QUATRO

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Emma

O sangue banha a terrra coberta de corpos. Ortiz está em silêncio absoluto e minha respiração é o barulho mais alto que sobrou. Eu tenho dezesseis anos denovo e minhas mãos estão pesadas com sangue seco.

Meu pai tem milhares de flechas cravadas nas costas. Está tão fraco que mal consegue manter sua forma legítima. Lowan está morto com o peito aberto grosseiramente. Callia está com agarganta aberta, engasgando com sangue. Norvell tem a mandíbula rasgada e praticamente arrancada e Helus está morto ao seu lado sem uma das pernas. Ouço os gritos de Pontiac, mas não a vejo. Começo a chorar, mas as lágrimas não saem. Quero gritar de volta, mas nenhum som sai da minha boca. A Governanta aparece na minha frente, apontando para mim e de repente tudo perde o som. Meus lábios estão sujos de sangue e arregalo os olhos porque agora além de incapaz de chorar ou falar também estou imóvel.

— Generais não podem sentir nada — Ela grita, e parte para cima do meu pescoço. Não posso revidar.

Acordo com um pulo. Observo minhas mãos e conto os dedos. Toco meu pescoço. Meus dedos encontram curativos e bandagens pela maior parte de sua extensão. Meus olhos se arregalam. Engulo com dificuldade. Tento falar; nenhum som sai. Lágrimas brotam em meus olhos mas não sei se consigo deixá-las sair. Ela mandou eu assistir calada, e agora eu não poderei mais falar. Tento sair da cama, então percebendo que estou presa nela com algemas e correntes nos pulsos e tornozelos.

Meu pescoço inteiro dói, e mexê-lo só torna tudo mais insuportável. Não tenho mais o luxo de uma maca e um remédio. Agora tenho que ficar acorrentada à cama sem anestesia ou qualquer outra coisa que possa aliviar minhas dores. Agora eu sou sua prisioneira. Assim como Lowan sempre foi.

Uma serviçal entra no meu quarto, e não a reconheço. Mas é claro, nenhuma pessoa de confiança poderá me atender até que minha garganta esteja cicatrizada. Ninguém pode me curar para que eu finja estar sem voz. Sei que ela planejou assim. Não era nenhum segredo que alguns serviçais me obedeciam mais que ela, ainda que ela não saiba que sou Nyx. Não tenho nada a fazer a não ser lamentar e imaginar as condições atuais de Lowan. Imagino que depois da Governanta quase me matar, Lowan tenha calado a boca, então deve estar vivo. Mas a que custo? Preciso de uma curandeira antes que não consiga mais falar nada, e preciso fugir antes de ser jogada nas ruas por perder a utilidade e perder também contato com as únicas pessoas que pretendo salvar. Preciso que um de meus companheiros decida esporadicamente vir até meu quarto para checar como estou. Sei algum deles conseguir fazer isso, então estarei salva, ainda que por mais algumas semanas. Não vai dar para esconder minhas condições de um trio de enxeridos por tanto tempo.

Penso em voltar a minha forma felina, mas provavelmente só tornará as coisas mais dolorosas e talvez abra ainda mais meus ferimentos, além disso, atravessar como estou pode me levar às Trevas, ou então simplesmente levar as algemas, e consequentemente a cama, junto comigo. Então, ocupo minha mente pensando sobre as propriedades da adaga que fez esse estrago em mim.

Fui tão impulsiva que não tive tempo para analisá-la. Tento entender a profundidade que ela atingiu, já que aparentemente não foi mortal, ainda assim, foi profunda o suficiente para me fazer parar de falar. Preciso de um espelho e preciso tirar esse curativo para concluir se havia veneno de Blusher na peça. O que eu duvido muito, já que a Governanta nunca torturou Lowan com algo que fosse tão fácil de enganá-la, quanto as cicatrizes. Então ao ser curada por uma serviçal minha pele voltará a ser nova, sem deixar marcas de violência, e provavelmente terei de cortar minha garganta novamente, profundo o suficiente para deixar uma cicatriz, mas sem atingir nada além de pele.

Encantadora Sombria (em revisão)Onde histórias criam vida. Descubra agora