meu rosto —, me quebrando em vários pedaços e me moldando como você quiser. Suor escorre, os lençóis ganham manchas e uma desculpa deve ser providenciada para a manhã seguinte, mas nada consegue parar o tremor das minhas pernas, a tensão involuntária nos meus ombros quando você segura meus pulsos para trás, nem o arrepio quando você diz o que me parecia indizível. Suor pinga, a madeira antiga da cama range preguiçosamente como quem reclama dos muitos anos de uso para coisas menos do que castas. Está em todo lugar; você preenche cada lugar, do sentido mais poético e romântico ao mais sujo e imoral. Em tudo, tudo.

  É como um insistente amarrar de nós antes que seja a libertação das amarras. A satisfação sai do meio sentimental e se manifesta no físico em mais de uma maneira e eu sinto que posso morar no jeito que você chama meu nome e me abraça por trás, derretendo por inteiro, escorrendo e pingando nos lençóis.

  Minutos são necessários para que eu volte a mim, que você volte a você; que possamos separar o que o universo tem emaranhado em nossas mentes. Agora não. Paciência.

  E eu não consigo evitar o rubor quando vejo suas costas riscadas pelas minhas unhas curtas, como um lembrete temporário que isso não funciona com ninguém, não pode ser ninguém além de você.

  Você apanha as roupas esquecidas no chão antes de entrar no nosso pequeno ritual, fruto de anos de prática. A bagunça é arrumada, a sujeira é limpa, um incenso é aceso e seus braços me rodeiam depois que você nos cobre com um lençol limpo. Desculpas ficam para amanhã, possíveis broncas também.

  Treinamento, rituais, pessoas e até o próprio universo. Todos eles estão em segundo lugar, todos eles ficam para amanhã.

  Caio num sono sem sonhos, ninados pela sua respiração no meu ouvido.

  E quando acordarmos amanhã.

  Queimaremos novamente.

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⏰ Última actualización: Jul 21, 2022 ⏰

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