5. Carta

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***

Tomei um banho antes de tomar os remédios. Se eu fosse dormir, que fosse fazer isso limpa. Forcei Jake a tomar um belo de um banho também. Disse a ele que, se não tomasse banho, eu não dormiria na mesma cama que ele. Isso o fez ir para o banheiro em instantes. Reclamando, claro.

Dormi o dia todo. Jake disse que se o que tem a me dizer não fosse urgente, ele nem teria me acordado.

Esse negócio urgente acabou com meu sono. Eu estava dormindo tão bem, os remédios evitam meus pesadelos. O sono é tão pesado que nem sobra tempo para pesadelos ou sonhos. Eu literalmente apago.

Meus cabelos estão todos rebeldes, os prendi em um coque meio frouxo e desci até a sala, os pés descalsos, ainda um pouco desnorteada. Aconteceu tudo tão rápido. A pressa de Jake. A preocupação em seu olhar. Acho que deve ser algo sério.

Minha vontade é de voltar para a cama e tentar voltar a dormir.

– Senta. Precisamos conversar. —Jake disse, o olhar sério e a voz ríspida, parado em frente ao sofá com os braços cruzados, uma expressão indecifrável.

Obedeço Jake. Na verdade, minhas pernas apenas me guiam. Minha cabeça ainda está em processo.

Encostei a cabeça no sofá e observo Jake através dos cílios. Morrendo de sono.

Ele respirou fundo e me entregou uma carta.

Uma carta?

Quem ainda se comunica através de cartas? Apesar de ser um ato, às vezes, belo e simples, ninguém mais usa isso. O mundo de hoje é tão digitalizado e é estranho receber cartas.

Mesmo assim, retirei o papel de dentro do envelope. Está dobrado ao meio. Desdobrei e começo a ler o conteúdo escrito ali.

S/n Parker,

Olá querida, não pense que me esqueci de você. Como poderia esquecer da minha vítima favorita? Pobre criança, você ficou tão doente e paranoica para me pegar que acabou matando um dos seus. E quer saber o melhor? Eu nem precisei sujar minhas mãos. Eu estou perto, S/n. Em breve farei minha primeira jogada. E não se preocupe, você ainda tem muito a perder.

Att: Seu velho inimigo, Homem Sem Rosto.

Ler essa carta foi como levar vários golpes de faca, um atrás do outro. Meu coração acelerou a cada palavra lida. Agora sinto que despertei. Meu sangue está fervendo e ao mesmo tempo o medo tenta me dominar. Mas tento permanecer com uma expressão amena para Jake não perceber nada disso.

Coloquei o papel de volta no envelope e o joguei em cima da mesa de centro.

Mexi nos dedos das mãos para Jake não perceber minhas mãos trêmulas. Ele permanece com seus olhos em mim, a expressão séria e o olhar carregado de ódio.

Passo as mãos em meu rosto, respiro fundo.

– Eu vou pegar esse sujeito. Eu prometo. —Jake falou simplesmente. Ele sentou ao meu lado e passou as mãos em minhas costas, como um carinho.

– Não. —balancei a cabeça— Ele é meu. Eu vou pegá-lo. Eu vou matá-lo. —meu olhar está focado no chão, e distante— Ele é problema meu, não seu nem de ninguém.

– Mesmo assim...

O interrompi.

Mesmo assim, deixe ele comigo. Temos um assunto inacabado desde há cinco anos atrás. —olhei para Jake.

Jake e eu nos encaramos por um longo tempo. Queria saber o que se passa em sua mente. Mas só pelo seu olhar, ele está sentindo um ódio abismal. Seu maxilar está cerrado e ele cerra os pulsos contra seu corpo, provavelmente tentando se conter. Ele soltou o ar pesado.

Jake apoiou a cabeça na palma das mãos, sua perna está inquieta. Pelo menos nisso temos algo em comum. O observei. Mordi a língua pra não falar nada.

– Eu sinto muito. Eu... eu... —ele mexe a boca mas não sai nada.

– Nada disso é culpa sua. Não há nada que você pudesse fazer para mudar essa situação. Se você se envolvesse, sobraria para você também.

– Então me permita cuidar de você. —ele se ajoelha em minha frente. Fico imóvel—Me deixe ser mais que apenas seu amigo.

Ele está... Como posso reagir a isso?

Me seguro para não dizer: sim, Jake. Eu me deixo ser sua. Eu me permito estar com você.

Mas não. Eu não posso fazer isso com ele. Eu não posso dar uma falsa garantia. Eu não posso usá-lo. Eu não posso fazer uma promessa e não cumprir. Até porquê, não seria a primeira promessa que eu quebraria. Eu o amo de todo o meu coração, mas não posso fazer isso.

Balanço a cabeça, o olhar suplicando para que Jake não faça isso comigo. Com nós dois.

– Eu não posso, Jake. —levantei do sofá. Caminhei até o canto da sala e fiquei de costas para Jake, não posso mostrar minha frustração.

Ouço o mesmo se levantar do chão.

– Então me fala... me fala o que te impede. —ele caminhou em minha direção. Sei disso porque sua voz está mais próxima.

Me volto para o mesmo, parado no meio da sala me olhando com confusão. Não quero discutir. Primeiro o baque que a carta me deu, ainda brigar com o Jake? Talvez seja o impulso de que preciso para me movimentar no tabuleiro. O Homem Sem Rosto disse em sua carta que, em breve, vai fazer sua jogada. Tenho que somar minhas peças, sendo assim.

– Por favor, não torne isso mais difícil do que já é. —disse, quase suplicando.

- Como assim difícil? Você sequer sabe como me sinto quando você me dispensa. —ele apontou para si mesmo com as mãos.

Não sei?

– E você sabe como eu me sinto? —ergui as sobrancelhas.

Jake não fala nada, apenas me fita com seu olhar.

– Foi o que imaginei. —conclui.

Quando estou prestes a subir os degraus para voltar para o quarto, Jake entrou na minha frente. Ele cerrou o olhar para mim.

– Eu sei que aí dentro —ele apontou o dedo indicador para o meio da minha testa— está se passando várias coisas. Eu sei que você está tramando algo e não quer se envolver comigo, porque acha que assim vai conseguir me manter em segurança.

– Que bom que entende. —a voz saiu ríspida. Não deveria sair ríspida.

Me desvencilhei de seu toque e voltei a subir os degraus. 

Sinto seu olhar em minhas costas enquanto subo a escada. 

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Continua...

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